segunda-feira, 20 de maio de 2013

memórias pastorais - 83 - DIVAGAÇÕES NUM DIA DE DESPEDIDAS


 83 - DIVAGAÇÕES NUM DIA DE DESPEDIDAS
19/05/2013
Este foi um daqueles domingos inesquecíveis, não tanto pelo tamanho dos eventos, mas pelo que eles significam e significarão em minha vida.
Ontem, ao terminar de inspecionar os meus e-mails, deparei-me com a notícia que me causou profunda comoção: o Pastor Rivas Bretones, amigo de longa data, havia falecido no hospital, na luta contra o câncer. Eu sequer sabia de sua enfermidade, pois até então se pensava que era um problema de refluxo, o que, infelizmente, caminhou para um diagnóstico tardio de câncer no pulmão. Para mim, o querido amigo havia viajado para os Estados Unidos em visita a sua querida irmã Laura, mas a verdade era bem outra: estava travando dura luta contra a enfermidade.
A notícia chegou a mim no momento em que eu preparava a reflexão do domingo à noite, intitulada A BREVIDADE DA VIDA. Que ironia do destino! Eu, depois de anos, convidado para pregar no púlpito do saudoso conselheiro Pastor Josué Nunes de Lima, agora teria que provar de minha própria mensagem, visitando a despedida do Pastor Rivas no Cemitério da Paz!
Coloco-me na pele daqueles que são idosos e que vêem cada um de seus amigos partirem. Eles olham aos noventa anos e contemplam uma geração que não é a sua, com costumes que não são os seus, com pessoas com quem não têm os mesmos laços de intimidade, afetividade, cumplicidade e compartilhamento de experiências e cultura. E sentem-se absolutamente sós! Vê-se nos viúvos ou viúvas bem idosos o partir próximo quando perdem aquele referencial que lhes servia de âncora da temporaneidade, única testemunha ocular dos anos vividos de suas infâncias e juventudes. Por lhes faltar um partilhar de igual para igual logo sucumbem e adormecem.
Todas essas reflexões vieram-me à mente. Eu, um homem de meia-idade, de 47 anos e alguns meses, que sou contemporâneo da penúltima geração, que tive o privilégio de conviver com alguns dos últimos ícones espirituais de minha denominação e de outras agremiações evangélicas, verifico a grande solidão e o grande vazio de cada herói que parte e sucumbe diante do fim de seus dias. Aos poucos os referenciais que tive em minha vida de crente, de seminarista, de pastor e, posteriormente, de atuante denominacional, estão saindo da vida para adentrar às páginas esquecidas da história. Esquecidas muito cedo, pois uma das primeiras providências dos que ficam é decretar um "tempo novo", um "novo ministério", "uma nova unção" e fazem o possível e o impossível para sepultar qualquer lembrança dos obreiros que passaram, que fundaram suas igrejas, que abriram a picada na mata, que suportaram as duras lidas, as perseguições, a evangelização difícil, as construções das casas de culto, o doutrinamento, o discipulado. No máximo, o que se guarda é uma sala com seus nomes ou um monumento na área de entrada. Alguns, se possível, até isso tirariam.
Penso nos poucos que restam. Sim, os poucos ícones que continuam vivos e atuantes. Penso naqueles que não se venderam às facilidades do evangelicalismo moderno, midiático e mundano. Penso nos que não aceitaram mudanças pelas mudanças, que não trocaram o púlpito pelo palco, o louvor pelo show, a adoração pela coreografia, a reverência pelo ambiente de carnaval, a bíblia pelo livro de auto-ajuda, a doutrina pelo "achismo". Penso naqueles que se aposentam para não ver as barbaridades das quais poderiam ser vítimas, pois suas "novas" ovelhas, seduzidas pelo ruído dos lobos disfarçados de ovelhas e de Satanás disfarçado de modernidade eclesiástica, estariam a ponto de fazê-los abortar do ministério à força. Penso naqueles que pregaram, que ensinaram, que presidiram, que lutaram, que trouxeram progresso, e que agora, envelhecidos pelo tempo, encontram-se nas casas de repouso, nos fundos das casas dos filhos, ou vivendo de favores de algum crente generoso. Estes nunca recebem convites para nada, muito menos visitas ou lembranças, exceto de heróis como o conhecido irmão Grigório, que, conquanto não seja pastor, não esquece de nenhum dos operários do Reino, principalmente dos carcomidos pela batalha dos anos.
Penso no imenso vazio que fica. Rivas Bretones partiu. O que fica em seu lugar? Josué Nunes de Lima já está na glória celestial. João Rodrigues dos Santos, saudoso paranaense que com amor pastoreou a IB Gileade, na zona norte de SP, há anos partiu para Jesus. E o que dizer dos mais antigos? Parece que a nova geração não aceita ter sido sucessora dos pioneiros, dos que lhes trouxeram as tochas do evangelho; eles querem reinventar a roda e sentem-se ministros de um novo evangelho, ao gosto do freguês. E os resultados não custam a vir. Sei de tantos casos! Uma igreja, cujo pastor faleceu, grande lutador que veio da Letônia, jamais acertou com o seu obreiro e hoje tem o ministério vacante mais uma vez. Outra, cujo pregador era um mestre dos púlpitos e da oratória, teve por sucessor alguém que se ofendia em ouvir alguém falar bem do antecessor. Terminou bestialmente o seu pastorado. Agora ouvi de outro que mandou tirar todas as benfeitorias que lembravam o fundador de sua congregação, pois eram coisas bobas e agora viveriam "uma nova história".
Meu Deus, que geração é essa? Sei que há pastores aposentados que me lêem. Sei que há crentes perplexos e que me dizem: "pastor Wagner, onde estão os pastores que amavam a Cristo e amavam o rebanho?" Bem, posso dizer de poucos, mas posso garantir que há sete mil joelhos que não se dobram e nunca se dobrarão ao Baal da ingratidão.
E eu, com minha limitação, com as minhas memórias em ebulição, com o meu peito vazio com a perda dos amigos, com a ausência dos meus mestres tão amáveis e tão bíblicos, só posso concluir o seguinte: a tocha veio para a mão de outros mais jovens e isso me inclue nesse grupo. Que legado eu deixarei para a próxima geração? Que tipo de pastor eu devo ser para que outros vejam em mim o que eu vejo nos meus mestres que estão partindo? Que dignidade ou capacidade tenho? Sei que nenhuma. Mas sei que a nossa capacidade vem de Deus, a mesma que esteve disponível aos meus mestres que partem. Dispor dela é decisão nossa, que passa por joelhos calejados de dobrarem-se em oração, de bíblias surradas de tanto serem lidas e de coração crescido de tanto amar. Ah, amar!
Talvez a minha geração não tenha aprendido a amar. Amar as ovelhas, as pessoas da igreja, não as considerando massa de manobras ou apenas números para vaidade pessoal: "pastoreio mil pessoas". Pessoas não são como gado, contadas a grosso, mas são ovelhas, chamadas pelo nome, uma a uma. E amar ao rebanho, às pessoas, é o que a minha geração e as próximas não estão aprendendo nos bancos das faculdades teológicas modernas. Aprendem a discutir o indiscutível, a inspiração das Escrituras Sagradas, aprendem a duvidar de Deus, mas não aprendem a conviver com as pessoas salvas pelo Senhor. Creio que amar pessoas seja um dos segredos dos mestres. Rivas Bretones, Josué Nunes de Lima, João Filson Soren, Manoel Avelino de Souza, TC Bagby e tantos outros amavam as suas ovelhas. E como amavam.
Também não temos aprendido a ter solitude. Não a solitude de solidão, de depressão, de vazio; essa encontramos com facilidade no acúmulo de atividades ou no abandono da família. Solitude é aquela doce comunhão diuturna com o Senhor. Pastores não oram mais. Oram sim, mas não oram como deviam. A maioria mente. Diz que ora, mas apenas reza. Diz que ora, mas apenas cumpre o protocolo. E eu, no acúmulo de atividades acabo sendo seduzido pelo canto do "fazer coisas importantes" e nem me recordo que Maria, a irmã de Marta, recebeu os elogios por gastar tempo com o Senhor, muito mais do que Marta, que se cansava em fazer coisas para o Senhor. Comungar é mais importante do que fazer coisas. E a opção quase nunca é a solitude. Acredito que os meus antigos e saudosos amigos conheciam muito mais de Deus num dia de comunhão do que eu em toda a minha vida...
Lembro-me quando o Pr. Timofei Diacov (graças a Deus bem vivo ainda, e há de ser assim por muitos mais anos, é o que peço ao Senhor), no afã de me dizer como eu deveria ler a bíblia, falou-me de forma clara: "não vá à bíblia para que ela concorde com suas idéias; renda-se ao que ela diz, e você encontrará a vontade do Senhor". Conselho magnífico, que me motiva dia após dia a andar e a remar contra a maré das mudanças, pois a minha bíblia não mudou, não muda e nem mudará. Não importa o que eu ache, o que a minha filosofia, a minha sociologia, o meu coração pecador considera; é a bíblia a minha única regra de fé e prática, e sem dissecações empíricas ou modernistas. Que bênção manusear a minha bíblia de 1979 e ver que ela, à semelhança do meu Deus, não mudou!
Ah, quantas memórias! Quantos pensamentos! Não sei quanto tempo eu ainda viverei, nem por quanto tempo pastorearei a mesma igreja ou qualquer outra. Mas uma coisa eu quero: jamais me esquecer dos heróis que se vão. E nesse afã tudo farei para torná-los imortais para quem quiser ouvi-los ou lê-los, através de publicações, de blogs, de memórias, de entrevistas. Não devemos deixar a tão grande nuvem de testemunhas apenas subjetivamente, mas usar de seus registros deixados, como usamos os de Spurgeon, de Bunyan, de Calvino, de Lutero, de Langston, de Crabtree. Eles precisam continuar a falar e sua memória precisa ser lembrada.
Quero caminhar com o meu Senhor até o fim. E estar pronto para partir dia após dia, e pronto para ficar mais um pouco a cada dia. E que, no final da caminhada, eu possa dizer como o apóstolo Paulo, Rivas Bretones, Josué Nunes de Lima, Rubens Lopes, TC Bagby, WC Taylor, João Rodrigues dos Santos, "combati o bom combate, terminei a carreira, guardei a fé".
Ajuda-me, Senhor, a ser fiel. E a seguir os bons exemplos daqueles que recolhes.
Amém.
Wagner Antonio de Araújo

com o Pr. Josué Nunes de Lima

com o Pr. Rivas Bretones

Pr. João Rodrigues

memórias literárias - 82 - A MELHOR HORA


82 - A MELHOR HORA

A melhor hora para orar é quando não se tem vontade. Sim, porque é a hora em que mais precisamos! A falta de vontade de orar é semelhante à falta de vontade de comer por parte do doente enfraquecido: quanto menos come, menos fome tem. E nós sabemos que, se ele não se alimentar, irá morrer! A oração, para o crente, é gênero de primeira necessidade! Diz a bíblia: “Orai sem cessar.” (1Ts 5.7).

A bíblia não fala para orarmos só quando temos vontade. Se dermos ouvidos à vontade, não oraremos nunca! Mas, boas notícias: é só começar, que a sede de comunhão volta! “Assim como o cervo brama pelas correntes das águas, assim suspira a minha alma por ti, ó Deus!” (Sl 42.1).

A melhor hora para se ler a bíblia é quando não se quer lê-la. Sim, porque é quando mais precisamos dela! Não estou dizendo para você parar o trabalho que está fazendo, nem deixar de dirigir o automóvel no meio da estrada. Estou dizendo que não se deve obedecer à vontade, mas fazer força e ler as Escrituras! Sem bíblia, fatalmente tomaremos decisões erradas, e trocaremos o “melhor” pelo “apenas regular”, ou até pelo “ruim”!
Não há crescimento sem bíblia! Já viu um bebê crescer sem comer? Aqui também funciona o “começômetro”: começa-se ler, gosta-se, e continua mais e mais! Faça prova! Por isso o salmista disse, sobre o homem abençoado: “Antes tem o seu prazer na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia e de noite.” (Sl 1.2).

E ir à igreja? Às vezes é tão cansativo! Tem dia que é um fardo pesado, não é mesmo? Eu já me senti altamente desmotivado a ir. Depois paguei o pato, tendo uma semana “amarela”, sem graça e sem cor, e uma profunda dor na consciência, por ter me privado da adoração, da comunhão, da pregação, do ofertório, etc. Quando a gente volta, no outro fim de semana, parece que passou uma década, está tudo meio diferente! Eu aprendi que, quando eu menos querer ir, é justamente a hora em que eu mais precisarei congregar com meus irmãos e adorar a Deus em comunidade! “Não deixando a nossa congregação, como é costume de alguns, antes admoestando-nos uns aos outros; e tanto mais, quanto vedes que se vai aproximando aquele dia.” (Hb 10.25).

Se a sua igreja for sadia (boa doutrina, razoável comunhão, boa ética), você sairá de lá fortalecido! E se convencerá que, faça chuva ou faça sol, igreja é prioridade em sua agenda. E sem ninguém obrigar!

Pr. Wagner Antonio de Araújo

memórias literárias - 81 - ATÉ EU TE DEVO...


 81 - ATÉ EU TE DEVO...


Quem entra no salão de cultos daquela igreja evangélica não deixa de notar a beleza dos bancos. Madeira maciça, finamente envernizada, de lei, trabalhada com carinho, conservada com esmero. Bancos solenes, com estrados para ajoelhar-se, com local de colocar bíblias e hinários, um cheiro grave e respeitoso da mais fina madeira. Porém, há um detalhe que chama mais ainda a atenção: uma pequenina placa, do lado direito de cada banco, dourada, com os dizeres: "Ele não me deve... eu Lhe devo tudo!"


Perguntei ao zelador o motivo daquelas plaquinhas. Ele sorriu e contou-me a história.

"Há vários anos atrás, quando a igreja construía esta grande Casa de Oração, um irmão ganhou destaque. Ele se chamava Mariano. Homem simples, fiel, amava contribuir com a obra de Deus. Mas, por causa de sua baixa remuneração, pouco podia fazer. Mesmo assim ele participava de tudo com grande empenho e alegria. Sempre que o ofertório ocorria nos cultos, ele ia feliz e sorridente para o gazofilácio, dar a sua parcela de cooperação. Às vezes recebia ajuda da igreja, mas nem assim deixava de contribuir.

"Deus o abençoou muito. Tornou-se um profissional respeitável. Soube investir seus ganhos e comprou diversas casas de aluguel. Sua renda tornou-se muito boa. O seu dízimo acompanhou. E acabou por contratar diversas pessoas da igreja em sua oficina. Construiu um grande edifício para a empresa e uma mansão para morar.

"Tamanha prosperidade tornou-o ocupado demais para o Reino de Deus. Na verdade o seu coração esfriou. Sua grande riqueza transformou-o num homem reservado. Já não contribuia mais com nada além do seu dízimo e não tinha mais tempo para Escola Bíblica Dominical; seus compromissos sociais o cercavam: fazenda, chalé na montanha, casa na praia. Não deixou de ir à igreja, mas tornou-se infrutífero. Seu dízimo era alto e ele achava ser o bastante. Apenas não queria envolver-se ou ser incomodado.

"Num belo dia, quando a direção da congregação decidiu comprar os bancos e móveis para mobiliar o salão de cultos, verificaram tratar-se de um preço muito alto, acima do que podiam suportar. Não se tratava de uma bancada comum. Era material fino, digno de uma catedral. Todos os bancos da congregação, o púlpito, as cadeiras dos oficiantes, a bancada do coral, gazofilácios, etc. Se comprassem à prestação pagariam uma fortuna muito maior, porém à vista teriam 50% de desconto. Não podiam deixar passar essa oportunidade. Mas como obter financiamento?

"A tesouraria não tinha os recursos necessários; o povo não tinha mais como ofertar além dos compromissos assumidos. A igreja não se endividava na praça, nem buscava socorro dos bancos. "A ninguém devais coisa alguma", repetia o pastor.

"Foi então que alguém propôs: "Vamos pedir emprestado ao irmão Mariano! Ele certamente poderá nos ajudar! Ele é nosso irmão, é da casa. Faremos um livro de ouro, um sistema para arrecadar ofertas, e se Deus quiser conseguiremos quitar essa pequena fortuna".

"A comissão foi até a sua casa. Mariano tinha progredido de forma espetacular. Sua mansão era um sonho. E as casas ao lado lhe pertenciam também, comprara praticamente todo o quarteirão. Recebidos pelos empregados, os irmãos aguardaram na sala de estar, um ambiente utópico, cinematográfico mesmo. Mariano estava em outra dependência, mas desceu para conversar com os irmãos.

"Como estão, meus irmãos? Em que posso ajudar?"

"Irmão Mariano, viemos pedir o seu socorro. Os bancos e móveis para o salão de cultos foram escolhidos, mas são muito, muito caros, não temos recursos. Se pagarmos à vista teremos cinquenta por cento de desconto. O irmão não poderia emprestar? Sabemos que o irmão tem sido abençoado, quem sabe poderia nos auxiliar sem que buscássemos socorro nos bancos privados.

Mariano fechou o semblante. Mostrou-se aborrecido e incomodado. Pensava: "Não me deixam mesmo em paz! Basta termos um patrimônio para não largarem de nosso pé!" Pensou, pegou a calculadora, anotou alguns valores, e disse:

"Dar eu não dou, afinal, não sou o único membro da igreja. Tenho a minha vida, os meus compromissos. O que posso fazer é emprestar..."

"Irmão, não viemos lhe pedir nada além do empréstimo. Mas se o irmão não se dispõe, não há problemas. Parece que o irmão não apreciou a idéia. Não se aborreça. Buscaremos recursos em outro lugar. Deus o abençoe e até domingo, irmão..."

"Não, não se chateiem. Esperem. Eu empresto. Essa quantia eu tenho disponível. Posso emprestar, mas terão que me pagar em 12 vezes, pode ser apenas com os juros de poupança. No final contabilizamos e fechamos a conta. Passem no meu escritório e retirem o cheque, ok?"
"Não muito felizes, pois a cortesia faltou, mas muito agradecidos pelos recursos disponibilizados, os irmãos saíram. Correram ao representante da loja e adquiriram os bancos.
"Mariano, um tanto alheio a sentimentos (aprendera a viver sem considerá-los, pois assim a vida comercial exigia), subiu ao terceiro andar de sua mansão. Ali havia um mirante, ao lado da piscina, em frente ao jardim e ao chafariz. Dali ele vislumbrava as 20 casas boas, do quarteirão, que alugara e de onde recebia excelente renda. Também via a fachada do prédio onde estava sediada a sua próspera empresa."

"Lembrou-se do quão difícil fora a sua vida; da casinha pequenina alugada onde morava, das cestas básicas que recebera quando o dinheiro era insuficiente. Lembrou-se de sua constante dedicação ao trabalho do Senhor, das tardes evangelísticas, dos cultos, vigílias, das visitas aos novos crentes, do sorriso nos lábios e do quanto, quanto, quanto, Deus lhe abençoara em menos de dez anos.

"Olhou tudo isso, sorriu e derramou uma lágrima de gratidão. Sentia-se quebrantado.

"Disse em alto e bom som, com grande emoção:

"SENHOR, MUITO OBRIGADO, DE CORAÇÃO, POR TANTAS BÊNÇÃOS QUE ME DESTE. Ó, DEUS, COMO TU ME ABENÇOASTE!

"Naquele instante, de forma audível para ele, escutou, perplexo, uma resposta vinda do Céu:
"ABENÇOEI-TE TANTO QUE ATÉ EU TE DEVO..."

"Mariano caiu no chão, assustado, com tontura e muito medo. Ele realmente ouvira essa voz. Ele a escutara. Ele não estava louco. E por que ouvira isto?

"Enquanto se levantava lembrou-se da reunião da comissão dos bancos. Lembrou-se do empréstimo e dos juros. Pensou no que isso significaria para a sua conta: uma fatia pequenina. Lembrou-se de que a Igreja era de Deus e que ele também pertencia a Deus.

"Então orou de novo:

"meu Deus, como pude me atrever a querer EMPRESTAR para Ti? Se tudo o que eu tenho, tudo o que eu sou e tudo o que eu faço são frutos de Tua imensa graça? Sou indigno de todas as tuas bênçãos! Perdoa-me, Senhor!"

"Mariano correu até a casa do pastor. Afoito e quase desesperado, suplicou:

"Pastor, por favor, por compaixão, peça à comissão da aquisição dos móveis para reunir-se comigo hoje à noite. Tenho que falar uma coisa.

"Irmão, estou preocupado. Fechamos o negócio, nós vamos lhe pagar. Estaria o irmão arrependido? Não irá mais disponibilizar o valor? Tenha certeza, irmão: nós lhe pagaremos!"
"Não se preocupe, pastor. Esteja à noite em casa."

E à noite, na mansão do Mariano, ele disse:

"Irmãos, preciso dizer algo sobre o cheque dos bancos".

"Os irmãos se contorceram, olharam preocupados uns para os outros, e aguardaram a notícia.

"Eu estive orando ontem. Vi todo o patrimônio que conquistei nos últimos dez anos. Não mereço nem um por cento de tantas bênçãos do Senhor. E agora, com vergonha, tenho que confessar: eu fiz Deus me dever... Sim, irmãos, enquanto orava agradecendo as bênçãos, ouvi claramente a voz do Senhor, dizendo: "ABENÇOEI-TE TANTO QUE ATÉ TE DEVO".

"Mariano chorava. E continuou:

"Deus não me deve nada, irmãos! Eu sou devedor a Ele! Tudo o que eu tenho é dEle! Tudo o que eu sou devo a Ele! Quem sou eu para cobrar juros do Senhor? E mais: esse dinheiro não irá me fazer falta. Por favor, risquem de seus planos pagar o valor para mim. A igreja é de Deus, e Deus não me deve nada! Eu estou doando os bancos. E não precisam me agradecer; sou apenas mordomo do que Deus me concedeu."

"Não é preciso dizer que choraram muito. Não é preciso dizer que o pastor orou em prantos. Celebraram um culto no final do mês, agradecendo pela belíssima mobília. Estes são os bancos do Mariano, irmão. Ele quis celebrar essa experiência, e colocou as plaquinhas, para que nunca ninguém se esquecesse: Deus não nos deve nada..."

Saí emocionado daquele templo evangélico. Imaginei cada cena, cada detalhe. E pude escutar o eco da Palavra de Deus em meu coração:

Que darei eu ao Senhor, por todos os benefícios que me tem feito? (Sl 116:12)

Então a nossa boca se encheu de riso e a nossa língua de cântico; então se dizia entre os gentios: Grandes coisas fez o Senhor a estes. (Sl 126:2)

Menor sou eu que todas as beneficências, e que toda a fidelidade que fizeste ao teu servo; porque com meu cajado passei este Jordão, e agora me tornei em dois bandos. (Gn 32:10)
Porque, quem te faz diferente? E que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te glorias, como se não o houveras recebido? (1Co 4:7)

Que Deus nos ajude a compreender que ELE não nos deve nada; nós é que devemos tudo a Ele. E que sejamos fiéis, colocando tudo o que temos, somos ou fazemos em Suas mãos, sabendo que "Deus ama ao que entrega com alegria" (2 Coríntios 9.7)

Wagner Antonio de Araújo
22 de março de 2012
Igreja Batista Boas Novas do Rodoanel em Novo Horizonte
Carapicuíba - São Paulo - Brasil
www.uniaonet.com/bnovas.htm
bnovas@uol.com.br


Obs: ESTE CONTO É BASEADO EM UM ACONTECIMENTO VERDADEIRO.

memórias literárias - 80 - ELZIRA BONFANTE - UM ANO LONGE DELA


80 - ELZIRA BONFANTE - UM ANO LONGE DELA...
Terminando por hoje as lembranças literárias, publico o texto que escrevi quando completei um ano sem a presença de minha mãe querida.
Foi em dezembro de 2006
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ELZIRA BONFANTE
a minha mãe!
- um ano longe dela...

Não é um dia como outro qualquer. É um dia nublado. Um vento de outono sopra nesse início de verão, distoando das cantigas natalinas que se ouve pelos ares. "Noite Feliz", "Pequena Vila de Belém", "Nasce Jesus". Parece que tudo está em preto e branco, com baixa definição. As melodias não encantam, o Natal não sensibiliza, nossa árvore continua encaixotada.

Poderia ser qualquer dia: 8 de novembro, 4 de dezembro, 15 de outubro, não importa. Mas 6 de dezembro corta como faca de dois gumes, penetra como um punhal, sangra como uma ferida aberta, arde como pimenta nos olhos, entristece como um canto de lamentação.

Lamentação: isso! É assim que poderia chamar esse dia. Um lamento ao nascer do luar!

Foi em 06 de dezembro do ano passado, 2005, às 18 horas da tarde, que Daniel e eu rumávamos para casa, após a última visita na UTC do Hospital São Joaquim, Beneficência Portuguesa, em São Paulo. Deus tocara em meu coração, para que não fosse embora até que essa visita acontecesse, fora de hora. Ao entrar, vi aquela que me trouxe ao mundo, agonizando. Canos e canos no nariz, tubos na boca, lábios já arroxeados, respiração artificial vagarosa, barriga inchada, e o médico a dizer: "só estamos aguardando..."

Sim. Quando recebemos o telefonema, dizendo para voltarmos - estávamos no trânsito da Avenida Paulista -, sabíamos que mamãe partira. E, nesse instante, a dor consumiu todo o resto de esperança, esperança teimosa, que se negava a aceitar a realidade. Ela partira. Ela se fora. E nós ficáramos. Mas queríamos ter ido com ela, para nunca nos separarmos!

Ela era o elo de ligação da família, na ausência de minha avó Sílvia. Quando a vovó faleceu, a família dispersou-se, mas mamãe conseguia unir suas irmãs através dos telefonemas diários ou semanais, que fazia. Algumas ela acordava diariamente, cantando uma musiquinha da TV Tupi dos anos 60. Outras, atualizava as notícias sobre as primas, as tias, o mundo, o evangelho. E assim a família era unida, por uma central de comunicação e ânimo, chamada Elzira Bonfante. Meu Deus, que falta ela faz!

Não era apenas com suas irmãs que mamãe mantinha o ânimo, o vigor, o amor, a união. Também com os irmãos em Cristo. Ela era conhecida como "a vovó da igreja", e "o despertador". O pastor, irmãos e irmãs, muitas vezes, pediam para minha mãe despertá-los, pois confiavam mais num telefonema dela que nos seus próprios relógios! Além do mais, com a voz e o amor da minha mãe, o dia era muito, mas muito mais suave e agradável. O meu irmão Daniel era todos os dias acordado por ela, estivesse no Acre ou no Rio Grande do Sul.

Tudo isso eu vejo no ar, no céu tristonho e melancólico, na brisa de inverno neste início de verão. Hoje faz um ano. Um ano que ela partiu.

A questão não é "há vida após a morte", mas "há vida após a morte de quem se ama?" É possível continuar a vida sem ela?

Por um lado sim. Nosso fundamento e base é Cristo. E minha mãe, durante 24 anos, foi uma das crentes mais fiéis de que tenho notícia. E eu conheço muita gente, muitos lugares e alguns países! Minha mãe era uma mulher de oração. Ela orava mesmo! Ela falava com Deus. Ela ouvia dia e noite a MELODIA FM. Fiquei triste porque a ouvinte mais fiel não recebeu uma única homenagem. Os produtos fantasiosos oferecidos pelos patrocinadores, mamãe comprava todos, para ajudá-los e ajudar a si, pois acreditava que pó de tubarão ou de raízes fosse afinar o seu sangue. Que tristeza quando um desses vendedores ligou para cá, pedindo para falar com ela, e, quando dissemos que ela havia morrido, a moça falou: "ah, ainda bem que você me disse, senão eu iria ficar com um nome à toa no meu cadastro. Até logo".

Mamãe era confidente do pastor. Era a mãezona, a pastora dos pastores. Seus conselhos, seus ouvidos, suas recepções, tudo isso era de um poder fabuloso na vida dos obreiros e da sua igreja. Se alguma dúvida houvesse quanto à conversão e consagração de minha mãe, então nenhum dos crentes que conheço, incluindo-me a mim, teria qualquer segurança em sua fé, pois ela era um exemplo. Mas, bendito seja Deus, não só temos segurança de sua salvação, quanto de que sua morada com Cristo é especial! Aleluia!

Não tivemos Natal no ano passado. Não costumo ser hipócrita e fazer coisas para os outros verem. Gosto de ser eu mesmo e assumir minha humanidade. Chorei, berrei, fiquei perplexo, fiquei emburrado. E agora, que mais um Natal vai chegar? O que minha mãe faria se estivesse em meu lugar?

Primeiramente, ela ficaria alegre, nem que fosse da boca para fora, só para não estragar o nosso Natal, e ainda nos incentivar a superar a dor e a crise. Minha mãe era uma consoladora, ela nos erguia e nos fazia recobrar o ânimo. Não houve um dia em que eu chegasse triste da Boas Novas, que ela não tivesse um estímulo, uma palavra de ânimo, acabando com a minha tristeza e depressão. Então minha mãe ficaria alegre.

Em segundo lugar, ela continuaria falando com as tias e com os irmãos, correndo atrás da normalidade. Que mulher forte, meu Deus! Superamos a morte do meu pai, porque ela estava conosco. E agora, Senhor? Quem fará isso por nós?

Ela arrumaria a árvore, celebraria com grande alegria, ficaria feliz com pouca coisa e faria do Natal um momento único, maravilhoso, inesquecível! Ela nos faria compreender a vontade de Deus, nos faria agradecer pelos acontecimentos e nos mostraria o lado bom de tudo. Deus, como sobreviver sem ela? Imagino  como amavas e amas tua mãe, Jesus! Mãe é tesouro incomensurável, é pérola, é rocha, é gargantilha de ouro, é diamante num anel, é Ferrari na garagem, é um rim novo para o hemofílico! Mãe é a coisa mais bela e maravilhosa na criação divina!

Ela nos alegraria, mesmo que sofresse sozinha, sentindo a falta de sua mamãe Sílvia e de seu papai Leandro, ou de meu pai Antonio. Certamente choraria pela falta que sua irmã Isaura lhe fazia, dor que lhe consumiu tanto, ou pela impossibilidade de desfrutar dos telefonemas contínuos com sua irmã Jovelina, impedida pelas interpéries da vida. Ela sofreria aos pés do Salvador. Quantas vezes não escutei seu choro, enquanto orava! Ela só quis o nosso bem, e nunca, nunca reclamou de nada! Essa mulher não sentia dor? Essa mulher não sofria? Às vezes, quando ia dormir tarde, passava junto à porta de seu quarto e a escutava chorar. "O que foi, mamãe?" "Nada, só um resfriado". Pela manhã, quando ligava seu rádio, apoiava-se no andador, sentadinha, e fazia a oração das seis, ouvia a ilustração do dia, adormecia orando, acordava, e estava ganho o dia!

Não sou tão forte como ela. Nem eu, nem a Milú, nem o Daniel. Ela se foi, e hoje faz um ano. Do seu quarto não se ouvem mais as ilustrações da rádio. Seu telefone não fez mais ligações. Seu aparelho de som está quieto, não toca mais. Seu rádio-relógio, que ela tantas vezes deixou cair pela fragilidade das mãos, não desperta mais. Tudo está quieto, arrumado, como num ato de respeito e memória àquela que deu vida a este lar, que fez de dois filhos homens honrados, que trouxe luz e esperança para tanta gente!

Eu dedico o dia de hoje à memória de minha saudosa mãe. Minha, do Daniel e da Milú. Somos hoje a família que restou. Papai subiu em 1991, mamãe em 2005. Eu queria subir também, subir logo, ir ao encontro de Cristo, e, por misericórdia e graça, encontrar minha mãe! Mas há tempo para tudo, e somos imortais enquanto não cumprirmos a missão confiada pelo Criador nas mãos de cada um de nós. Por isso eu não sei quando irei. Mas sei que irei feliz, contente, cheio de esperança, cheio de saudade, cheio de felicidade! Aceito como vontade de Deus cuidar do meu irmãozinho querido, que precisa de mim. Também de pastorear o rebanho que não é meu, mas de Cristo. Quantas Elziras eu não sepultarei, e quantos Wagners, Daniéis e Milús, eu não terei que consolar ainda? Mas a dor é didática, a dor é uma escola. Sei o que meu povo sente.

Acho que continuar a caminhada, pregar o Evangelho, consolar os entristecidos, levantar os caídos, orar pelos enfermos, anunciar o Reino e fazer aos que estão à nossa volta, que a vida seja mais feliz, é o que nós temos que fazer. E o meu irmão continuará a servir a Jesus com todo o amor e entusiasmo, e continuar a ser, e sempre mais, um empresário de renomado sucesso e prosperidade. Não meramente por ele, mas por Cristo, pela Milú e eu, e pela nossa saudosa e eternamente presente mamãe Elzira.


Celebrarei o Natal.

Celebrarei o Ano Novo.

Celebrarei a vida, a salvação, a graça, a fé, a eternidade.

É o que minha mãe desejaria, é o que ela fez ano após ano, sorrindo e fazendo sorrir, alegrando e fazendo alegrar, dando amor e cultivando o amor.

Pouco me importa não ter bens materiais, casas, dinheiro. Eu tenho os três maiores valores: tenho Cristo, meu Salvador, tenho um irmão e uma irmã maravilhosos, e tenho Elzira Bonfante no sangue, mente e coração!

No que depender de nós, a família, NUNCA DEIXAREMOS O NOME DE NOSSA MÃE JAZER NO ESQUECIMENTO. Ela é uma daquelas, das quais o mundo nunca foi digno. Uma heroína na fé.


EU HOMENAGEIO
ELZIRA BONFANTE!
A bênção,
mãe querida!


Pr. Wagner Antonio de Araújo - bnovas@uol.com.br
Daniel Paulino de Araujo - daniel@nss.com.br
Emiliana (Milu) Pereira Cruz - danviv@uol.com.br
http://www.uniaonet.com/bnovamaelzira.htm

memórias literárias - 79 - LEMBRANDO DE ELZIRA BONFANTE - no. 2


79 - QUATRO MESES - LEMBRANDO DE ELZIRA BONFANTE - No. 2


Após 4 meses do falecimento de mamãe escrevi este texto.
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Quatro meses.

06 de dezembro de 2005.

18 horas.

Na Avenida Paulista, voltando para casa, após visitarem sua mãe pela última das vezes, dois irmãos, cansados e apreensivos, Daniel e Wagner, recebem um fatídico telefonema: Dona Elzira Bonfante faleceu, na Unidade de Terapia de Choque do Hospital São Joaquim, Real e Benemérita Sociedade Portuguesa de Beneficência.

A garoa paulistana molhava o vidro do carro, e as lágrimas regavam nossos olhos, rolando rosto abaixo, para o chão.

No peito, uma gratidão: mamãe foi para o Lar. No coração, uma dor: não a veremos mais aqui na Terra. Ah, Senhor...

Ser forte para não deixar meu irmão sucumbir, receber e enviar telefonemas, e-mails, principalmente e-mails. Ah, como circularam e-mails emocionais naqueles dias!


Madrugada. Quatro da manhã. O corpo da saudosa Elzira Bonfante chega no templo da Pompéia, que ela ajudou, com suas ofertas, a construir. Templo que não conheceu em vida, agora serve-lhe de velório. Contradições da vida!

Coração sofrido, saúde frágil, doparam-me para não sofrer mais do que era capaz. Meu irmão era mais saudável. E aquele foi um dia histórico. Inúmeros amigos, parentes, irmãos em Cristo, pastores, missionários, todos irmanados com nossa dor, vieram dar o último adeus, ou ligaram, ou escreveram. Mas, de algum modo, quiseram que soubéssemos de sua solidariedade.

Um carro a mais, sim, foi necessário um carro a mais, tantas eram as coroas e flores, as homenagens póstumas àquela que nos dera à luz, e que fora, para a Igreja Batista de Vila Pompéia, a vovó Elzira, a confidente, a conselheira, a mulher de oração, a "miss simpatia".

Dia seguinte. Casa vazia. Alguns amigos a fazer companhia, para amenizar a transição. Mas, passados uns dias, tudo tem que voltar ao normal, pois cada um tem seus próprios fardos, e a vida não espera, ela continua.

Daniel voltou à empresa, Milu aos cuidados da casa, e eu ao rebanho de Cristo. Visitamos o cemitério, para celebrar o Natal, simbolicamente junto da mamãe, que sempre ganhava o presente de maior valor, mesmo que tivéssemos pouco para gastar; neste ano presenteamos-lhe duas coisas: nossas flores e nossas lágrimas de saudades. Quantas foram, só Deus o sabe.

Quatro meses. Meu Deus, como o tempo passa! Minha casa está vazia. Somente o Senhor e os ecos da saudade. Ecos que nos fazem relembrar o tempo em que o nosso jardim floria perfumadamente, tempo em que mamãe era tudo para nós, humanamente falando. Cômodos vazios, memória cheia, saudade profunda!

Nestes quatro meses os sulcos em nossas faces denotam dez anos de envelhecimento, tanto tem sido o nosso sofrimento, a dor da ausência, às vezes insuportável. Afinal, era ela a luz de nossos caminhos, o centro de nossa família, a ternura de nossa vida. Sentimo-nos como Israel cativo em Babilônia, junto aos rios estrangeiros, não conseguindo tanger suas harpas, ou como as almas debaixo do altar, a inquietar-se com o juizo tardio contra os inimigos de Cristo. A resposta é a mesma: "descansai um pouco mais". Descansar, aqui, para nós, é seguir em frente, para o alto, para cima, para Deus.

E temos feito isso. Daniel em seus negócios, Milu na casa, eu na igreja e em meus ministérios múltiplos. Alguns não consegui reencontrar; outros, aos poucos vão se normalizando. Mas nada mais foi como era. Nem na formação de uma futura família tenho pensado ultimamente. A dor maior acaba cobrindo a dor menor; e eu pensava que não havia nada mais doloroso! Ledo engano!

Saudades, mamãe querida! Muitas saudades!

Mas, mesmo assim, nós, Milu, Daniel e eu, jamais deixaremos Jesus Cristo, que é a razão principal de nossas vidas, começo, meio e fim. É por Ele que sobrevivemos a essa tsunami que soterrou quase tudo, e é por Ele que reconstruiremos um futuro lindo, edificado sobre o fundamento dos apóstolos, e o exemplo inesquecível de nossa genitora.

Te amamos, mamãe!

De seu filho Wagner, o primogênito, e de seu caçula Daniel, junto com a filha postiça Milu.


"Não se turbe o vosso coração. Credes em Deus; crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fora, vo-lo teria dito. Vou preparar-vos lugar. E quando eu for, virei outra vez, e vos levarei para mim mesmo, para que, onde eu estiver, estejais vós também"; "consolai-vos uns aos outros com essas palavras".(João 14, I Tess 4))

Wagner Antonio de Araújo
Igreja Batista Boas Novas de Osasco, SP
bnovas@uol.com.br
www.uniaonet.com/bnovas.htm  

terça-feira, 14 de maio de 2013

memórias literárias - 78 - DIVAGAÇÕES DO PÓS-TUDO - LEMBRANDO DE ELZIRA BONFANTE - No. 01

78 - DIVAGAÇÕES PÓS-TUDO - LEMBRANDO DE ELZIRA BONFANTE - No. 01
Como o dia das mães aproxima-se, quero recordar-me dos dias difíceis, quando da morte de minha mãe. Foi um período de dor intensa e de reflexões emocionais profundas.

Vou rememorar isso até sexta-feira, publicando textos desse período.

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07 DE DEZEMBRO DE 2005


Não consigo dormir.

Dormi durante a tarde, à custa de remédios, enquanto mamãe era homenageada em velório e enterro. Uma decisão do meu irmão, querendo preservar-me de mais sofrimento, uma vez que passara a madrugada e o princípio da manhã junto ao caixão, e não suportava mais tanta dor, ausência e solidão.

O que dizer? O que falar? É como se o mundo não tivesse mais cores, os sons não tivessem mais ruídos audíveis, como se o ar não fosse mais suficiente e o tempo não significasse mais nada. Viver, morrer, nada mais faz sentido.

Quanta história esses 16 dias de UTC do Hospital São Joaquim da Beneficência Portuguesa, reservou para nós! Coisas que certamente esqueceremos, com o passar dos anos, mas que aconteceram, e isso não se pode negar.

A internação de mamãe. Na cama, quase afogando-se, enquanto os bombeiros chegavam para removê-la, ela disse à Milu: "Cuida bem do Wagner e cuida da casa". Depois, ao chegarmos ao hospital, e removê-la para a tomografia, após sair, suas últimas palavras à minha prima Leila: "Eu te amo", e já não disse mais nada. A hora em que meu irmão Daniel chegou do Rio de Janeiro, junto com seu sócio Renato, e o desespero de ver minha mãe à beira da morte.

Os dias se seguiram, e o mundo praticamente parou em nossas mentes. Não vimos mais jornais, noticiários, não sabemos mais o que aconteceu no planeta. O nosso planeta era mamãe, e ela estava sofrendo. Vê-la entubada, pela primeira vez, foi a morte para nós. Meu Deus, ela dormia "tranqüila", se é que se pode chamar esse tipo de sono de tranqüilidade. Visitas ao meio-dia e às dezoito horas. Cada médico plantonista com um jeito diferente de falar: uns, dando muita esperança, dizendo que houve melhoras nos rins, nos índices de glicemia, no sangue, nos órgãos, e que diminuiram a medicação e a respiração mecânica. No outro plantão, tudo caía por terra, porque agora ela estava cada vez pior. E na manhã seguinte, num eterno círculo vicioso, melhoras e pioras se sucediam.

Lembro-me quando, junto de meu irmão, vimos mamãe começando a acordar. Seus olhos se abriram. Mas eram olhos diferentes, grossos, com a parte branca engrossada. Seu rosto ficou vermelho e ela tentava tirar os canos. Acalmamo-la, mas nosso desejo era ajudá-la, arrancando tudo. Seríamos presos, se o fizéssemos. Alguns parentes também viram minha mãe assim, chamando (imaginaram que fosse) "Jovê", "Nina", a sua irmã mais velha e mais doente, que sofre com enfermidades longas.

Lembro-me do dia em que uma frente fria passou aqui por São Paulo. Aliás, o tempo aqui na capital está tão triste, o sol não se firma, também não há estabilidade, parece que a Natureza chora mamãe. Nossa mente faz associações que lhe confortem e consolem, não é mesmo? Bem, naquela tarde, após vê-la, meu irmão iria embora. Então eu disse a ele que passaria a madrugada no hospital. Ele perguntou-me: "você acha que ela irá morrer hoje?" Eu disse: "Não sei, mas tenho que ficar por aqui, disso eu sei". E fiquei. Primeiramente meus primos Edemir e Eneida, vieram ver-nos e conversar. Ficamos até altas horas. Depois, sozinho, recebi a visita do amigo e irmão Serginho, vice-presidente da Boas Novas. Ah, ficamos a conversar longamente, e a orar também. Mas às 11 horas eu iria usar minha carteirinha para ver minha mãe. Contudo, as enfermeiras estavam em troca de plantão, e eu vi minha mãe bem rápido, para não atrapalhar. Perguntei se poderia vê-la às 3 da madrugada e saber notícias. A enfermeira explicou-me que vê-la ela autorizaria, mas passar informações, só a médica, pois seria anti-ético da parte dela. Ah, se todos os pastores também aprendessem a respeitar a ética cristã e ministerial!

ÀS 3 da manhã estávamos lá, Serginho e eu. Uma enfermeira veio à sala de espera, dizendo: "o senhor é o filho da Dona Elzira, certo? A enfermeira-chefe está lhe chamando". O coração já saltou de medo e preocupação. Teria minha mãe falecido? Estaria já a chamar a família? Corri para a porta de entrada, lavei as mãos e vesti o avental. A enfermeira, do corredor, disse: "Venha, ela está a chamá-lo". Corri. Então mandaram-me entrar numa sala, onde estavam 5 enfermeiras. A chefe falou: "Bem,... nós estamos morrendo de vergonha... mas todo mundo aqui já sabe .... que a Dona Elzira tem um filho pastor ... e nós queríamos que o senhor orasse pelos doentes aqui do Choque. Eles precisam, e nós também..." Aliviado, mas excitado pela surpresa, disse: "Mas como assim? Ir de leito em leito?" Elas disseram "Nâo, porque alguns não aceitariam, mas podemos orar aqui mesmo".

Fiquei agradecido ao Senhor, porque até lá, no hospital, à beira da morte, mamãe estava a dar o seu testemunho, sendo reconhecida como uma mulher abençoada, cujo filho deveria ser alguém de bem também. Aliás, um dos comentários ali feitos é que nós dois, Daniel e eu, éramos os visitantes mais constantes, contínuos e fiéis de uma paciente. Orei emocionadamente por cada doente, cada enfermeira, cada médico, cada funcionário. E orei também por minha mãe. Enquanto orava, Deus tocava em meu coração para que eu repartisse a Sua Palavra com eles. "Em quantos funcionários vocês são?" Elas disseram: "60 aqui na UTC". "Então eu hei de conseguir 70 Novos Testamentos, ou 70 bíblias, para lhes dar de presente, até um pouco antes do Natal". Ah, elas sorriram e fizeram festa, como quando recebemos a notícia alegre de que alguém está melhor de saúde. "Mesmo que minha mãe ainda estiver aqui, ou se tiver saído para a vida, ou ido aos braços do Pai, eu voltarei". "O senhor poderia orar de vez em quando aqui?" "Mas é claro que sim! Contem comigo!" E ali estava um ministério novo, criado por Deus, através do sofrimento de mamãe! Ainda não tenho os novos testamentos, ou as bíblias inteiras, mas creio que o Senhor as dará, para que eu as encaminhe para eles, até antes do Natal.

Penúltimo dia. O médico nos disse que minha mãe estava além dos 70% aceitáveis de gravidade, e que agora a infecção hospitalar havia coberto o seu corpo. Disse-nos que as úlceras estavam abertas e jorrando sangue, e que não havia medicamento que desse jeito à sua pressão. Falou-nos que tentariam alguma coisa, mas que, infelizmente, o mais natural, seria o caso "evoluir para o óbito". Evoluir??? Meu Deus! Saímos de lá abatidos, acabados. Lembro-me, no corredor, quando tentamos ir à capela orar, e encontramo-la fechada..., ter confortado o meu irmãozinho Daniel, quando eu mesmo é que precisava de conforto! Mas eu sou o mais velho, e tenho a obrigação de ser forte, e o Espírito Santo supriu-me de conforto o coração. Aleluia!

Quem dormiu à noite? E na madrugada? E na manhã? Cada toque do celular ou do telefone, era uma punhalada em nosso peito, que aguardava com expectativa fúnebre a notícia funesta e fatal do estado de mamãe.

Por fim, o meu irmão iria visitá-la à tarde. Quis que eu ficasse. Mas eu tinha certeza de que deveria ir, uma vez que poderia ser a última despedida, ou então, que algum milagre ocorresse.

Faltava meia hora para as 18, e eu senti no coração que deveria fazer uso, mais uma vez, da minha carteirinha. E fiz. Ao entrar, vi-a já com a boca arroxeando, sua cor empalidecendo, poucos medicamentos pendurados, e o seu coração em compasso lerdo, lerdo para o que víamos nos outros dias. E ouvi em meu coração A VOZ, que dizia: "Ore agora". Ah, essa voz! Foi essa  a voz que me fez despedir o irmão Antonio, esposo da irmã Isabel, que morreu em meus braços! Foi essa a voz que me fez informar aos vice-presidentes que, logo após ir aos Estados Unidos, eles passariam por um funeral. Essa Voz, do Espírito Santo, me iluminou a orar. E orei, motivado por Ele: "Senhor, tua serva já cumpriu a sua missão, de forma brilhante e maravilhosa! Foi excelente esposa, primorosa cristã e a mãe mais maravilhosa do mundo! Não deixe-a sofrer mais! Seu corpo não suporta tanta luta! Dá-lhe o descanso necessário! Em nome de Jesus. Amém.  Mamãe: muito obrigado por ser quem a senhora é. Daniel e eu a amamos muito! Agora, mamãe, siga em frente, descanse, vá para os braços de Jesus! Logo, logo, estaremos juntos, para sempre!" Orei assim, enquanto sentia, em sua testa, o último calor de vida. Nesse momento, a máquina do coração, indicava 55 por minuto, e caiu para 50, 45, e a enfermeira disse: "Tem mais alguém aí para entrar? Diga para entrar agora". Corri e chamei meu irmão Daniel, que entrou e pôde despedir-se dela. Ao saírmos, meu tio Carlos Bonfante e minha prima Cristina também entraram, e foi na visita da Cristina, que mamãe expirou. O Daniel falou: "ela esperou a sua bênção, mano". Seja Deus engrandecido.

Então o forte fez-se fraco, e desandou. Caí em profunda dor, sentimento, tristeza, amargura, desespero. Fiquei em casa, com tias e parentes, e irmãos da Boas Novas, que vieram fazer-me companhia. Obrigaram-me a dormir  um pouco e a comer algo (dois dias sem dormir, e quase isso sem comer). Quem conseguia dormir? Às três estava eu, Izamara e Domingas aqui, e o povo havia descido para a igreja. Corri para lá também.

O Daniel quis segurar-me, mas quê! Tive que ficar juntinho do corpo dela. Ah, estava ela vestida com seu vestidinho mais usual e querido. Fizeram-lhe uma cirurgia pós-morte, para retirada de vísceras, pois a barriga estava explodindo e o sangue jorrava por todo canto. Quantas bolsas de sangue e litros de remédio ela não tomou em 16 dias, e os rins não deram conta? Encheram-na de pó-de-serra e de formol. Cheirava remédio e desinfetante. E os cuidadores, iam fazendo o enchimento com galhos de flores e folhas. Meu Deus, meu Deus, meu Deus! Quando foi que imaginei ver minha mãe assim?

Enfeitaram-na com crisântemos brancos, com um véu muito fino, grampeado nas beiradas. Cada ruído do grampeador, era uma martelada em nossas carnes e em nossas mentes. Meu Deus! Depois, com ela preparada, estávamos lá, ombro a ombro, Daniel e eu, os filhos de Elzira! Agora éramos só nós dois, e a Milú, e mais ninguém! Estávamos sem aquela que nos gerara! Ela partira com Jesus. E, fisicamente, estava morta. E, espiritualmente, estava longe, muito longe, na eternidade, no Paraíso, e nós ficamos!

Vir e ir. Voltei, trazido pelos irmãos, e comi alguma coisa, retornando para o velório. As pessoas estavam a chegar, mas eu não consegui conter-me, ao ver suas irmãs chegarem, e verem o rosto da irmã querida ali, morto, no caixão. Suas palavras, suas lágrimas, sua dor, foram insuportáveis. O meu coração começou a ter arritmia forte, e senti que algo estava a acontecer. Conhecedor de minhas limitações, o meu irmão ordenou que eu voltasse, trazendo-me para casa. E deram-me calmantes, com os quais dormi até bem depois das 17 horas, hora do sepultamento lá longe, em Embu das Artes. Fiquei triste, por não ter estado junto. Mas tudo o que eu tinha que fazer pela minha mamãe, eu fiz em vida, e isto eu sei que ela soube, e Deus também sabe. Meu irmão, saudável, esteve até o final, e falou-me da multidão de gente, entre amigos, irmãos em Cristo, empresários, executivos, pastores (mais de 30), gente de nosso relacionamento e amigos da internet, todos despedindo-se da "mãezona" Houve a necessidade de alugar-se um carro à parte e a mais, por causa de tantas e tantas homenagens de coroas de flores. Mamãe, nós te amamos!

E agora, primeira noite definitiva, sem a expectativa de alguma ligação do hospital (até desligamos os telefones, para descansar), sem a esperança de vê-la sentar-se no seu "trono" da sala, sem aguardá-la para comprar as frutas que gostava, sem arrumar sua cama confortavelmente, para que dormisse, sem ligar o rádio na REDE MELODIA, sua rádio querida do coração, sem dar corda no seu relógio despertador quebrado, que ela mantinha funcionando, mesmo sabendo que não tinha mais ponteiros (e quando ameacei jogá-lo, ela disse: deixa ele funcionar, tadinho), cá estou, pensando alto, com os dedos, no teclado do computador, sabendo que o e-mail já está a terminar e, que depois, ao desligar a máquina, só sobrará um vazio, um vazio do tamanho de minha mamãe! Que saudades da senhora, mamãe Elzira! Como irei conviver com sua ausência?

Pedi licença da igreja e estou pedindo licença aos amigos e irmãos também. Meu irmão e eu nos ausentaremos por uns dias. Não sei para onde vou, o que vou fazer, mas sei que não posso ficar aqui. Tudo me lembra a mamãe, e as emoções estão frescas, à flor da pele. A Milú, coitada, está arrasada, porque foi ela quem cuidou de minha mãe como perfeita enfermeira, e convive conosco desde 1982. Ela está a sofrer barbaridades. A Izamara, secretária da igreja, esteve conosco, está conosco e não arredou o pé, sendo de uma gentileza e prestatividade à toda prova, e certamente o Senhor a recompensará muito pelo que fez, e nós também.

Não sei quantas centenas de telefonemas que Daniel e eu recebemos, mas certamente ultrapassaram os 500. Os e-mails que continuam a chegar, passaram dos 1000. E eu agradeço por todos eles. Os responderei a todos, mas, com o tempo, quando voltar, porque, agora, não tenho cabeça para nada. Sei que vou me dedicar a Deus em dobro, porque esse é o caminho e também essa era a vontade de minha mãe. Quero viajar para pregar o evangelho aonde Deus me chamar, e aguardarei o que Deus terá à minha frente. Quero casar-me e ter os meus filhos, e lhes dizer o quanto fui abençoado, com a mãe que Deus me deu. E quero testemunhar a todos: o Senhor é fiel, o Senhor é sábio, o Senhor é misericordioso. Hoje eu não sinto ter sido atendido em minha oração, mas eu sei que fui, e o que mais importa é o que eu sei, mediante a Bíblia, do que o que eu sinto, em meu coração; pois a bíblia é eterna, e as minhas emoções são passageiras, e não sou guiado pelas emoções, mas pela Palavra de Deus.

Continuem a escrever. Estou recebendo as mensagens, vou guardá-las com amor e carinho, meu irmão também, e vou respondê-las. Só esperem uma semana e pouco, para que voltemos a reconstruir a vida.

Um abraço.

Wagner Antonio de Araújo
Igreja Batista Boas Novas de Osasco, SP
bnovas@uol.com.br
www.uniaonet.com/bnovas.htm
(atenção: este texto é de 7 de dezembro de 2005, não é atual)

sábado, 4 de maio de 2013

memórias literárias - 77 - UNIDADE NA DIVERSIDADE ... (texto fictício)


 77 - SERMÃO: UNIDADE NA DIVERSIDADE...
(texto fictício)
Amados irmãos
Hoje quero falar sobre o assunto UNIDADE NA DIVERSIDADE
A base da minha meditação é o texto bíblico de João 17: "que todos sejam um ... para que saibam que tu me enviaste".
INTRODUÇÃO
Não há manifestação mais bela ou mais linda do Reino de Deus do que a UNIDADE DO CORPO DE CRISTO. Sim, unidade não significa IGUALDADE. Somos parte de um corpo, cada um de nós exerce o papel de membro desse organismo. Diferentes, mas necessários. Que maravilhosa é a unidade do povo de Deus!
I - UNIDADE ACIMA DA FÉ
Como cristãos somos originários de várias ramificações eclesiásticas. Alguns crêem na Trindade, outros não. Alguns crêem no Inferno e no Céu, outros não. Alguns crêem em línguas estranhas, cura, profecia e revelações, outros não. Alguns crêem que Jesus é Deus, outros não. O que importa a fé quando a unidade é que expressa a verdadeira manifestação do Reino?
Jesus disse: "que todos sejam um". Todos inclui a todos, não deixa ninguém para fora. Por isso os cristãos devem celebrar e bendizer a Deus pela unidade que possuem em Cristo. Não importa a fé que tenham, não importa as interpretações que dêem aos textos bíblicos, não importa a linha teológica que sigam. O importante é que manifestemos UNIDADE em amor, unidade em serviço, unidade em celebração. Aleluia!
II - UNIDADE ACIMA DA BÍBLIA
"para que saibam que tu me enviaste". Se há algo desgastante no meio do cristianismo é tentar provar a fé nas Escrituras Sagradas. Sim, elas são importantes, mas a unidade é mais importante do que a Bíblia.
Se para ter unidade, harmonia, eu tiver que entender o meu irmão que crê diferentemente de mim, amém! Se eu tiver que suportar conceitos com os quais eu não concorde, amém! Isso é prova de maturidade e prova de que não somos donos da verdade. A Bíblia é importante, mas a unidade é muito mais! E afinal, quem garante que realmente a Bíblia é a verdade?
Por essa unidade eu posso tomar a Ceia do Senhor com católicos e com pentecostais. Posso louvar com adventistas e com mórmons. Posso anunciar o Reino com as Testemunhas de Jeová ou celebrar o amor com os Meninos de Deus. E todos se amarão profundamente, pois o propósito de Cristo no mundo foi unir, "para que todos sejam um".
III - UNIDADE ACIMA DA CONSCIÊNCIA
Geralmente há um quê dentro de nós que custa a unir-se com os demais. Essa voz interior é o PRECONCEITO, é a famigerada herança cultural que nos foi transmitida pelos missionários pioneiros, ignorantes da verdadeira motivação do Reino de Deus. Essa voz nos faz sentir mal com pastores gays, com grupos radicais, com ministério pastoral feminino, com um cristianismo livre e solto, sem preconceitos.
Então temos que dizer à nossa consciência: Cristo é maior do que você, consciência; cale-se e una-se em Cristo! Ah, isso nos fará experimentar "a liberdade com que Cristo nos chamou!" Que coisa bela é poder eliminar de dentro de cada coração o nojo, o preconceito, o sentimento de superioridade, o moralismo, a bobagem da santificação física ou mental. Precisamos nos abrir para o novo mover de Deus, o mover da unidade! Onde há o Espírito de Cristo ali há liberdade!
CONCLUSÃO
Chegou a hora de darmos a mão! Batistas de todas as tradições e preconceitos, com católicos e pentecostais de todas as vertentes. Presbiterianos com metodistas, Mesa Branca com Kardecismo, Fundamentalistas com igrejas unidas! É preciso unir, lançar fora as diferenças, gritar para que o mundo incrédulo escute: JUNTOS SOMOS MAIS! Com isso os não-cristãos verão que somos a maior força do universo e verão Deus em nós!
Na unidade em Cristo mostraremos Deus ao mundo. Tradicionais, pentecostais, fundamentalistas, católicos, espíritas, gays e congêneres, todos devem celebrar em toda a parte a unidade que temos no Senhor Jesus Cristo.
E viva a unidade!
Pastor Rolando Caio da Rocha
Congresso de doutorado em teologia inclusiva do
Centro Acadêmico Trinta de Fevereiro, São Paulo, Brasil,
31 de abril de 2013
(???)
Não. Não enlouqueci. O mundo enlouqueceu. Os nossos líderes teológicos estão produzindo este sermão.
Não se espantem se um sermão desses aparecer em breve em nossas mídias. Ele está sendo esboçado nas nossas convenções, em nossos congressos, nos blogs livres e escancarados, nos ministérios independentes sem compromisso histórico e na vulgarização do termo "cristão" e "evangélico".
Obs: Esse texto é fictício, é falso.
Wagner Antonio de Araújo

quinta-feira, 2 de maio de 2013

memórias literárias - 76 - UM VELHINHO, UM VIOLÃO

76 - UM VELHINHO, UM VIOLÃO


Mais uma daquelas tardes geladas do outono paulista, onde o vento empurra nuvens cintilantes de extrema altura, e move os cabelos das lindas morenas da cor de Madalena.

E eu,
ansioso,
cansado,
desesperado,
animado, saio correndo pelos shoppings da cidade,
procurando,
caçando,
garimpando,
observando,
preparando minha viagem.

E eu,
atrasado,
suado,
esquecido,
esfomeado,
estonteado,
consigo comprar o que o pouco dinheiro permite,
e decido correr,
ir em frente,
subir,
navegar,
acelerar,
buscar o que me falta na avenida que tem a cara de cada paulistano, de cada um dos incansáveis trabalhadores que se saúdam com um corrido "estou com pressa, a gente vai se falando".

E eu,
inconformado,
enfurecido,
nervoso,
afoito,
procuro um estacionamento para o meu velho astra descansar. Deixo o carro nas mãos incansáveis dos operários da comodidade,
enquanto ando,
corro,
paro,
ouço,
olho,
tremo, ambientado com os sons da minha cidade:
carros freando,
buzinando,
motoristas berrando,
xingando, pedestres discutindo,
atravessando,
correndo,
pulando.

E eu,
curioso,
admirado,
estupefato,
impressionado, sinto algo diferente em plena tarde de correria e multidão.
O que seria?
Um gás?
Uma luz?
Um perfume?
Um odor? Procurei por todos os lados.

Parei no meio da multidão
e olhei
para cima,
para a direita, rumo ao Paraíso,
para a esquerda, caminho da Consolação,
para frente, de fronte à Nove de Julho,
para trás, do lado do Ibirapuera.

E eu, impressionado, encontrei o que buscava:
um idoso,
com uma caixa de som,
com três pequeninos autofalantes,
sentado numa cadeira, exibindo aos transeuntes um cd, desses que se vendem em cada esquina.

Mais um pirata urbano.

Mas, aquele aroma,
aquela fragrância,
aquele som, estava acalmando quem passava;
trazia à memória um pouco da ternura perdida nas buzinas,
um pouco da poesia desaparecida no trânsito,
aquele som estava medicando o estresse de quem ouvia.

E eu, como sempre, buscando descobrir novas coisas, mesmo atrasado, cheio de coisas a fazer, parei para ouvir.

E que som mavioso,
que música encantadora,
que lenitivo,
que tranqüilizante!

- Boa tarde, senhor. Que cd de violão é esse? O senhor que toca?

- Não, mas é alguém que amo muito: meu filho Diógenes.

Seus olhos vermelhos e cansados brilharam ao falar do filho. E, como sou eternamente sensível à paternidade, parei, olhei e senti.
Que orgulho,
que respeito,
que honra,
que felicidade!
Ter um filho artista,
arteiro,
artesão,
ator,
 doutor,
tocador!

Descobri que o Sr. Gérson estava a vender os CDs do filho.

Pensei que seria uma coisa banal,
comum,
sem qualidade,
de um pobre artista sem público,
sem beleza,
sem futuro.

Confesso que comprei. E comprei pelo brilho no olhar do Sr. Gérson. Mas também pelo bem que me fez na estressante tarde paulistana, um dia antes de zarpar para meu destino lusitano.

Ah, como me enganei!

Eu,
enganado,
ludibriado pela desconfiança,
cheio de preconceitos contra o cd do Sr. Gérson,
descobri uma verdadeira e legítima obra de arte, algo digno das mais requintadas platéias e apto a rodar nas rádios mais importantes da cultura brasileira.

Uma pepita de ouro,
um diamante,
uma luz em meio às trevas artísticas.

Então eu,
cheio,
repleto,
transbordando,
desesperadamente coloquei-me a escrever esta crônica urbana,
e encaixei um pedacinho da música que me curou nesta tarde, curou-me do vício de esquecer-me que, acima de tudo, há uma paz que emana da alma em harmonia, que se deixa envolver pela doce e maravilhosa melodia da vida, e permite-se voar como um pássaro no céu azul da existência.

Quanto mais se essa alma já souber seu destino e paradeiro,
quanto mais se seu porto for certo e garantido,
se tiver a alegria de voar aos céus,
não o azul do outono paulista,
mas cintilante, do Reino de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Apenas uma tarde.
Um velhinho.
Um violão.
A Avenida Paulista.
E uma criança encantada!

São Paulo, capital, tarde fria de outono, maio, 9, 2006
Wagner Antonio de Araújo

memórias literárias - 75 - DE VOLTA À SALA


75 - DE VOLTA À SALA
October  11   2006
DE VOLTA À SALA


Filho meu, ouve a instrução de teu pai, e não deixes o ensinamento de tua mãe. (Pv 1:8)



Imaginemos como era uma família, às oito da noite, no início dos anos vinte. A mãe tecia ou bordava na sala, ou então preparava quitutes no fogão à lenha. O pai, com um livro à mão, desfrutava de uma leitura, ou, tomando o violão, cantava mil toadas,  com seus filhos atentos, encantados. Quando a noite era quente, saíam para a varanda, ou para a calçada, sentando-se no banco ou nas escadas da varanda. As crianças brincavam de bicicleta, patinete, bolas de gude ou tômbula, enquanto as meninas divertiam-se com suas bonecas ou brincadeiras de roda. Os compadres e comadres, os vizinhos, reuniam-se para cantar ou contar “causos”, e assim a família vivia em paz. As notícias vinham dos jornais, pois não havia rádio nem tv. Geralmente uma moça sabia tocar piano, e não era raro trazer-se para casa “a última canção de Zequinha de Abreu”. Nove horas, era hora da criançada ir para a cama. E às dez os adultos também iam dormir. O dia começava cedo, mas esses momentos em família nunca eram esquecidos.


Hoje, uma família, século vinte e um. O garoto está no playstation, jogando o último "game"  da Nintendo. Nos ouvidos, um fone para ouvir seu MP3. A garota, com o celular e a câmera ligados, ouvindo as últimas fofocas e descobrindo a última moda das “patricinhas” ou "hit" do RDB. A esposa ainda não chegou do trabalho; ela ainda passaria na creche, para pegar o bebê. O marido tomou seu banho e foi para a sala assistir ao jogo do seu time, na TV à cabo. Talvez à meia-noite todos estejam em casa, mas só se comunicarão via “geladeira”, nos múltiplos recados deixados embaixo dos ímãs sobre a porta. “A comida está no microondas”, “amanhã tenho prova, vou chegar tarde”, “a conta de luz aumentou, precisamos dar um jeito”, “vou levar o bebê para a vacina amanhã”, "você trocou de celular?", etc.

Os meios de comunicação instantâneos transformaram a sociedade. Hoje nos comunicamos mais com quem está fora, do que com quem mora conosco. Somos mais íntimos do ator da novela das oito que de nosso pai, esposa ou filhos. Conhecemos melhor as preferências do dono da Microsoft do que o caráter e o temperamento do próprio filho. Acredito que muitos de nós são grandes estranhos, morando na mesma casa, mesmo tendo o mesmo sangue nas veias.

Precisamos voltar à sala. Famílias cristãs devem se reencontrar junto de si. Acredito que está na hora de desligarmos um pouco a TV e outras parafernalhas eletrônicas, e retomarmos nosso contato com a família, no horário nobre. Aliás, a maior nobreza de um horário é que ele é nosso, da família. Precisamos resgatá-lo. Precisamos nos ouvir, nos falar, precisamos voltar a ser pais, a ser mães, a nos sentirmos filhos, a sermos aconselhados, a recebermos limites, amor e atenção. Precisamos voltar a cantar e a tocar sem um cd ou um mp3. Precisamos rir e chorar, dar e pedir, exortar e admoestar, em família. Precisamos voltar à sala do século passado. Nossa família ficou por lá, e  seu resgate é fundamental. Se resgatarmos a família, resgataremos o nosso futuro, o nosso país e o nosso mundo.

Então voltaremos a ouvir a nossa mãe, ouvir o nosso pai, conviver com nossos irmãos, decidir a vida em família, e teremos Deus do nosso lado. Foi Ele quem idealizou a família, e até hoje não decidiu dissolvê-la. Resgatemos essa bênção!

Wagner Antonio de Araújo
Igreja Batista Boas Novas de Osasco, SP
www.uniaonet.com/bnovas.htm
bnovas@uol.com.br 

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