quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

memórias literárias -24 - CONSTRANGEDOR


24 - CONSTRANGEDOR...


- Irmã, por favor, me ajude, porque ainda não consegui localizar a igreja!

- Mas, pastor, o senhor está bem pertinho! Olha, siga duas ruas à frente após o semáforo e desça à esquerda. No quarto cruzamento vire à esquerda e vá para o número 252.

- Ah, meu Deus, direita, esquerda, semáforo, irmã, eu vou me atrasar um pouquinho!

O pastor estava procurando a igreja Batista da Vila Colônia. Mas a cidade é grande e era a sua primeira vez naquela região. Levou consigo o guia de ruas, mas, por via das dúvidas, deixou o celular ligado. Tentou orientar-se com a secretária da igreja, que era a esposa do pastor local. Mas ele estava tão aflito, que não conseguia nem achar o semáforo.

- Segunda, terceira, ah, droga, cadê esse semáforo? Eu vou chegar atrasado! Meu Deus, me ajude!

- Calma, pastor, o senhor vai conseguir já, já! - disse a secretária, do outro lado da linha.

Subitamente o pastor cruzou a terceira travessa, enquanto falava com a moça. Foi quando tentou cruzar a terceira travessa. Não percebeu que havia um semáforo bem no cruzamento, e o sinal era vermelho. Ele passou. Na rua que cruzava um outro veículo vinha devagar, obedecendo ao sinal verde. Ao perceber o descuido do pastor, acabou brecando violentamente e conseguiu evitar uma tragédia. Bem, evitou a batida, mas a tragédia... Ele esqueceu de desligar o celular. A irmã o chamava:

- Pastor, pastor, o que aconteceu?!

O outro motorista, que fora cortado, sem saber que o pastor estava perdido, começou a gritar:

- Seu imbecil, não viu que o sinal estava vermelho pra você?

- Imbecil é a sua mãe, seu palhaço! Eu cruzo no vermelho quantas vezes quiser e ninguém tem nada com isso! Vai encarar?

- Olha, não me ameace não, porque você não sabe com quem está mexendo...

- Ah, judiação do nenê! Tô morrendo de medo! Vem, vem me pegar, seu sem-vergonha! Vem se você for homem!

A secretária, atônita, pensou:

- Meu Jesus, e agora? Ele vai apanhar na rua! E o meu marido que não chega...

O motorista do outro carro parou e desceu. Tinha um pedaço de pau dentro do carro, que ele tirou com ares de superioridade. O pastor, por sua vez, sangue quente, enfiou a mão por debaixo do banco e tirou o extintor de incêndios.

- Ele quer briga? Pois vai ter! - pensou.

Ambos estavam na rua. O celular do pastor estava pendurado na cinta. E a secretária já estava rouca de tanto gritar, inutilmente.

- Olha aqui, seu barbeiro - falou o outro motorista - É melhor ir andando, se você tiver amor pelos seus filhos. Você está errado e vai apanhar aqui e agora. Assim, saia enquanto é tempo!

- Seu cafajeste, pensa que a rua é só sua? Só você sabe guiar? Vem, vem aqui com o papai, que eu te dou um banho de espuma!

A secretária já estava roxa de tanto gritar e agora ficava pálida: eles iam brigar!

Mas, subitamente, o outro motorista disse:

- Quer saber de uma coisa? Você é insignificante demais pra mim. Não vou estragar meu pedaço de pau numa cabeça tão oca quanto a sua. Dá o fora, imbecil!

- ahahahah, amarelou, né, palhaço? Pois eu é que não vou gastar o meu extintor num cara que não honra as calças. Vá pro inferno e não cruze mais comigo!

- Vá pro inferno você, babaca!

Os dois entraram nos seus carros e saíram cantando pneus, quase batendo novamente. Mas foram embora. O pastor parou o carro e começou a xingar:

- Cara fdp, v, c, &*()(  #$@R%^^^& (palavras intraduzíveis, caríssimo leitor. Qualquer dúvida, pergunte para a secretária, que estava na linha, ouvindo tudo).

Então, lembrando-se das conferências da noite, cujo tema era MANSOS COMO CRISTO, parou um pouco, tentou lembrar-se do endereço e tentou ligar pra secretária. Sem aperceber-se que havia linha no aparelho, apertou os botões e disse:

- Alô? Já atendeu, irmã? Que rapidez!

Ela, escandalizada, envergonhada, decepcionada, sem ter o que dizer, falou:

- Desce a segunda à direita e vira à esquerda. Número 252.

E rapidamente o pastor chegou à igreja. Estacionou, escolheu o seu melhor sorriso, disse consigo mesmo que aquelas coisas acontecem e são passageiras, desceu do carro e, em lugar do extintor, tomou a bíblia e o hinário.

As pessoas, ansiosas por cumprimentarem-no, aproximaram-se. Ele, cortez e cavalheiro, a todos atendeu com carinho. O pastor da igreja, que chegara atrasado, estava ocupado na sala de reuniões e iria entrar no decorrer do culto, para apresentar o pregador.

O culto começou. Orações, leituras responsivas, corinhos da equipe de louvores, números especiais, um culto e tanto! O pastor-visitante estava feliz.

Então, antes de passarem a palavra para ele, chamaram o pastor da igreja, para que ele fizesse a apresentação. O pastor da igreja não o conhecia pessoalmente, só por fama de bom pregador.

Foi quando o pastor entrou, pela porta dos fundos, ao lado da esposa, a secretária da igreja. O pastor visitante estava de costas, falando com um corista.

O pastor da igreja olhou para o auditório, olhou para o pastor e ficou mudo. O povo imaginava que ele estivesse escolhendo as palavras para apresentá-lo de forma polida e diplomática. Afinal, ele gostava de honrar os visitantes. Mas o silêncio estava custando a passar, e começava a ser constrangedor. Algumas bagas de suor escorriam pela testa do pastor. O pastor visitante, de repente, sentado onde estava, envermelhou-se e abaixou a cabeça, no maior silêncio também.

Agora a igreja estava preocupada.

Os adolescentes diziam:

-"Aí, meu, da hora esse suspense! Acho que pintou sujeira, saca só!"

Um garotinho de dois anos olhou pra mãe e perguntou:

- "Mamãe, o pastor usa flaldas também? Ele tá fazendo a mesma cala que eu faço quando tô fazeno cocô" . E a mãe: "Cala a boca, menino!"

Um seminarista cutucou a namorada, com ares irônicos, e falou:

- Tá vendo, bem? Até ele esquece o esboço de vez em quando. Não sei porque só falam de mim".

Silêncio na igreja. Um olhava para o rosto do outro, sem saber o que fazer. O coral fazia gestos ao regente, que os mandava aguardar. Eram duzentas pessoas suando, sem saber nem porquê.

E o pastor, no púlpito, começou a chorar. A igreja pensou que ele tivesse recebido uma notícia ruim. Mas, estranhamente, o pastor visitante também, e de soluçar!

Um universitário, novo convertido, exclamou:

- Poxa, cara, surrealismo pós-moderno! Divino!

O choro dos dois, cada um no lugar onde estavam, era tão comovente, que muitos começaram a chorar também, sem terem a mínima idéia do porquê. Um crente pentecostal, que estava alí, arriscou a dizer para os seus colegas de banco:

- Aleluia, irmãos, acho que ele recebeu o batismo! Eu sabia! Um dia ia acontecer! Aleluia!

O pastor visitante levantou-se e desceu da plataforma, chorando. Realmente comovente. Estava indo embora pelo corredor lateral, quando o pastor da igreja disse, ao microfone:

- ESPERE!!!

- Pra quê?

- Porque somos crentes!

Então o pastor visitante estacou, virado de costas. O pastor da igreja começou:

- Irmãos, há cerca de uma hora eu e ele quase saímos no tapa no cruzamento da rua de cima, por causa de uma briga de trânsito. Ele iria me dar um banho de extintor de incêndios, e eu iria surrá-lo com um pedaço de pau que guardo no carro. Amados, quando é que eu iria imaginar que esse era o homem que eu havia convidado para pregar aqui na igreja hoje?

E o pastor visitante, do corredor, exclamou:

- E como eu iria saber que o senhor era o pastor da igreja que eu estava procurando?

Voltaram a chorar. Agora a igreja chorava de gosto, porque sabia a razão.

Um velho diácono, experiente, sincero, leal e consagrado, tomou a palavra e disse:

- Igreja, que sermão melhor poderíamos ouvir sobre ser MANSO COMO CRISTO? Esses pastores, humanos, pecadores, falhos, mostraram para nós tudo quanto não devemos fazer, e certamente muitos de nós fazemos até pior! Nós só não temos coragem de dizer! Mas, se eles pecaram, Jesus é fiel e justo para perdoá-los e purificá-los! E essa é a maior lição! Pastores, vocês são crentes! Lembrem-se do que diz a Bíblia: "irai-vos e não pequeis, não se ponha o sol sobre a vossa ira" (Rm 12.19). Vocês acham que Jesus faria o que vocês fizeram? Ele era manso! Sejam mansos também! E agora façam o favor de se reconciliarem e glorificarem ao Senhor! Vamos, pastores, o que estão esperando?

Envergonhados, pálidos, assustados, os pastores saíram de seus lugares e, nas escadas da plataforma, abraçaram-se, pedindo perdão um para o outro, em lágrimas comoventes, que marcaram a vida daquela igreja. Naquele dia o sermão não foi pregado com palavras, mas proclamado com atitudes. Não pelo pecado que cometeram, mas porque aprenderam que pecar custa muito caro. E Deus usou o velho diácono como nunca havia usado. Seja Deus engrandecido.

Faz 4 anos que isso aconteceu. E há 4 anos essa igreja não tem mais problemas de ressentimentos ou mágoas, porque, assim que surgem os problemas, são tratados com responsabilidade. Afinal, ninguém quer passar o vexame que os pastores passaram.

POIS SENDO RESGATADOS POR UM SÓ SALVADOR
DEVEMOS SER UNIDOS POR UM MAIS FORTE AMOR
OLHAR COM SIMPATIA OS ERROS DE UM IRMÃO
E TODOS AJUDÁ-LO COM BRANDA COMPAIXÃO

SE TUA IGREJA TODA ANDAR EM SANTA UNIÃO
ENTÃO SERÁ BENDITO O NOME DE "CRISTÃO"
ASSIM O QUE PEDISTE EM NÓS SE CUMPRIRÁ
E TODO O MUNDO INTEIRO A TI CONHECERÁ

(hino 381 do Cantor Cristão, AMOR FRATERNAL, segunda e quarta estrofes

Pr. Wagner Antonio de Araújo
bnovas@uol.com.br
20/04/2002

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

memórias literárias - 23 - DESAFIO PARA OS CRENTES


23 - DESAFIO PARA OS CRENTES


"Tudo quando fizerdes, fazei-o de todo o coração, como para o Senhor, e não para homens, cientes de que recebereis do Senhor a recompensa da herança. A Cristo, o Senhor, é que estais servindo, pois aquele que faz injustiça receberá em troco a injustiça feita; e nisto não há acepção de pessoas" (Colossenses 3.22-25)

Estamos chegando num momento crucial da existência da Igreja do Senhor, uma época de semeaduras e colheitas. Esperamos uma grande colheita, pois, como diz a Palavra de Deus, "Aquele que semeia pouco, pouco também ceifará; e o que semeia com fartura, com abundância também ceifará" (II Coríntios 9.6)

O campo é o mundo, prezados irmãos. Há muito povo neste Brasil precisando de Cristo e de Sua salvação. São pobres, ricos, ignorantes, eruditos, sãos, doentes, homens, mulheres, crianças, velhos, religiosos, ateus, todo tipo de gente, cuja alma é eterna e que foram amadas por Deus, valendo mais do que o mundo inteiro! "Porque Deus amou ao mundo de tal maneira, que deu o seu filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna"(João 3.16).

Sei que Satanás, o adversário, tudo faz para prejudicar a obra de Deus. Ele é o usurpador, o inimigo. Ele odeia a Cristo e também aos seguidores de Cristo. Estamos invadindo o território do adversário. Ele luta contra Deus, contra a marcha do evangelho. No entanto, Cristo prometeu que as portas do inferno não prevaleceriam contra a igreja. "Sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela" (Mateus 16.18)

Que tipo de crentes Deus espera que sejamos, para que opere com Sua graça eficazmente, deixando Satanás sem a mínima vantagem em nenhuma ocasião?

1) CRENTES AUTÊNTICOS -  Em nossa época vivemos uma triste realidade: tudo é imitável. Há produtos falsificados, aparelhos falsificados, verdadeiras réplicas. No entanto, um crente autêntico jamais poderá ser copiado, pois há um diferencial inconfundível. Não são as roupas, não são as palavras bonitas, não são os versículos decorados ou os hinos apresentados. Um crente verdadeiro possui o FRUTO DO ESPÍRITO: "Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio" (Gálatas 5.22,23).  Você possui o Fruto do Espírito?

2) MENSAGEIROS DAS BOAS-NOVAS - Temos uma mensagem a propagar a todas as pessoas: Só Jesus Cristo salva! Este é o nosso lema, o nosso "slogan", a nossa marca registrada. Jesus ordenou: "Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a guardar todas as coisas  que vos tenho ordenado." (Mateus 28.19).  Devemos usar todos os recursos possíveis: folhetos, cultos ao ar livre, conferências, programas de rádio, visitas, cursos nos lares, telefonemas, cartas, etc.  Nossa missão é divulgar a salvação em Jesus
Cristo, e tudo investimos para este fim.

3) VIDA CRISTÃ DEDICADA - Precisamos de uma qualidade de vida que agrade a Deus e desperte os homens para Deus. A Bíblia diz: "Segui a paz com todos, e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor" (Hebreus 12.14). Os simples ouvintes da Palavra não têm nenhuma vantagem diante de Deus. Somente os praticantes experimentam a vitória: "Tornai-vos, pois, praticantes da palavra, e não meramente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos. Porque, se alguém é ouvinte da palavra e não praticante, assemelha-se ao homem que contempla num espelho o seu rosto natural; pois a si mesmo se contempla e se retira, e para logo se esquece de como era a sua aparência. Mas aquele que considera atentamente na lei perfeita, lei da liberdade, e nela persevera, não sendo ouvinte negligente, mas operoso praticante, esse será bem-aventurado no que realizar" (Tiago 1.22-25)

4) IRMÃOS AMADOS - Fomos feitos uma família. Na Casa do Senhor não há Araújo, Lima, Pacheco, Rodrigues, Fatel, Curcino ou Ferreira. Somos todos DO SENHOR. José do Senhor, Wagner do Senhor, Maria do Senhor. Temos todos um mesmo Pai, Deus. Temos todos um mesmo Senhor, Jesus. Temos todos um Espírito, o Espírito Santo. Não há lugar para contendas. Todos num respeito mútuo, com tarefas claras, sem ira nem amargura, sem desejo de domínio, sem fraqueza ou relaxo, sem insubordinações ou anarquismos.

5) CHEIOS DO ESPÍRITO SANTO -  Ser cheio do Espírito Santo deve ser uma realidade em nossas vidas. Preenchidas as condições, o Espírito Santo enche as nossas vidas. Vida reta e íntegra, leitura bíblica e momentos de oração constantes, nenhuma raiz de amargura, buscar o Reino de Deus em primeiro lugar, amar o próximo como a si mesmo, oferecer a Deus o corpo como sacrifício vivo, prestando ao Senhor um culto racional, são todas atitudes que, juntas, nos dão plena condição de sermos cheios do Espírito. "logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que agora tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim."(Gálatas 2.20). "E não vos embriagueis com vinho, no qual há dissolução, mas enchei-vos do Espírito" (Efésios 5.18)

Diante destas realidades, pois, conclamo aos queridos leitores que, no poder do Espírito Santo, vivamos para a glória de Deus, fazendo valer Sua Palavra, a saber, que somos mais que vencedores por meio daquele que nos amou  (Conforme Romanos 8.37)


Pr. Wagner Antonio de Araújo
Igreja Batista Boas Novas de Osasco, SP
www.uniaonet. com/bnovas. htm  

memórias literárias - 22 - E A VIDA CONTINUA ... ONDE?



22 - E A VIDA CONTINUA ...
ONDE?
Ontem estive no Hospital São Camilo, de Vila Pompéia, São Paulo, para tomar injeções e tratar-me de severa infecção. Fiquei sabendo do falecimento do ator Luiz Bacelli, primoroso ator televisivo-teatral, um dia antes. Esse ator transmitia, em suas atuações, grande cultura, brilhante interpretação, um ar paternal e fez muitos papéis ao longo da carreira, especializando-se, ao final, em papéis de cunho espírita cardecista. O último deles foi um requiém de si próprio, E A VIDA CONTINUA, filme hoje fartamente divulgado pelos cinemas e pelo TELE-CINE.  Ele tratava de um câncer e teve parada cardíaca. A mídia pouco divulgou, pois talvez, por não ser um ator de projeção midiática maciça não renderia muitos cliques ou a venda de muitas manchetes. Apenas noticiou pifiamente o falecimento.
Esse filme, que assisti ontem para fins apologéticos, com qualidade questionável em seus diálogos um tanto artificiais, com mixagem pobre e de roteiro às vezes quebrado, conta uma estória revelada pelo espírito André Luiz, psicografado por Chico Xavier. Trata-se de um homem e uma mulher que vão a uma clínica em Itapira para prepararem-se psicologicamente para a cirurgia de câncer. Ambos esbarram-se na estrada e sentem conhecer-se há muito tempo. Ela, católica, ele, espírita. No hospital os vínculos aumentam e ele tenta explicar a ela a teoria cardecista do espiritismo: o espírito é o carroceiro, o perispírito é o cavalo e o corpo é a carroça. Quando a carroça quebra o carroceiro monta no cavalo e busca nova carroça e assim o processo de reencarnação acontece. Ela protesta, mas a conversa agrada.
Após a cirurgia ambos acordam no hospital em condições boas, mas aos poucos descobrem-se não na Terra, mas no Novo Lar, uma plataforma idêntica à Terra, materializada para eles, com pessoas, construções, hospital, cidade e vida social. Recebem a permissão de visitar seus familiares na Terra. Para isso vão de "vôo espiritual", um perfeito avião do além. E no "aeroporto espiritual" terão horário para voltar. Então a história desvenda-se: o homem descobre-se pai da mulher que traía essa amiga com o antigo marido; também descobre que ele, o amigo, é o assassino do pai dessa nova amiga. E ambos descobrem vínculos familiares profundos, onde cada um fez algum mal profundo para o outro ou para os seus. E vêem que todos precisam se reconciliar.
Lá na plataforma o orientador diz algumas coisas importantes:
1) Deus deu ao homem um livre-arbítrio total e exige que ele cumpra essa sua capacidade;
2) Os homens escolhem o seu destino e ao morrerem, se perdidos moralmente, vão para essa plataforma mas ficam do lado de fora, numa materialização horrenda de escuridão, trevas, solidão e dificuldades. Os que vão para o lugar melhor fazem incursões para tentar ajudar os sofredores e às vezes conseguem resgatar alguma alma penada.
3) Os homens reencarnam para poder evoluir em sua vida moral e em seu crescimento interior. No caso do filme, o homem que foi morto reencarna como filho do jovem que o matou; a mulher que gostava do homem velho assassinado pelo amigo reencarna e será esposa dele na próxima encarnação. E assim os espíritos ficam concentrados numa mesma família.
4) As plataformas espirituais concentram pessoas de uma mesma região. No filme todos eram paulistas. Subentende-se que há plataformas para nordestinos, para ingleses, africanos, e assim o planeta está repleto por milhares de mundos intermediários.
5) No final todos poderão gozar de uma evolução moral e espiritual, mediante sucessivas reencarnações, concentradas em castas de espíritos, que ora são mães, ora são filhas, ora esposas, ora amantes, e vice-versa com os homens. Reencarnarão quantas vezes forem necessárias e ao final subirão aos mundos superiores.
6) A religião ali guarda também as suas castas, mas estão separadas em plataformas fanáticas até que possam evoluir para um convívio universal.
Portanto, segundo o filme,
1) Não há Jesus no mundo do além, exceto em uma ou outra frase afirmativa, convidando as almas penadas para vir até Jesus. A soteriologia é inteiramente baseada no livre-arbítrio e no mérito humano, nas sucessivas reencarnações voluntárias ou impostas e o homem terá que evoluir sozinho, ainda que com a ajuda de espíritos já evoluídos que o ajudam lá e cá.
2) Todo mal moral e toda debilidade de caráter terá que ser reparada por si só e quantas vezes forem necessárias. E todos são filhos de Deus, independente do que fazem, estando apenas desajustados com os propósitos criativos, mas que no final alcançarão essa evolução.
3) Pessoas mortas voltam para sugerir na mente de familiares e amigos coisas que os ajudem a evoluir, e está subentendido que outros mortos não sobem e ficam amarrados aos locais de sofrimento ou de violência, e incitam o mal e o crime também. Cabe às pessoas discernirem esses pensamentos; muitas nem percebem tais sugestões, apenas lembram-se de seus mortos queridos ou de seus inimigos e associam alguns pensamentos.
4) O mundo do além é um mundo igual a este, porém ecologicamente correto, iniciado num baita hospital, com departamentos, faculdades, publicação de livros, tecnologia de filmagem, enfim, uma cópia tecnológica do hoje.
5) Os ciclos continuam ininterruptamente até que cumpram seus propósitos. Depois viram espíritos superiores e sobre esses nada se disse.
Custo a acreditar que a TV GLOBO, o TELE-CINE e tantas outras empresas, não apenas invistam culturalmente nessas produções (como fazem com os atuais artistas gospel) e mantenham uma fé velada nesses conceitos trasmitidos por supostos espíritos desencarnados aos grandes médiuns espíritas.
A minha conclusão sobre o filme e sobre toda essa teologia cardecista tupiniquim (de origem claramente brasileira):
1) Os homens criam tais teorias e as transmitem com a finalidade de confortar o tremendo medo do além e jorrar esperança num futuro incerto após a morte. São teorias fantasiosas ao extremo, que buscam iludir ou auto-iludir os seus seguidores, transformando a morte em um remédio necessário e bem-vindo.
2) Os homens desconhecem qualquer ação redentora de Jesus Cristo. Não há espaço para o PERDÃO COMPLETO, PLENO, IRREVERSÍVEL, conseguido na cruz pelo sacrifício de Jesus. O papel de Cristo foi o de transmissor de ensinamentos, não o de pagador dos pecados da humanidade. Não há como substituir o que cada um terá que pagar, não há como impedir uma evolução natural e pessoal de alguém.
3) Não há inferno definitivo. O que há é um estado temporário de acidez de caráter, de alma turbada e violenta, mas que ao longo do tempo evoluirá para uma alma boa. Nessa teologia o túmulo não é o fim e aos homens está ordenado morrerem várias e várias vezes, vindo depois disso a avaliação do que fez e a graduação do espírito. O inferno é uma projeção do mal pessoal, mas que será transformado.
4) Esta é uma construção tão fantasiosa, tão imaginativa, uma fábula tão bem engendrada que necessita de gente muito crente e muito crédula para segui-la. Mas conta com a força do inimigo do homem, Satanás, para a divulgação maciça e tecnológica, e faz adeptos nas mais variadas classes sociais, principalmente entre os mais cultos e mais ricos. Já os pobres mantém-se com fé similar, mas nas baixas doutrinas espíritas, as chamadas afro-brasileiras. Todas, contudo, excluem Cristo como Redentor, excluem um Céu como dádiva aos perdoados e salvos e mantém o homem escravo de um ciclo imenso de morte/readaptação/renascimento/morte/readaptação/renascimento. Um sistema que escraviza a alma a um "ecossistema espiritual" do tipo evaporação da água/formação de nuvens/chuva/penetração na terra/nascimento nas fontes/evaporação etc.
5) Essa fé e essa teologia não são nem reais e nem cristãs. Não são reais pois partem do material para o espiritual, sendo uma mera projeção social da mente dos intelectuais, criando um "admirável mundo novo" igual ao nosso, tão humano como foram humanas as mentes que o imaginaram. Uma fantasia linda e monstruosa, mas apenas uma fantasia. Não é real. Cada médium e cada espírito ensina um pouco diferente, explica o mundo além com uma vertente e então é necessária uma ginástica teológica para que os adeptos tenham uma parca idéia geral do que realmente os aguarda. Não é cristã porque Cristo não ocupa lugar algum nela. Ele é substituível. Ele é dispensável. Ele já passou. Ele é só um ícone, sem função alguma senão a de um grande espírito evoluído.
6) A Bíblia não tem papel algum nessa teologia. Não há valorização alguma dos fundamentos religiosos judaicos e cristãos. São equiparados a preconceitos de almas não evoluídas. O que conta são as revelações dos espíritos evoluídos, os "anjos", supostos homens que já não estão mais na plataforma, mas nas regiões superiores.  Isso nos dirige às seguintes conclusões:
a) A negação das Escrituras Bíblicas é o sintoma de sua falsidade. "À lei e ao testemunho! Se eles não falarem segundo esta palavra, é porque não há luz neles." (Is 8:20)
b) Suas revelações mediúnicas por "anjos" estão previstas e condenadas na Bíblia: "Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos anuncie outro evangelho além do que já vos tenho anunciado, seja anátema." (Gl 1:8); "Assim, como já vo-lo dissemos, agora de novo também vo-lo digo. Se alguém vos anunciar outro evangelho além do que já recebestes, seja anátema." (Gl 1:9)
c) Não há relação de compartilhamento ou de incursões nos mundos separados dos iluminados e dos escurecidos: "E, além disso, está posto um grande abismo entre nós e vós, de sorte que os que quisessem passar daqui para vós não poderiam, nem tampouco os de lá passar para cá." (Lc 16:26)
d) Não há transferências de estado e há punição eterna, para sempre, sem trégua ou perdão, não porque Deus não ame os punidos, mas porque não houve posse de arrependimento ou fé: "Ficarão de fora os cães e os feiticeiros, e os que se prostituem, e os homicidas, e os idólatras, e qualquer que ama e comete a mentira." (Ap 22:15); "E a fumaça do seu tormento sobe para todo o sempre; e não têm repouso nem de dia nem de noite os que adoram a besta e a sua imagem, e aquele que receber o sinal do seu nome." (Ap 14:11)
e) Não há segundo nascimento para uma segunda morte: "E, como aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo," (Hb 9:27). Quando Cristo fala sobre "novo nascimento" recebe de Nicodemos a pergunta: "como pode um homem nascer sendo velho? Voltará ao ventre de sua mãe?" Seria um bom momento para Jesus dizer: "sim, quantas vezes forem necessárias". No entanto Cristo desvincula esse novo nascimento da maternidade natural, ao dizer: "O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito." (Jo 3:6).
f) O papel de Cristo não foi meramente pedagógico, não nasceu Ele para ser apenas um profeta. Ele nasceu para ser CRISTO, ou UNGIDO, ou MESSIAS, ou ENVIADO E PROMETIDO, rei e Salvador: "E Simão Pedro, respondendo, disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo." (Mt 16:16); "Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque eu o sou." (Jo 13:13); Ele é o próprio Deus encarnado: "Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu, e o principado está sobre os seus ombros, e se chamará o seu nome: Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz." (Is 9:6)
g) Há perdão integral, imediato e completo para quem crê no Senhor Jesus Cristo, sem ter a necessidade de passar por reparações ou vidas que consertem os estragos anteriores. O ladrão na cruz, arrependido, exclama: "Lembra-te de mim quando vieres no Teu Reino"; ao que Cristo responde enfaticamente: "E disse-lhe Jesus: Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso." (Lc 23:43). Paulo afirma inspirado pelo Espírito Santo: "A este dão testemunho todos os profetas, de que todos os que nele crêem receberão o perdão dos pecados pelo seu nome." (At 10:43)
h) Não há outro caminho para a evolução final, pois a única evolução que existe para a alma humana encontra-se em sua regeneração em Cristo, quando somos feitos participantes da natureza divina. Fora de Cristo não há salvação: "E em nenhum outro há salvação, porque também debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos." (At 4:12)
Minhas ponderações não exaustivas e completas, pois poderia citar centenas de outras argumentações que me fazem rejeitar o ensino de E A VIDA CONTINUA, ensino credenciado pela Federação Espírita Brasileira e apoiado pelas organizações GLOBO e por meio mundo de brasileiros. A minha fé em Cristo condiciona a minha fé em qualquer outra coisa. O meu parâmetro de julgamento não é o que eu acho, o que eu sinto, o que eu penso, o que eu imagino, o que o médium disse, mas o que Deus diz em Sua única e exclusiva revelação escrita, a Bíblia Sagrada, que é lâmpada para os meus pés, luz para os meus caminhos, que não pode ser cortada ou dissecada como uma rã em laboratório, aproveitando os pedaços que são favoráveis às minhas fantasias, mas ser crida, vivida e aceita integralmente, interpretada à luz de Cristo e de Sua obra.
Sim. A vida continua.
Mas não do jeito que Luiz Bacelli a interpretou e talvez, infelizmente, do jeito que imaginou em sua hora da morte na última segunda-feira.
A vida continua, ou no Céu para os remidos em Cristo, ou no Inferno, para os que o rejeitam.
Analisei com todo o respeito aos que crêem diferentemente. Ter opinião não é ofender pessoas mas debater e demonstrar idéias e construir reflexões. E as minhas continuarão fundamentadas nas Escrituras Sagradas e não nas vozes mediúnicas dos cardecistas.
São Paulo, Brasil, 27 de fevereiro de 2013
Wagner Antonio de Araújo
pastor da
Igreja Batista Boas Novas do Rodoanel em Carapicuíba, São Paulo, Brasil
presidente atual da
Ordem dos Pastores Batistas Clássicos do Brasil
reprodução autorizada

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

memórias literárias - 21 - HONRANDO AS CÃS


21 - HONRANDO AS CÃS
Diante das cãs te levantarás, e honrarás a face do ancião;
e temerás o teu Deus.
Eu sou o SENHOR.
(Lv 19:32)
Quando eu era pequeno, pensava que “cãs” eram as fêmeas dos “cães”. Foi quando descobri que cãs eram os cabelos brancos de um idoso, sinônimo de pessoas muito experientes e bastante vividas.

Deus nos manda honrar os idosos. Nesse sentido, deveríamos nos levantar para eles, deveríamos respeitar a face deles. E, infelizmente, o mundo ocidental de hoje não faz isso. O mundo oriental, já tão contaminado com nossos maus costumes, também tem relegado ao segundo plano o respeito para com os mais velhos.

Parece que nossas igrejas começam a ignorar os idosos também. Se não os ignoram, pelo menos os classificam como seres de segunda classe, gente de menor importância, meramente um “grupo da terceira idade”, ou da “melhor idade”. Estou para afirmar que esse não é o desejo do ancião, nem de Deus.

Dizer ao velho que ele é velho e que deve se colocar no lugar de velho, não traz benefício algum. Pelo contrário, demole sua auto-estima e lhe tira qualquer perspectiva de relevância numa sociedade de jovens. O idoso não precisa de ninguém a repetir-lhe o que as juntas do seu corpo cansado falam o tempo todo. Ele não precisa ser lembrado de que já está prestes a partir. Também não precisa ser colocado no rol dos “que dão trabalho”, e que vão ocupar-se de coisas de pouco valor (jogar dominó, dar milho aos pombos, dançar a valsa da saudade).

O idoso é digno. O idoso é importante. O idoso é fundamental, e precisa ser valorizado. O idoso tem características especiais, que não o tornam menos importante que os demais.

Há muitos pastores que, em suas visitações quotidianas, visitam apenas os idosos ricos, que poderão cobrir-lhes de recursos para seus sonhos nem sempre exequíveis. Se o velho é pobre e sem dinheiro, só receberá visitas quando estiver no leito de morte, ou quando a família ameaçar deixar a igreja. Que vergonha! O idoso é uma bênção! Não é um entulho! Não é um peso! Aliás, não raras vezes, pastores idosos são tão desprezados quanto os idosos da igreja: não prestam para administrar igrejas, não são convidados para pregar, não recebem o carinho e a mantença de suas ex-ovelhas, que têm agora um pastor jovem. Que tristeza!

A igreja que valoriza os idosos honra a Deus. Há muito para eles fazerem no Reino de Deus! Primeiramente, são bons ouvintes. Servem como conselho consultivo. Depois, como confessores: como precisamos de um ombro amigo para abrir o coração, e como os idosos são compreensivos! Tive em meu ministério, uma Dna. Maria (Vila Souza), uma Celina (Boas Novas Jd. Brasil), Alice (Bela Vista Osasco), Isabel e Sinair (Boas Novas Osasco), sem contar a minha amada e saudosa mamãe. Eu não seria o que sou, se essas mulheres não fossem minhas confidentes. Quantos conselhos recebi! E eram todas idosas, octogenárias!

Valorizar o idoso equivale a honrá-lo. Prestigiar sua presença, visitá-lo, sentir sua falta, levar a igreja ao seu lar, telefonar-lhe, dar-lhe presentes, dar-lhe tarefas possíveis e importantes, buscar sua participação, torná-lo importante, útil e ativo. O idoso rejuvenescerá. Ele reencontrará motivos para continuar vivendo. E a igreja provará que todos são importantes na família divina.

Honremos os nossos idosos!

Wagner Antonio de Araújo
Igreja Batista Boas Novas de Osasco, SP
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bnovas@uol.com.br 

memórias literárias - 20 - COMUNHÃO COM DEUS


20 - COMUNHÃO COM DEUS
Perguntei a um jovem: "como está a sua comunhão com Deus?" Ele me respondeu, com ares de quem não sente a menor crise de consciência: "Não posso dizer que vai bem, mas o básico eu faço: oro antes de dormir e leio um versículo da bíblia, pelo menos". Pobre garoto! Engana-se a si mesmo! Tal relação espiritual em muito se assemelha aos casais de namorados, com relacionamento em estágio terminal: não há o que conversar, não há o que comentar, só se pede, nada se dá, e a culpa é sempre do outro. Para o menino, Deus ainda deveria estar muito contente de haver um rapaz que lê um "versiculozinho" ou que faz uma "oraçãozinha-merreca" antes do ronco. É mais um jovem evangélico, a demonstrar, de forma grotesca e rústica, a péssima qualidade espiritual da igreja do século XXI.

Quando não há comunhão, a grande questão é: "até onde será que eu posso ir? Posso beber? Posso fumar? Posso ficar? Posso transar? Quantas vezes eu posso pedir perdão pelo mesmo pecado? Se ninguém ver, estará tudo bem? Será que não é apenas preconceito, uso e costumes, questões culturais?" Aquele que vive um estado espiritual meramente vegetativo, caça brechas, nas quais possa enquadrar-se como alguém menos pecador do que realmente é. É a vontade de auto-justificar-se à todo custo. Seu cristianismo é pura tradição.

Quando há comunhão, a questão é outra. Não se pergunta: "posso fazer isso?", mas "devo fazer isso? Será que edifica? Será que é construtivo? Isso beneficiará a mim e aos demais? Não será motivo de escândalo? E se um irmão mais fraco me vir assim, estaria eu em paz comigo mesmo e com Deus? O que quero está baseado no amor altruísta?" No coração do legítimo comungante, a glória de Deus e a edificação do próximo vêm em primeiro lugar. O gosto pessoal passa por esses crivos. E as decisões são baseadas nisso, mediante a revelação contida nas Escrituras Sagradas. É a chamada "lei da liberdade em amor", mencionada por Tiago, em sua epístola.

Para Cristo, quem o ama guarda os seus mandamentos. E quem não o ama, não guarda. É simples, não? Alguns considerariam simplista, mas não é. Deus é um ser definido. Não há morno, mas quente ou frio. Não há talvez, mas sim ou não. Não há purgatório, mas céu ou inferno. Deus é tão claro e definido como o código binário, da informática: ou é zero, ou é um. Não há dois ou mais. Ou se está ligado, ou desligado. Ou se é salvo, ou se é perdido. Ou se ajunta, ou se espalha. Ou se é à favor, ou se é contra. Ou se é fiel, ou se é infiel. Ou se está certo, ou se está errado. Citando novamente os dizeres do Senhor, ou se ama a Jesus, guardando os mandamentos, ou simplesmente não se ama.

Você é do tipo que ama a Jesus? Ou nunca lhe passou pela cabeça que o amor, desejado por Cristo, traduz-se em atitudes, não meramente em palavras? É fácil demais nos escorarmos na justificação pela fé, mediante a graça do Senhor. O difícil é entender e aceitar que essa graça, motivada pela fé que ela nos outorga, produz indubitavelmente um fruto, e esse fruto se chama obediência. Quem não obedece, ainda não experimentou, de fato, do amor de Deus em sua vida. O Apóstolo Paulo diz: "o amor de Cristo nos constrange" II Coríntios 5.14. Se o amor de Cristo não estiver a constranger o nosso coração, então não houve salvação, nem justificação, nem regeneração, e estamos perdidos.

E não se está falando aqui de perfeição. Nenhum de nós é perfeito. Nem um de nós é isento de pecado. Todos tropeçamos e caímos. Infelizmente nós ainda não alcançamos a perfeição, e nem a alcançaremos enquanto na Terra. Mas falamos de comunhão: quanto mais próximos do Senhor, mais tocados e transformados somos, e menos coisas erradas e egoístas praticaremos. Em comunhão, subimos os degraus da santificação constantemente, e buscamos não descê-los de novo. Vamos nos esquecendo do que fica para trás, e vamos prosseguindo, sempre melhorando, sempre vislumbrando um comportamento mais correto, mais santo, mais justo, mais perfeito. "Mas a vereda dos justos é como a luz da aurora, que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito." (Pv 4:18). "Irmãos, quanto a mim, não julgo que haja alcançado a perfeição; mas uma coisa faço, e é que, esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão diante de mim, Prossigo para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus." (Fp 3:13-14)

Mas ainda pecamos, mesmo sendo crentes. Contudo, há uma diferença básica: os que são regenerados pecam esporadicamente, vitimados pelas armadilhas da carne, do mundo e de Satanás. E arrependem-se amargamente, logo após a tragédia, seja ela grande ou pequena. O Espírito Santo nos convence do pecado (João 16.8). Se somos do Senhor, não teremos paz de espírito em meio ao erro. A consciência nos acusará, a vergonha nos corará, a tristeza do Senhor nos enquadrará. Mas é para o nosso bem, "Porque a tristeza segundo Deus opera arrependimento para a salvação" (2Co 7:10). Seu propósito é disciplinar, para que não pequemos mais. Deus diz, em Primeira João: "Meus filhinhos, estas coisas vos escrevo, para que não pequeis; e, se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o justo." (1Jo 2:1). E, para fortalecimento maior da confiança que temos no Senhor, encontramos também: "Porque sete vezes cairá o justo, e se levantará; mas os ímpios tropeçarão no mal." (Pv 24:16); "Ainda que caia, não ficará prostrado, pois o Senhor o sustém com a sua mão." (Sl 37:24).

Mas os não-regenerados não se arrependem. Erram, zombam, brincam de enganar a Deus manhã após manhã, e, não raras vezes, tentam enganar a si mesmos com uma falsa comunhão, com uma "oraçãozinha-merreca" e um "versiculozinho" por dia. Irmãos, definamo-nos diante de Deus! Saiamos de cima do muro, e escolhamos hoje a quem queremos seguir! "Arrependei-vos, pois, e convertei-vos, para que sejam apagados os vossos pecados, e venham assim os tempos do refrigério pela presença do Senhor," (At 3:19). A vitória sobre o pecado só é possível quando nos rendemos ao Senhor, e render-se significa recebê-lo como Senhor e Salvador, de verdade, não só da boca para fora. Por que não fazê-lo agora, aqui mesmo, neste momento?

Digamos, se for o nosso caso: "Senhor, perdoa-me, pois sou escravo do pecado. Não consigo libertar-me e nem tenho vontade de libertar-me. Ajuda-me, opera em meu coração, dá-me a fé e o arrependimento necessários, e, com tua mão, segura bem a minha, conduzindo-me à regeneração pela fé em Teu nome. Quero amar a Jesus, e, em decorrência disso, guardar os seus mandamentos, demonstrando todo o meu amor. Por favor, atende-me. Em nome de Jesus, amém".

Deus nos abençoe!

Wagner Antonio de Araújo
Igreja Batista Boas Novas de Osasco, SP
Good News Partnership Missions no Brasil
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memórias literárias - 19 - ERA UMA VEZ PAULO, OU QUEM QUER QUE FOSSE...


19 - ERA UMA VEZ PAULO,
OU QUEM QUER QUE FOSSE...
Consolai,
Consolai o meu povo,
diz o vosso Deus!
(Isaías 40.1)

Eram duas da tarde e Paulo aguardava com expectativa a chegada do motoboy. Afinal, estavam prontos os convites para o seu casamento. Sítio alugado, serviço de "bufê", igreja grande, enfim, tudo. Agora era iniciar as visitas na casa de amigos e parentes. Como ele desejou esse dia! Na mesa o retrato de Angélica, ao seu lado, em trajes de banho, fazendo pose de apaixonada, na Ilha Bela, litoral paulista, em frente de São Sebastião. Que lindo!

Mas Paulo estava preocupado. Já era sexta-feira e ele só falara com Angélica na segunda à noite, e, ainda assim muito rapidamente. Ele tinha a impressão de que algo estava acontecendo.

Chega o motoboy e Paulo recebe os pacotes.

"Ah, tá'qui a minha felicidade. Ei, rapaz, leve um pra você, faço questão que você vá ao casamento". O rapaz agradeceu, recebeu o cheque da entrega e foi embora. Lá no corredor o diretor da empresa chega com um executivo e entra na sala de reuniões, mas Paulo está tão feliz que só tem olhos para a janela e para suas lembranças do futuro...

Toca o ramal. "Seu Paulo, Dna. Angélica na linha 2".

Todo feliz, Paulo diz:

- "Olá, amor! Que bom que você ligou! Chegaram os nossos convites! Ficaram lindos, do jeito que você queria! Passo aí hoje à noite pra você ver?"

Angélica, gaguejando um pouco, voz um pouco rouca, de quem chorara, diz, em tom sentido, mas firme:

- "Querido, é sobre isso que eu gostaria de falar. Queria lhe falar pessoalmente, mas vai ficar difícil, você sofreria muito mais. Sabe o Ferreira Júnior, aquele que namorou comigo faz uns três anos? Pois é, bem, eu o reencontrei num culto lá da igreja da minha mãe, a gente se falou, ele me convidou para tomar um suco, a gente conversou, se gostou de novo, e acho que pintou um clima. Eu lamento, amor, mas não posso enganar você: eu fiquei com ele e vou reatar meu namoro. Perdão, querido, perdão! Não fica triste, você vai achar a sua cara metade. Te amo também, mas vou tentar o Júnior. Tchau." Desligou antes que o Paulo pudesse dizer qualquer coisa.

O computador estava ligado, a figura do convite na tela, e o Paulo tremia, segurando-se na escrivaninha. Lágrimas incontidas saiam de seus olhos, e uma interrogação do tamanho do mundo aparecia: "Por que comigo? O que foi que eu fiz?"

Lá no corredor a sala de reuniões se abriu e o diretor saiu com o executivo sorrindo, fumando e falando alto. Entrou na sala do Paulo, como quem tem novidades.

- "Paulinho, tudo bem? Vim apresentar-lhe o Maurício Dantas, economista e administrador de empresas".

- "E aí, Dr. Maurício? Tudo bem? Prazer."

O diretor continuou:

- "Paulo, você se lembra quando lhe falei de que precisávamos de sangue novo aqui na firma? Pois é, é disso que a nossa organização precisa: garra, ousadia, criatividade! O Maurício veio pra trazer tudo isso. Mas tudo tem um custo, Paulinho. Infelizmente não temos condições de manter dois executivos no mesmo espaço. Passe no departamento pessoal e acerte tudo, pagaremos tudo o que você tiver direito. Valeu, você foi jóia pra nós. Certamente achará emprego fácil". E saiu, rindo e falando alto com o Maurício, que olhou para o Paulo com o olhar de quem diz "Sinto muito, cara, eu não sabia que ia dar nisso".

Paulo, abobado com o telefonema e o fim do noivado de dois anos, agora recebe demissão! A secretária entra correndo e diz:

-" Paulo, pelo amor de Deus, calma! Gente, ele está branco, tá suando e tremendo! Tragam uma água com açúcar, rápido!" Foi uma correria.

Paulo tomou a água com açúcar, ficou estático por uma hora, orou um pouco (ele era temente a Deus), mas a sua oração foi: "Senhor, sou humano. Preciso de consolo. Como faço? Não suporto tudo isso!"

Passou a mão no telefone e ligou para o Pastor da sua igreja. Ofegante, pediu para a esposa do pastor chamá-lo. "Sinto muito", disse ela, "ele viajou para o interior, para organizar o trabalho de nossa congregação, e o celular está fora de área. Posso ajudar?" Não, ela não podia. Não se sai por aí contando as tragédias para quem não se conhece muito bem, a gente precisa de pessoas íntimas, e o pastor, apesar de ser meio distante, certamente lhe ouviria, e não gostaria que sua esposa se aborrecesse com problemas de membros.

Então começou o seu martírio. Ele ia arrumando as coisas e lembrando de alguém: "Sim, Francisco! O 'tio' Francisco aconselha toda a juventude, ele vai me ajudar!" Ligou para o irmão Francisco. Do outro lado da linha o irmão diz: "rapaz, você não está com sorte. Só poderei conversar com você no domingo à noite, após o culto, estou saindo de viagem. Vou orar por você no caminho, certo?" Ah, Paulo, agora sentia-se só, sem um ombro para chorar!

Até tentou falar novamente com a "ex" noiva, mas ela insistia para que ele não ligasse mais. Tentou falar com o diretor, mas esse tinha ido embora, "tomar café" com o Maurício, apresentando-o para os vendedores. E agora? "Irmã Joana, não, se eu contar pra ela todo mundo fica sabendo. Irmã Glorinha ... não, ela ia dizer que não tenho fé; irmão Calixto, Deus me livre! Jamais! Ele diria que eu tenho idade para resolver os meus próprios problemas e que sou frouxo. Meu Deus, eu não agüento! Estou sem opção! É mole?"

Paulo não achou uma pessoa disponível: "Sinto muito, Paulo, estou saindo para a prova de Química"; "Paulo, ligue depois das onze, é a hora que eu chego da faculdade"; "Paulo, dá pra ser breve, porque estou no trânsito, compromisso inadiável"; "Paulo, agora estou brincando com meus filhos"; "Paulo, depois do jogo, ok? É o coringão e o Flu!"; "Paulo, estou orando, não posso confortar você"... "Meu Deus..." Carregando duas caixas de papelão até o carro, Paulo desabou em lágrimas.

Paulo era crente. Mas Paulo era humano também! Ele não estava agüentando o peso das duas caixas, não as de papelão, mas do papelão que fizeram com ele, terminando o noivado bruscamente e demitindo-o do serviço sem a menor piedade. Paulo precisava de um conforto, mas não encontrava.

Foi até a lanchonete da esquina, pateticamente chamada "Consolo's Bar". "Pede uma cerveja, Paulo!" Foi o que pensou. Mas, lembrando-se de que não bebia, pediu soda com limão e gelo. Chorava, bebia o refrigerante, pensava em algo, desesperava-se. Imaginava-se na igreja, a bênção do pastor, a assinatura no cartório civil, a viagem de lua-de-mel, os beijos, a maciez dos cabelos de Angélica, e agora os beijos que outro lhe roubava! Pensava em sua mesa de trabalho, sua secretária, seu carro, e agora a fila de seguro-desemprego, a humilhação de ter que começar tudo de novo!

"Não, eu não agüento mais isso! Deus, eu vou fazer uma besteira! Chega! Ninguém está aí pra mim! Não tenho um amigo, um irmão, um pastor que me acolha agora! Deus, não deixe que eu faça uma besteira, mas eu vou fazer porque cheguei ao meu limite! Me perdoe! " Eram 22 horas e Paulo estava próximo do Jaguaré, em São Paulo. Ele lembrou-se da Ponte da Cidade Universitária, que liga a USP à Praça Panamericana. Pensou no Rio Pinheiros. Pensou em jogar-se dali. Simularia um roubo, jogar-se-ia no rio, e tudo acabaria em duas ou três matérias de jornais, e pronto. "Não agüento mais! Deus, não me deixe fazer besteira! E me perdoe, porque não suporto mais!" E saiu correndo.

De fato ninguém estava disponível para o Paulo. Mas Deus amava o Paulo, e, ainda que ninguém olhasse por ele, Deus o amava e estava atento para sua dor.

Roberto, um velho amigo, de uma igreja próxima à dele, estava preso no trabalho naquele momento. Ele tinha tentado sair às dezoito, mas o carro estava com problemas e foi necessário chamar a seguradora. "Em dez minutos estaremos aí", chegaram às 15 pras 10... Problema simples, era só trocar o cabo do acelerador. Pronto. Roberto só queria chegar em casa, tomar um banho, jantar com a esposa, beijar os filhos e dormir! Roberto era um bom cristão. Pronto o carro, Roberto foi atravessar a Ponte do Jaguaré (trabalhava nas imediações), mas não se sabe por qual motivo (?) decidiu atravessar a ponte da Cidade Universitária. "Dá na mesma",pensou ele.

Ao chegar à curva da ponte, Roberto viu uma cena horrível: um rapaz de pé, em cima do carro, com a camisa rasgada, descalço, pronto para pular o rio."O que é isso, meu Deus?" Acelerou e foi chegando ao meio da ponte. Olhou bem para o carro e pensou: "Não é possível! Será que é o Paulinho? Não, deve ser alguém muito parecido. Peraí: é o Paulinho sim, o farol está quebrado no mesmo lugar!PAULINHO!!!" Gritou pro rapaz e parou imediatamente o carro.

"Paulinho, meu garoto, o que você está fazendo? Pelo amor de Deus, não se jogue!"

O Paulinho, rosto inchado, lágrimas nos olhos, cabelos desgrenhados, sentou-se no teto do carro e chorou copiosamente por um tempo. Roberto, ao ver o rapaz daquele jeito, orou ao Senhor, dizendo:"Senhor, se os teus anjos me guiaram até aqui pela Tua vontade, permita que eu o salve da morte! O que eu faço, Senhor?" Paulinho chorava.

- "Pode chorar, Paulinho. Chore mesmo. Vou ficar aqui com você." Paulo olhou  para Roberto, olhos espantados, saiu do teto, já um pouco amassado pelo seus pés, correu para os braços dele, e começou a chorar tudo o que queria ter chorado nos braços de tanta gente próxima a quem procurou, mas que não estavam disponíveis, que não tinham tempo para ele. Aos poucos a ponte foi enchendo de gente, e o guarda de trânsito chegou-se e perguntou: "Precisa de ajuda, cidadão?" Roberto disse: "Sim, policial: afaste todos daqui porque o meu amigo está precisando de mim, só de mim, não de curiosos ou repórteres." O guarda entendeu e manteve o trânsito numa só faixa. Paulo molhava o paletó de Roberto. Chorava como um menino. Chorava como uma criança. Abraçava como um filho ao pai, uma filha à mãe, um desesperado ao salvador, um moribundo ao médico, um carente ao benfeitor.

Roberto, depois de quarenta minutos, disse ao ouvido de Paulo: "Vamos lá pra casa, meu filho. Lá você pode chorar mais tranqüilo. E depois, se quiser, pode dormir, ou tomar chocolate quente. Eu vou estar com você".

Cada um entrou em seu carro e foram embora da ponte. Paulo só queria um ombro. Alguém que o acolhesse. Um colo de mãe e um abraço de pai. Só isso. Mais nada. Não fossem os anjos de Deus e os propósitos eternos do Altíssimo, Paulo estaria morto. Mas havia um Roberto, um simples Roberto que não sabia porque o carro enguiçara, um Roberto que mudara de trajeto de repente, um Roberto que não parou para condenar, para criticar, mas para acolher, para abraçar, para fazer silêncio, para ouvir o choro, para enxugar lágrimas, para estar presente.

Quantos Paulos me lêem agora! Quantos já precisaram de consolo e não encontraram! E quantos de nós deixaram para consolar amanhã, ou quando fosse possível, e deixaram os Paulos escaparem de seus ombros, talvez para sempre! Que justificativa terão diante de Deus, quando o Senhor perguntar: "Aonde estavas?"

Lembremo-nos do que diz a Bíblia: "Consolai, consolai o meu povo!" Somos agentes da consolação! Ainda que tenhamos que ser como o Bom Samaritano, que consolou a alguém que nunca mais iria ver, pagaria as despesas quando voltasse à hospedaria, valerá à pena consolar. Consolando é que somos consolados. Mesmo sem retornos materiais. Mesmo que nunca mais o vejamos.

Será que alguém da igreja se lembra do seu número de telefone para desabafar? Será que lhe procuram para conversar? Será que a sua companhia é um refrigério, um privilégio? Será que você é uma opção? Abra o coração. Coloque-se ao dispor dos outros, embale a criança nos braços, acolha o entristecido com um abraço, ganhe a confiança com um olhar meigo e sincero, que não ameaça e nem condena, mas perdoa e compreende! Faça silêncio para que o outro possa desabafar, atire lenços ao invés de pedras. Está na hora de consolar, consolar o povo de Deus!

"Oh, Deus, assim como muitos de nós já precisaram de consoladores e não encontraram, outros de nós conhecem bem de perto os "robertos" do caminho. Ajuda-nos a sermos consoladores presentes. E que um olhar nosso, um abraço nosso, um momento gasto com o nosso irmão ou com o nosso próximo possa fazer um grande milagre, o milagre do consolo! Em nome de Jesus. Amém".


Pr. Wagner Antonio de Araújo
Igreja Batista Boas Novas, Osasco, SP
bnovas@uol.com.br

memórias literárias - 18 - PEREIRA E PEDRO


18 - PEREIRA E PEDRO
Há dias em que estamos tão felizes, que damos "bom dia" até pra poste. Em outros, ai dos cachorros que cruzarem os nossos caminhos, não é mesmo? Damos chutes pra todo lado! Nós somos assim. E isso não é questão de ter ou não ter dinheiro; é uma questão interior! Já dizia o velho Salomão: "O coração
alegre aformoseia o rosto, mas pela dor do coração o espírito se abate." (Pv 15:13)

Eu me lembro do seu Pereira. Ele era o entregador de crachás na entrada do BCN do Edifício Andraus, no centro de São Paulo, onde eu trabalhava. Ele era apenas um recepcionista, de baixo salário e sem perspectiva de crescimento na carreira. Estava assim há anos. Mas nos recebia com um sorriso tão benéfico, tão gentil, que alegrava e enriquecia o nosso dia! E um detalhe: ele tinha um dos braços ressequido!

Também me lembro do Pedro. Êta, Pedrão! Era boy, foi promovido a porteiro. Isso em Alphaville, em Barueri, onde também trabalhei. De cabeça baixa, lendo revista, a gente passava e pegava o crachá. Se não estivesse no lugar, perguntávamos a ele. Sem levantar a cabeça, e com voz incomodada, ele esbravejava: "Veja aí na caixa, pô" E sequer verificava quem era. Um rapaz azedo. Torcíamos para não ter problemas, porque senão, era triste.

Todos temos um pouco dos dois, dentro de nós. Ora estamos bem, e funcionamos como ímã: todos querem ficar junto de nós. Só falta darmos autógrafos! Outras vezes, ninguém nos procura, e sequer querem sentar-se do nosso lado. Pensamos até que o nosso desodorante venceu, ou o nosso hálito está acebolado demais! Conseguimos a façanha de afastar a todos!

Em quaisquer circunstâncias, devemos saber que Deus continua a nos amar intensamente, sem sombra de variação. Ele não muda! "Se formos infiéis, ele permanece fiel; não pode negar-se a si mesmo." (2Tm 2:13). Deus não nos ama pelo que nós fizemos a Ele, mas pelo que Cristo, o Seu Filho, fez por nós ("Nós o amamos porque ele nos amou primeiro." (1Jo 4:19). Ai de nós, se Deus nos tratasse por merecimentos! Seríamos carvões ambulantes, cinzas caminhantes! "As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim;" (Lm 3:22)

Quando estivermos de mau humor, o melhor a fazer é parar, entender que não podemos acrescentar um fio de cabelo em nossa cabeça, ou aumentar um côvado à nossa estatura. Ser realistas é o remédio. "O que não tem remédio, remediado está". Há outras coisas que podem ser mudadas, seja por dedicação nossa, seja por transformação, seja por milagre. Para essas, uma boa dose de esperança, faz o dia amanhecer mais claro! Diz a bíblia: "A paciência traz a experiência, e a experiência a esperança." (Rm 5:4)

Ninguém tem o poder de estragar o nosso dia, se nós não quisermos. Para tanto, não devemos deixar a cabeça ao léo, vagando em besteiras. Já diziam os antigos que "mente vazia, oficina do Diabo". Não vamos correr o risco. Vamos encher nossos pensamentos de coisas boas! Devemos nos ligar nas coisas do Alto, onde Cristo está assentado à direita do Pai (conforme Tiago 1.17).

Atentemos para a ordem divina, e transformemos os nossos dias ruins, em dias bem melhores: "Quanto ao mais, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai." (Fp 4:8)

Wagner Antonio de Araújo
Igreja Batista Boas Novas de Osasco, SP
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memórias literárias - 17 - QUANDO TUDO PARECIA PERDIDO...


17 - QUANDO TUDO PARECIA PERDIDO...


 
Era a última noite de conferências. A organização missionária tinha realizado uma grande série de encontros, visando esclarecer o povo de Deus sobre a importância da santificação e do envolvimento de todos na obra de missões.

Aquele pastor estava sentado na 5a. fila, da direita para a esquerda, na ala central. Ao seu lado um velho obreiro, amigo de longa data. Na verdade, como a cidade era pequena, quase todo mundo se conhecia.

Uma velha missionária estava pregando. Dizia ela que aprendera de forma dura a falar com Deus como uma filha conversa com sua mãe. Disse que na selva, onde se encontrava, recebera um anúncio de que os canibais a comeriam naquela noite. Tremendo de medo, praticamente desesperada, pôs-se de joelhos, declamando as mais lindas orações que conhecia, mas não conseguia encontrar paz para a sua alma. Foi então que decidiu deixar a formalidade de lado e gritar, como uma criança em desespero:

- Papai, eu estou com medo! Não vou desistir, não vou negar a fé, mas estou desesperada! Ah, papai, me conforta! Me faz sentir o teu amor, carinho, consolo! Preciso do teu colo! Preciso do teu acalanto!
Segundo ela, os índios ajoelharam-se diante dela, enquanto orava. Após a oração, vendo aquela cena inusitada, perguntou o que significava aquilo. O cacique dizia que não era por ela, mas pelos "índios luminosos" ao seu redor, com flechas fulgurantes apontadas contra eles. "Que índios?" Ela não via, mas os índios entendiam que a proteção dela era divina, por isso resolveram naquela noite comer outro alimento, resolveram comer do "pão da vida". Eles se converteram e a missionária foi vitoriosa. Ela concluiu, dizendo:

- Pastores, parem de fugir do colo de Jesus! Ele é o caminho para a solução de seus problemas! Não importa o tamanho da crise, não importa a dificuldade que enfrentam, pulem no colo de Jesus, como uma criança pularia no colo de seu pai, quando este chegasse do trabalho! Falem com Jesus, conversem com Jesus, chorem com Jesus, adormeçam com Jesus!!!

- "Que audácia"- disse, encolerizado, o pastor da quinta fileira -, "essa mulher não tem o mínimo pudor teológico. Onde já se viu dirigir-se a Deus sem a devida reverência? Quem ela pensa que é para orar como se estivesse conversando com um ser igual a ela? Também, pudera, perco o meu tempo para ouvir uma maltrapilha evangelista de índios! Ora, façam-me o favor!"

- "Pois eu acho que ela tem razão", exclamou o amigo do pastor, muito mais velho que ele - "sabe, se eu tivesse pensado nisso há mais tempo, teria evitado muito sofrimento. Gostei muito das palavras da mocinha."

- "O que, reverendo? Até o senhor? Ah, meu Deus, este mundo está perdido! Onde estão os fiéis! Não os vejo mais!!!" E, esbravejando, foi embora, não aguardando nem o término da conferência.

Ele pegou o carro e ruidosamente dirigiu-se ao prédio onde morava. Ao chegar à portaria, recebeu um recado: o porteiro queria falar-lhe. Após estacionar, foi até a guarita. Então, a trágica notícia:

- "Patrão, o seu filho foi preso por porte de drogas. Ele disse que só as consumia, mas os tiras não quiseram saber. Ele está na delegacia do condado. Disseram que um advogado estaria lá, mas as coisas estão difíceis..."

- "Meu Deus", pensou o pastor, "só me faltava essa!"

Subiu para o apartamento. Ao entrar, deparou-se com um sulfite pendurado na porta da geladeira, escrito a baton:

- "Querido, acho que é hora de pararmos com a farsa. Estou tendo um caso. Não lhe amo mais. Por isso, estou indo embora. Na próxima semana passo para pegar as minhas coisas. Cuide-se. Mary".

Suas mãos tremiam. Seu coração disparara. Ele não podia acreditar no que lia! "Desgraça pouca é bobagem", dizia ele no seu íntimo. Seu filho era usuário de drogas, disso ele já sabia. Tentou criá-lo na igreja, tentou evangelizá-lo, mas "como um bom filho de pastor", pensava, "primeiro irá ser um terror, pra depois converter-se", e se iludia com esse pensamento. Mas, sua esposa? Ele, que ouvia algum comentário sobre um provável romance dela com um colega de trabalho, jamais acreditara nisso, pois a amava. Porém, desde há muito o relacionamento não andava bem das pernas: poucos encontros, conversas só por secretária eletrônica, carinhos não havia mais. Agora, a verdade! E como dói a verdade!

Mal acabara de ler o papel, ligam para o seu telefone. Ele atende, ávido por notícias do filho ou da esposa.

- "Pastor? Aqui é Joseph Smith, vice-presidente da igreja. Pastor, nós, do conselho de diáconos, decidimos realizar uma reunião consultiva nesta noite. Não estamos contentes com o senhor. Achamos que o seu tempo em nossa igreja terminou. Estaremos decidindo isso hoje pelo voto. Só estou ligando para que não venha a dizer posteriormente que a igreja fez isso à sua revelia. Acho que o seu ministério já deu o que tinha que dar. Que Deus lhe abençoe, pastor!"

E agora? Esposa nos braços de outro; o filho na delegacia; a igreja colocando-o para fora.

A dor no peito começou a atacar. Um infarto do miocárdio? Um derrame? Um desmaio? Enquanto ponderava, assentando-se no sofá da sala, veio-lhe a mente o que ouvira por parte da missionária, na conferência:

- Pastores, parem de fugir do colo de Jesus! Ele é o caminho para a solução de seus problemas! Não importa o tamanho da crise, não importa a dificuldade que enfrentam, pulem no colo de Jesus, como uma criança pularia no colo de seu pai, quando este chegasse do trabalho! Falem com Jesus, conversem com Jesus, chorem com Jesus, adormeçam com Jesus!!!

Ele pensou: "as eu nunca fiz isso! O que os outros vão pensar? Eu sempre acreditei diferente! Não, não vou ceder aos emocionalismos baratos daquela maltrapilha. Vou orar do meu jeito."E começou: "Senhor nosso Deus, divino mestre, soberano Senhor dos céus e da terra..." E as lágrimas começaram a cair copiosas dos seus olhos. Quanta dor! Chorava desesperado, em meio a gritos de agonia...

Dobrou os joelhos junto ao sofá, e disse, em meio ao pranto:

- "Deus, eu nunca fui bom em oração, me desculpe! Chamar-te de Pai eu nunca chamei. Mas agora estou desesperado! Pai, olha o que me fizeram! Pai, estou sofrendo muito! O meu filho está preso, Senhor! Minha esposa está nos braços de outro e minha igreja me odeia! Senhor, Senhor, Senhor, me acuda, me socorre, Senhor!" Seu choro invadia os cômodos vazios da casa. Seu canarinho, espantado, parara de cantar, pasmo ao ver o seu dono desse jeito.

Ele abriu o coração. Disse tudo o que estava atravessado pela garganta há muito tempo. Falou das tristezas, falou das frustrações, falou da família, falou da fé, falou da incredulidade. Falou, falou, falou. Chegou a adormecer de canseira e dor, mas acordou e continuou. Ao término, após o "em nome de Jesus", ele levantou-se e disse:

- "Acho que nunca orei tanto na minha vida! Acredito ter batido o recorde: 10 minutos! Nem no dia do meu batismo foi assim!"

E olhou no relógio. "O que?"   Era meia-noite quando ajoelhara, e agora já passava das 13 horas do outro dia... Ele orou durante toda a madrugada e manhã! E nem percebera quanto tempo passara assim, de joelhos diante de Deus! Sorriu confortado, e pensou:

-"Bem, o meu problema não se resolveu, mas Deus está comigo. É tudo de que eu preciso! Louvado seja Deus!"

Era um outro homem. Jamais dera graças assim, tão convictamente. Foi até a cozinha, pegou o leite na geladeira, o Toddy no armário, fez um achocolatado, pegou um pedaço de bolo, colocou tudo sobre a mesa, deu graças de forma linda, como um filho agradecendo ao Pai pelo suprimento, e comeu gostosamente.

Enquanto tomava o seu café, o interfone tocou:

- "Patrão, o senhor não vai acreditar! Sabe quem está aqui embaixo? É o seu filho! É, a polícia resolveu dar uma chance pra ele, disse que ainda era tempo dele se consertar. Só que ele está com vergonha de subir, pois pensa que o senhor irá bater muito nele. Ele me pediu para dar dois recados: "Me perdoe!" e "Eu amo o senhor!" . O que é que eu faço, patrão? Falo pra ele subir?"

- "Claro!"
O garoto correu, subiu as escadas voando, nem esperou o elevador. O que eram 8 andares, frente ao desejo intenso do abraço de perdão do pai? A porta já estava aberta, e não houve nem tempo de dizer nada, pois o pai o abraçou e o beijou, e ambos, pai e filho, choraram copiosamente e por longo tempo, ao pé da escadaria do prédio...

Entrando, o pai preparou outro café, para tomá-lo com o filho. Assim que misturou o chocolate ao leite, tocou o telefone.

- "Alô"?

- "Pastor? Aqui é o Joseph Smith. Pastor, eu nem sei como lhe dizer. Não sei o que aconteceu. A igreja simplesmente mudou de opinião (porque não posso acreditar que as reclamações que ouvia eram mentiras). Resolveram não só lhe dar total apoio, como também que o seu salário será melhorado. Bem, pastor, desculpe ter causado inconveniente e transtorno para o irmão. Receba os meus votos de sucesso e felicidade."
As lágrimas corriam quentes pela face do pastor, que agora chorava de alegria! Deus agira enquanto ele estivera de joelhos! Nada, absolutamente nada, poderia tirar de seu peito essa convicção!

Enquanto se refazia emocionalmente, bateram na porta. O pastor estranhou muito, porque o porteiro não poderia ter deixado alguém entrar, sem avisar. Olhando pelo "olho mágico" da porta, a surpresa final: a esposa, com duas malas às mãos. Abriu a porta. A mulher, com o rosto inchado de tanto chorar, disse:

- "Querido, Jesus perdoou a mulher adúltera e fez dela uma pessoa transformada. Não mereço a sua compaixão, mas eu lhe imploro: me perdoa! Eu pequei! Tem um espaço no seu peito para mim?"

Cena inesquecível: marido e mulher num longo e demorado beijo de dor, perdão e carinho, seguido de um abraço com choro e lágrimas indescritíveis, não de quem está triste, mas de quem reencontrou a vida! O garoto, quebrantado com tantas bênçãos, agarra os pais num abraço envolvente, juntando o seu choro ao choro do casal. E o canarinho (ah, que alegria!), voltou a cantar no viveiro...

E a cena descrita vem comprovar que, não importa o quanto queiramos fugir, teremos que resolver os nossos problemas no colo de Jesus. Ele é o caminho para a solução de nossos problemas! Não importa o tamanho da crise, não importa a dificuldade que enfrentemos, pular no colo de Jesus, como uma criança pularia no colo de seu pai, quando esse chegasse do trabalho, é a única solução! Falemos com Ele, conversemos com Ele, choremos com Ele, adormeçamos em Seus braços!

E digamos, com convicção: OS MEUS PROBLEMAS JÁ NÃO SÃO MAIS MEUS, SÃO DE JESUS.

Wagner Antonio de Araújo

memórias literárias - 16 - A CARA DA IGREJA


16 - A CARA DA IGREJA
Vou à igreja para buscar a Deus.
Encontro uma igreja sem cara de igreja.
Igreja com cara de clube
Igreja com cara de show
Igreja com cara de esporte
Igreja com cara de terreiro e centro espírita
Igreja com cara de hospício
Igreja com cara de palanque político
Igreja com cara de programa de entretenimento.
Igreja com cara de gangue.
Igreja com cara de autoajuda.
Igreja com cara de oficina.
Igreja com cara de danceteria.
Fico desesperado.
Pergunto: meu Deus, onde foi parar a Igreja?
Questiono: e a igreja católica romana? Ainda tem cara de Igreja romana?
Então assisto a Canção Nova (canal católico).
Retiro de Carnaval.
Show de pagode.
Show de aché.
Show de samba.
Show de rock.
Show de música eletrônica
Show de frevo.
Show de forró.
Fico desesperado.
Pergunto: meu Deus, onde foi parar a Igreja?
Questiono: e a igreja evangélica? Ainda tem cara de Igreja Evangélica?
Daí eu olho a Rede Gospel (canal evangélico)  e os milhares de sites evangélicos.
E então eu vejo.
Retiros com hip hop.
Retiros com manto púrpura da unção.
Danças e coreografias até nas orações.
Pregadores que gritam.
Mulheres que cantam e repetem, repetem, repetem, explodem.
Guitarras envenenadas.
Clamores por ofertas.
Desafios de crescimento.
Fico desesperado.
Pergunto: meu Deus, onde foi parar a Igreja?
Pego a minha bíblia, vou para o meu quarto, dobro os meus joelhos.
E ouço Jesus: "Quando o Filho do Homem voltar, encontrará fé na terra?" (Lc 18.8)
E então percebo.
Nunca a Igreja cresceu tanto em toda parte.
Nunca o evangelho foi tão popular e vulgar.
Mas o que cresce não é a Igreja, mas o parasita que se alimenta da raiz.
Cresce uma Igreja com cara de mundo.
Cresce uma Igreja com cara de salão de bailes.
Cresce uma Igreja com cara de clube esportivo.
Cresce uma Igreja com cara de empresa.
Cresce uma Igreja com cara de pecado.
Cresce uma Igreja que brinca com o nome de Jesus.
Cresce uma Igreja que faz do Espírito Santo um rojão de São João, só para explodir e levar o povo ao delírio.
Fico desesperado.
No lugar de Deus o povo fez um bezerro de ouro.
Ouro dos números. Ouro das ofertas. Ouro da prosperidade. Pó de ouro na roupa dos enganadores. Ouro dos canais comprados. Ouro dos analfabetos bíblicos que não sabem a diferença entre trigo e joio.
E ouço o Senhor dizer:
Ora, quando estas coisas começarem a acontecer, olhai para cima e levantai as vossas cabeças, porque a vossa redenção está próxima. (Lc 21:28)
E então tranquilizo o coração no Senhor e  digo:
Mestre, satisfaz a minha alma, pois a Igreja do Senhor perdeu a cara, ganhou uma máscara. Perdeu a fé.
E ouço o Mestre dizer:
Eis que venho sem demora; guarda o que tens, para que ninguém tome a tua coroa. (Ap 3:11)
Então choro, sofro, silencio e adormeço. Durmo no colo do Pai.
Amanhã, quando acordar, ainda serei peregrino a testemunhar o quanto puder do Senhor e da verdadeira cara da Igreja de Jesus.
Wagner Antonio de Araújo

memórias literárias - 15 - E AINDA ESTOU AQUI...


15 - E AINDA ESTOU AQUI...

Corria o ano de 1982. No auge dos meus 17 anos, lá estava eu, buscando servir a Deus, na Igreja Batista de Sumarezinho. Já havia sido professor de Escola Bíblica Dominical, presidente da União de Jovens, líder de juventude na associação de igrejas batistas da região oeste da capital, etc. Eu não era o melhor. Havia muitas outras pessoas melhores do que eu, mas, citando o poeta, "Havia gente bem melhor, mas o meu nome eu escutei..." E, se eu escutara o meu nome, nada mais importante para mim do que servir ao Senhor. Era estudante colegial à noite e auxiliar administrativo no BCN SERVEL de Alphaville, em Barueri, Grande São Paulo. Comecei ali como office-boy, e, digo sem pestanejar: foi a melhor fase da minha vida, em termos profissionais!

Contudo, era época de primavera. As rosas desabrochavam nos jardins, mas as chuvas da primavera traziam também alguns virus, algumas enfermidades. A molecada contraiu catapora. Eu, que não era vacinado (no meu tempo de bebê não havia o remédio disponível), acabei por contraí-la. O médico da empresa deu-me uma semana de licença. "Que bom! Vou descansar!" Descansar? Como? Coçava tudo! Eu não parava de me coçar, tinha febre, e até a fome havia perdido, o que realmente denota uma enfermidade considerável para mim...

A semana passou rapidamente. Meu pai rumara para Salvador, para participar do Centenário dos Batistas Brasileiros. Fora com a Igreja Batista Betel, com o saudoso caravaneiro Pr. Silas Mello. Mamãe e meu irmão é que estavam em casa.

No dia marcado retornei. O médico, como de praxe, examinou-me detalhadamente. Ao usar o estetoscópio no meu peito, fez cara de suspense, ficou pálido e não parava de auscultar-me. Perguntei-lhe o que era. Ele nem respondeu. Preparou uma guia de internação para o ambulatório central. Gelei. Caro leitor, você também não ficaria atônito? Eu fiquei.

Liguei para a minha mãe, que rumou logo para a Vila Mariana. Eu fui de carro da empresa. Lá chegando, o outro médico me examinou. Imediatamente tomou o telefone na mão: ligou para uns 4 hospitais, gritando com os atendentes que me arrumassem uma vaga, porque era caso de vida ou morte. "Vida ou morte?!!"

Por fim, corremos ao pronto socorro do Hospital São Joaquim, na Beneficência Portuguesa. O médico exigiu todos os exames novamente. Surgiu em mim a esperança de que fosse tudo um grande mal-entendido. Pedi à minha mãe que me preparasse aquele bife à milanesa para o jantar, porque tinha confiança de estar em casa à noite.

O médico, depois que obtivera o resultado dos exames, chegou de mansinho, colocou a mão no meu ombro e disse: "Está vendo aquela maca? Está vendo aquele soro? Está vendo aquele enfermeiro? É tudo para você. Suba, porque você será internado imediatamente na UTI."

Amigos, minha mãe, pobre mulher, começou a chorar desesperada. Os filhos eram toda a sua riqueza. Mulher sofrida, de corpo frágil pelas interpéries até então enfrentadas, agora ficara frente à frente com um destino devastador! O médico confidenciara-lhe que o meu caso era gravíssimo, provavelmente irreversível. A catapora havia infeccionado vários órgãos do meu corpo, principalmente o coração. Não sabiam bem o que fazer, mas iriam tentar de tudo. Incentivou-a, porém, a deixar as documentações em ordem, a verificar preço para caixão, as formalidades de sepultamento, etc. "Minha senhora, talvez ele não passe desta noite".

Eu, deitado naquela maca, imaginava um jeito de fugir dali. Detestava hospitais, morria de medo de injeções, tinha ânsia de vômito com o cheiro forte de éter, estava no lugar onde eu realmente não queria estar.

O elevador demorava a chegar. Quando chegou, o enfermeiro gritou com a ascensorista, dizendo: "Você quer que o moleque morra no elevador?" Pensei:"Meu Deus, o que estará acontecendo?" Ao chegar, obrigaram-me a me despir. Fim do meu sonho de fuga! Fugir nu era demais para mim. Resignadamente e à força, submeti-me ao hospital. Logo colocaram-me um soro, deram-me umas seis injeções doloridas, rasparam o meu peito, ligaram eletrodos, três máquinas com o mapeamento do meu coração, cérebro e outras funções. Enfim, virei um autêntico"ROBOCOP" enferrujado... Logo o companheiro do lado veio a falecer - minha primeira experiência dura com a morte! Vi várias ali. Escutei gritos aterrorizantes, de pessoas que desciam da cirurgia, que não suportavam a dor da enfermidade, e que partiam deste mundo cheias de sofrimento. Logo depois transferiram-me para um quarto isolado, pois eu era uma ameaça à saúde de todos: estava convalescendo da varicela...
Lá fora, minha mãe tentava encontrar forças para voltar para casa. Ligou para a Mocidade da igreja, que correu ao hospital, visando receber informações, boletins médicos, etc. Meu pai foi notificado e estaria voltando assim que fosse possível. O pastor da igreja também estava em Salvador. Segundo minha mãe, foi uma noite não dormida, foi uma noite de vigília. No domingo, segundo dia de UTC - UTI, o médico de nossa igreja foi visitar-me. Ao falar com a junta médica, ao reunir-se com a equipe, muniu-se de informações preciosas. Seu testemunho no culto da noite em nossa igreja foi: "Irmãos, eu sou médico, falarei como profissional da medicina. Nosso irmão Wagner está com uma enfermidade terrível. Só um milagre poderá tirá-lo de lá. Oremos para que ele parta em paz e que Deus console a família". Comoção geral.

O meu coração batia sem ritmo. Parava um pouco, batia um pouco, semelhante aquele comercial de companhia aérea, onde diziam "viaja um pouquinho, descansa um pouquinho, etc." Numa das passagens de turno médico, (eu não dormi um minuto dos 3 dias e meio de UTC - UTI), os médicos disseram: "Às três horas ele teve princípio de infarto; às 5 ele foi socorrido com medicamentos por ameaça de derrame, etc". Enquanto diziam isso, o meu coração disparou. Perceberam que estavam falando muito alto e que eu estava ouvindo.

"Acho que vou morrer". Foi a conclusão a que cheguei. Naqueles três dias fiquei amarrado a 4 enfermeiras, cada uma com um turno de 6 horas. Elas eram as únicas pessoas com quem eu podia conversar. Em sendo JESUS o meu grande assunto, acabei por contar toda a história da criação, a formação do povo de Deus, os reis, os profetas, o ministério de Cristo, os atos dos apóstolos, as profecias do fim do mundo, etc. Acredito piamente que, se eu ficasse um pouco mais ali, as enfermeiras é que precisariam ser internadas. Elas não me suportavam mais! Mas o que é que eu podia fazer? A boca fala do que o coração está cheio, e eu tinha que lhes falar como estava feliz por ter Jesus no meu coração!

Fiz uma oração. Lembro-me dela, porque foi um verdadeiro "a.C./d.C." na minha vida. Eu disse:
"Senhor, eu acho que vou morrer hoje. Talvez amanhã, não tenho bem certeza, mas as coisas estão muito difíceis. Quero agradecer-te pelos 17 anos que vivi. Senhor, quantas coisas eu pude fazer! Estudei, brinquei, chorei, apanhei, conheci lugares, me converti, trabalhei na igreja, falei de Jesus, foi muita coisa boa. Muito obrigado. Quero que o Senhor me perdoe as faltas que me são ocultas. Mas gostaria de pedir-te uma coisa: gostaria de não morrer. É possível, Senhor? Bem, se o Senhor achar que é, então eu farei uma coisa, quando sair daqui: serei pastor. Não estou chantageando a ti, ó, Deus. É uma oferta de gratidão. Terei prazer em fazê-la. Em nome de Jesus. Amém."
Acalmei o coração. Nessa hora entrou na UTC o Dr. Hugo, um venezuelano. Levaram-me de cadeira de rodas à sala de um moderno equipamento recém-instalado no hospital, um tal de "ultra-som". Eu já não andava mais. Colocado em outra cama, recebi aquela dose generosa de gosma pelo peito. O médico começou a apertar uma espécie de microfone na gosma espalhada, e via um monte de chuviscos num monitor ligado ao equipamento. Enquanto ele passava a máquina em mim, uma listagem saia do computador. Quando ele leu a listagem, saiu correndo no corredor, gritando: "Potássio! Potássio!" Logo uma enfermeira, junto com ele, trouxeram outro soro. Arrancaram o que estava em mim e puseram o novo. Quando o líqüido correu a minha veia, eu gritei no corredor. O médico mandou adicionarem xilocaína, mas, de forma alguma deixassem de me injetar aquela substância.
A igreja orava. O povo clamava a Deus. Meu pai e o pastor chegavam de viagem. A mocidade estava triste, apreensiva, aguardando nas misericórdias do Senhor, que são a causa de não sermos consumidos.

Após dois vidros de soro e umas 3 horas depois do início do processo, o meu coração foi ganhando ritmo, ganhando nova vida, entrando na normalidade, e eu fui sentindo sono, um gostoso estado de sonolência benfazeja. Quando acordei, estava num quarto. Era o sexto andar da ala nova do hospital. Eu tivera melhora. Deus ouvira as orações, em especial a minha, que era o maior interessado no assunto. Ele concordara com o oferecimento que fizera. Seláramos um acordo com aquela dedicação. Foram mais 9 dias de hospital. Fiquei sabendo do meu problema: eu nascera com uma grave disfunção genética, má formação. O nome das enfermidades que eu tivera: miocardite, endocardite, taquicardia crônica, prolapso da válvula mitral, ausência generalizada de potássio no sangue. Não sou médico, não entendo disso, mas sei que eu deveria estar morto, à luz das estatísticas. Mas estou aqui, vivo para a glória de Deus. Bendito seja o Senhor, o médico dos médicos, doutor dos doutores, que tudo faz como lhe apraz!

Os nove dias de quarto normal foram inesquecíveis. Os enfermeiros marcavam em seus relógios o horário das 22 horas. Vinham uns 15 no meu quarto. Lá eu pregava num culto improvisado e só eu e outros 3 cantávamos, porque os outros nada sabiam. Dos três que cantavam, dois eram desviados do Evangelho e só um era crente fiel. Ao final, bendito seja Deus, 8 decisões ao lado de Cristo. Aleluia! Cheguei acompanhar a história de alguns deles.

Setembro de 1982. Dezembro de 2001. Estou há 19 anos vivendo um tempo extra. Cresci (e engordei também...). Tive recaídas, tenho crises de quando em quando, tomo 18 comprimidos diários, faço acompanhamento, mas, quem me vê, é incapaz de dizer: "ele é doente". Exceto pelos exercícios físicos, dos quais sou proibido, levo uma vida absolutamente normal. E por que? Porque Deus quis assim.
E eu sou pastor. Ó, inaudita felicidade, pude cumprir a minha parte da oração! É claro, eu já pensava nisso desde os 14 anos, mas ali foi o meu chamado absoluto! E aqui estou, com 10 anos de caminhada pastoral.

O futuro? O futuro para mim é Cristo. O passado? Dias inesquecíveis com o Senhor. O presente? Bem, o presente eu posso construir. A nossa vida é a colheita do que semeamos. Quero continuar semeando boas sementes. Tenho certeza de que elas produzirão muitos frutos. E eu ficarei feliz em ver que não atravessei a vida em vão. Quero viver cada dia no centro da vontade do meu Pai celestial.
Glórias, pois, a Ele.


E obrigado pela paciência, dileto leitor. Obrigado pela leitura.
Pr. Wagner Antonio de Araújo,
Igreja Batista Boas Novas, Osasco, SP.

memórias literárias - 14 - DOUTOR TRÊS HORAS


14 - DOUTOR TRÊS HORAS


Era sábado pela manhã e as linhas telefônicas nas casas dos formandos estavam congestionadas.

Meninas com salão de estética e beleza marcados, rapazes nadando logo de manhã pra evitar o "stress", a companhia responsável pela formatura e baile acertando os últimos detalhes no auditório da Universidade e no Salão Nobre.

Todos estavam ansiosos, preocupados, assustados, cheios de expectativas. Carros iam e vinham da portaria das faculdades.

O pessoal da decoração dava os últimos toques na arrumação da mesa do Corpo Docente, a empresa de som ligava cabos enormes em todos os pontos do auditório, a iluminação colocava as últimas lâmpadas que faltavam, a floricultura acertava os corredores por onde as moças e os rapazes iriam descer e o outro por onde iriam subir.

As camareiras davam os últimos retoques nas lindas togas de formatura, os fotógrafos montavam o estúdio móvel na porta do Salão Nobre, a cantina precavia-se de muitos salgadinhos e refrigerantes, enfim, tudo corria contra o tempo, contra o relógio.

Três da tarde. A cerimônia iria começar às 4h, impreterivelmente. O Prof. Dr. Astrogésilo Pessoa Couto, grande celebridade e Reitor da Universidade, não se dava ao luxo de começar um minuto atrasado. Dizia-se que acertava o seu relógio pelo Big-Ben de Londres, até que inventaram o tal "relógio atômico", que ele fez questão de instalar no seu computador. Assim, acontecesse o que acontecesse, às 4 horas a cerimônia iria começar.

Muita gente rica chegando. O estacionamento da faculdade mais parecia um desfile de moda e revenda de automóveis importados: BMW, HONDA, DAEWOO, AUDI etc. Até FERRARI e JAGUAR apareceram!

Madames muito bem vestidas estavam presentes. Havia gente da TV, cujos filhos estariam se formando.

Mas tinha também um bom grupo de gente simples, humilde, lutadora, que também tinha filhos se formando ali. Seus trajes demonstravam que haviam alugado no "Black Tie" mais próximo do bairro. Não tinham familiaridade com a roupa, com os saltos, com as gravatas, com os colares. Até ficavam um tanto desconcertadas, pois queriam fazer bonito e não envergonhar os filhos.

Quatro horas. Como já dissemos, a empresa responsável pela cerimônia deu início ao evento.

Algo em torno de 700 pessoas presentes. Também, pudera: 89 formandos, 35 em Letras, 12 em Pedagogia, 30 em Direito e 12 em Engenharia de Informática. Uma grande festa. Lugares contados, reservados para duas ou três pessoas de cada formando, e o restante disputado palmo a palmo pelos presentes do lado de fora ou em pé nos arredores. Havia um telão para que todos acompanhassem do lado de fora.

Primeiramente a entrada do Reitor. Palmas efusivas. Então a mesa diretora e, por fim, o corpo docente, palmas afetuosas.

Apresentação das funções de cada um e tudo o que, de praxe, se costuma fazer numa cerimônia de formatura e colação de grau.

Cantaram o Hino Nacional Brasileiro com o tradicional CD da Banda da Polícia Militar do Estado de São Paulo, gravação épica e universal para o Brasil.

As palavras do Paraninfo, do Patrono da Turma, enfim, tudo o que se costuma haver nessas páginas indeléveis na vida de quem se forma.

No momento da entrada, as torcidas no meio do auditório. Alguns estavam organizados, com línguas-de-sogra e cornetinhas (reprimidas pelo Reitor tão logo descobrira). Outros, mais discretos, levaram faixas, onde se lia: "SONINHA, VALEU O ESFORÇO - PARABÉNS, DOS SEUS PAIS QUE LHE AMAM"; "AÍ, MARCÃO, VALEU, SEU BABACA! SEUS AMIGOS"; "CARLINHOS, PARABÉNS! TE AMO! SUA NOIVA". Cada um se emocionava do seu jeito. Umas garotas choravam. Outras coravam. Os rapazes erguiam as mãos como se fosse um gol do seu time. Outros faziam o "V" da vitória, e um a um foram chegando com suas togas bem alinhadas e majestosas.

Chegada a hora de passar a palavra ao orador das turmas (combinaram ter um só orador, pelo tempo despendido na cerimônia e pela proximidade do horário do baile, que se seguiria dentro de uma hora), o Julinho, ou melhor, Dr. Júlio Lacerda Loyola Anastácio (nome de advogado desde nascença), foi aclamado, quase levado nos braços dos formandos, que estavam do lado direito do auditório, que tinha formato de teatro.

Sua prédica havia sido impressa para todos acompanharem. Os formandos sugeriram o que o Julinho teria que falar. Estava tudo previamente combinado.

"Ilustríssimo Senhor Doutor Professor Astrogésilo Pessoa Couto, digníssimo Reitor de nossa egrégia Universidade, Senhor Professor Carlos Marques Lara, digníssimo pró-reitor da área de humanas, etc... etc..." Num outro trecho as tradicionais palavras: "Foram árduas as nossas batalhas: cansados do labor diurno, cá chegávamos, com fome, tanto do pão quanto do saber, e éramos fartos pelos nossos valorosos Mestres, que tudo davam de si... etc".

Tudo ia muito bem. Até que Julinho se engasgou, ao dizer uma palavra que estava além do texto: "Agora, Senhor Reitor e senhores formandos, preciso dizer algo pessoal..." Os formandos gelaram.

- "Ele vai fazer besteira".
- "Julinho, cala a boca, termina logo".
- "Ih, cara, sujou. Ele vai embolar tudo".
- "Sabia que no final ele iria melar".

Mesmo conhecendo a cara de desaprovação da turma, Julinho continuou, branco, pálido, engasgado, mas firme, dizendo: - "Senhor Reitor, Corpo Docente, Formandos, Familiares e Amigos: Preciso confessar algo, para fazer justiça e, ao mesmo tempo, reconhecer o que é certo. Todas as coisas aqui foram muito importantes: aulas, colegas, materiais didáticos, a seriedade de nossa secular instituição, tudo. Mas há algo que está faltando no meu texto, e não lerei o que vou dizer, porque o que tenho pra falar vem das letras escritas a ferro, dentro da minha alma. Devo este dia inesquecível e histórico às 3 da manhã de cada dia desses 5 anos.

- "Três da manhã?", pensaram os formandos. "Esse cara bebeu. Ah, Julinho, para de enrolar e desce logo... Ah, se te pego na saída..."

- "Nunca desfrutei de amizade com o meu pai. Na verdade sempre o desprezei. Tanto é assim que ele não está aqui, entre os meus convidados, porque não pode se locomover e eu não fiz o menor esforço para trazê-lo. Aqui estão minha mãe e irmã, mas não meu pai. E ele é responsável pelas três da manhã. Durante 5 anos eu acordei várias vezes no meio da madrugada, e, não raras vezes, às 3h da manhã. Meu pai, que empregou quase todo o seu parco salário no meu curso, mesmo sendo por mim ignorado, entrava no meu quarto, com hercúleo esforço, às vezes caía, mas sempre levantava, e orava a Deus. Sim, ele me apresentava a Deus. Tenho marcas no meu cobertor que não foram feitas por doces ou refrescos que derrubei, nem pontas de cigarro que deixei acesas na minha cama. São as lágrimas do meu pai, que pedia a Deus para fazer-me feliz, fazer-me íntegro, para guardar-me de acidentes, para proteger-me de bandidos, para abrir o meu entendimento na compreensão das matérias, para abrir-me oportunidades de trabalho na área. Ele chorava, pedia, dizia a Deus para que tocasse no meu coração e fizesse de mim um homem e um cristão. Mas, Senhor Reitor, não foi isso o que mais me tocou. O que marcou a minha vida, e é a razão desta homenagem, era a frase com a qual ele sempre se emocionava e chorava copiosamente junto a mim. Ele dizia: 'Deus, como eu amo ao meu filho, fruto de mim mesmo! Deus, como eu o admiro! Deus, como eu o quero bem! Deus, faça o que quiser comigo, mas abençoe o meu filho, porque, depois de Ti, ele é a razão do meu viver! E dá-me o privilégio de que um dia ele me ouça, que ele me ame também!'

Júlio chorava. O Reitor tossia, para disfarçar a emoção, os formandos estavam com a cabeça baixa, pois sabiam que o Júlio tinha feito a coisa certa e estavam envergonhados de terem desaprovado sua atitude no início.

O auditório se derretia. E, num ápice de dor e amor, Júlio gritou:

- "Meu pai, como eu queria te dizer EU TE AMO!"

De repente a porta do corredor central se abre subitamente, e uma cadeira de rodas entra, guiada por uma enfermeira, e o pai de Júlio entra, magrinho, cabelos grisalhos, rosto cansado, voz baixa, mas grita com toda a força do seu ser:

- "Eu sei que você me ama, filho! EU SEMPRE TE AMEI! Seja feliz, meu filho, seja feliz!!!"

Júlio quebra o protocolo e sai correndo da tribuna corredor adentro e vai abraçar o seu pai, chorando no seu ombro copiosa e demoradamente.

Todos, unanimemente, chorando e gritando "BRAVO! BRAVO!", aplaudiam longamente a cena fantástica e novelesca que ora se fazia viver no mundo real! Foram 5 minutos, os cinco minutos mais importantes já vividos naquela universidade!

Chamado novamente à tribuna, recebeu o seu grau e diploma. Então gritou:

- "PAI, ISSO É POR VOCÊ! TE AMO!"

O pai sorriu, mas já não tinha forças para falar. No seu coração ele via galardoado todo o seu esforço, o salário minguado dedicado à faculdade do rapaz, e, principalmente, às três horas de toda madrugada. Ele estava feliz. Podia morrer tranqüilo. Mas, morrer, já? Ele não tinha planos para morrer agora, naquele instante. Queria desfrutar dessa alegria indizível.

Deus ainda lhe deu alguns anos, os melhores da vida dos dois, do Dr. Júlio e do seu pai, que se tornaram os melhores amigos. Aliás, Júlio ficou conhecido na comunidade acadêmica como "Doutor Três Horas".

"Honra a teu pai e à tua mãe, para que se prolonguem os teus dias, na terra que o Senhor teu Deus te dá." (Ex. 20.12.)

Que Deus dê aos leitores, que têm pais vivos, a oportunidade de honrá-los em vida. Flores no túmulo murcham. Flores no coração desabrocham, PARA SEMPRE!!!

Wagner Antonio de Araújo

memórias literárias - 1477 - CHORA, Ó RAQUEL...

  CHORA, Ó RAQUEL...   1477   Quando o Senhor Jesus Cristo fez-Se homem, nascendo do ventre de Maria, Herodes o Grande desejou matá-Lo...