terça-feira, 24 de setembro de 2019

memórias literárias - 805 - LÁGRIMAS DE UM PASTOR

LÁGRIMAS DE
UM
PASTOR
 
Ele estava ali, agachado, com a mão no rosto a chorar, enquanto com a outra segurava o cajado. Chorava baixinho, mas chorava sentido. Suas lágrimas quentes caíam no solo, enquanto as ovelhas pastavam à beira do lago e os cães corriam ao redor para assegurá-las sem dispersão.
 
- Amigo, o que houve? Por que chora?
 
Ele chorou mais um pouquinho, enxugou as lágrimas e disse:
 
- Choro a ovelha que morreu ontem. Tão querida ela me era!
 
Eu olhei o seu rebanho; havia tantas! Para mim eram todas iguais: todas peludas, cheias de lã, saltitantes, barulhentas, comilonas.
 
- Mas o senhor tem tantas! Por que chora por uma que morreu? Estou vendo tantas pequeninas, outras prenhas, não terá um prejuízo muito grande.
 
Ele olhou-me com sentimentos e disse:
 
- Eu não cuido do meu rebanho como se fosse gado de corte. Eu as conheço uma por uma. E são insubstituíveis. Aquela ovelha eu a vi nascer. Eu a acompanhei por anos. Ela era tão especial!
 
Pensei um pouco e disse:
 
- Mas o que uma ovelha tem de tão especial que não possa ser substituída?
 
- Eu as amo. Por isso são especiais.
 
Aquilo chocou-me. O amor que esse pastor tinha pela ovelha fazia toda a diferença. Não importava se outras dezenas tivessem um porte físico similar, se eram praticamente iguais. O amor não generaliza; o amor identifica. E para quem ama ninguém pode ser substituído. Aos olhos daquele pastor cada ovelha era especial.
 
Falei para ele:
 
- Perdoe-me por ter sido insensível. Eu lamento a sua perda.
 
Saí dali bastante afetado no meu interior. Eu, pastor também, mas de gente, de um rebanho que não era meu, mas de Cristo, talvez tenha aprendido mais sobre o pastorado com aquelas lágrimas  e carinho do que com inúmeros compêndios teóricos sobre ministério. Ser pastor é saber amar, é acompanhar. E sentir falta quando se vai.
 
Espero ser um pastor melhor. E amar as ovelhas do Senhor sob meus cuidados.
 
Wagner Antonio de Araújo

 

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

memórias literárias - 804 - FOTOS VELHAS...

FOTOS
VELHAS...
 
804
 
Estou revendo antigas fotografias, antigas convenções e cultos dos quais participei. Deparo-me com um pastor barbudo, que era muito querido entre a juventude. Eu sempre o considerei um tanto polêmico, com alguns mistérios nas entrelinhas, mas nada que turbasse a admiração. Procuro-o hoje, para ver se está vivo e o que faz. Que decepção! Virou adepto de uma seita, anda como um mendigo e vive como um magnata, prega o amor livre e mantém uma vida familiar para lá de duvidosa...
 
Vejo outro. Um grande tradutor de livros teológicos, muito popular para palestras e intérprete de americanos e europeus quando aqui vinham. Um erudito extremamente capaz. Vou pelo mesmo caminho. Procuro-o pelas redes sociais. Encontro-o. Faço uma pesquisa em suas publicações. Não é mais o mesmo homem. Sua temática é política, ataques à sociedade, crítica à teologia que ele mesmo ajudou a fomentar e a traduzir. Ouço-o. Nem de longe lembra aquele teólogo, quiçá o erudito conservador de velhos tempos. Nem congrega mais em qualquer igreja.
 
Vou mais longe um pouquinho. Estou sentado ao lado de uma irmã em Cristo. Era tão prestativa, tão meiga, tão operosa no meio denominacional do qual participo. Vou em busca de sua pessoa. Encontro-a militante feminista e defensora das lésbicas e da depravação moral. O evangelho inclusivo e sem pecado. Uma lágrima triste resolve escorrer de meus olhos. Na mente a questão: "O que aconteceu com o nosso povo, Senhor?"
 
E eu? Será que mudei? Prego desde os 14 anos, pastoreio na prática desde os 22 anos. Escrevo desde os 15 anos e já caminhei léguas pelas páginas da minha própria biografia. Será que mudei? Será que voltei atrás na fé que alegava ter? Será que mudei os meus conceitos, como tantos afirmam ser progresso, evolução, crescimento? Será que o Wagner de 1980 é o mesmo Wagner de 2019?
 
Fisicamente não, pois eu envelheci. Beleza física nunca tive. Talvez mais saudável, uma vez que o Senhor curou o meu problema cardíaco. Sou um homem de família, com esposa, dois filhos e um que chegará em março do ano que vem, se Deus permitir. Mas e o meu eu interior? E a minha fé? E a minha teologia? E a minha liturgia? E os meus conceitos de vida, de eternidade, de fé, de visão de mundo? Terei mudado?
 
Eu tenho que reconhecer: eu continuo o mesmo rapaz que recebeu a Cristo como Salvador em 1980. Quando entrei no culto da Igreja Batista em Sumarezinho, SP, eu era um. Quando saí eu me tornara outro, e esse outro manteve-se pelos anos. Errei muito, acertei algumas vezes, li e estudei muito, mas a base de minha fé, de meus conceitos teológicos, de minha liturgia de culto e de minha esperança escatológica continua intacta, imutável, perpétua. Será que não evoluí?
 
À luz daqueles que "evoluíram", eu confesso que prefiro ser primitivo como sou. Quando o Senhor me chamou as igrejas mantinham uma identidade, uma teologia, um jeito de adorar a Deus, um código de ética social entre os crentes. Naquele tempo adultério era pecado e recasamento não existia. Naquele tempo não existia evangelho inclusivo, mas disciplina contra quem renegava a própria fé cristã. No meu tempo culto não era balada e nem programa de auditório. Também não havia gente que militava no Reino de Deus e no reino do mundo. O preço era muito caro para ser um cristão. Era preciso força e coragem para assumir a própria fé.
 
Hoje as coisas estão diferentes. O suicídio tem se tornado moda entre pastores. O pecado é apenas algo que não nos faz bem e que deve ser dominado a bem do nosso bem estar. No altar de Deus não nos encontramos, sacrificando a vida pelo Senhor. Pelo contrário, sacrificamos a Deus pela nossa felicidade em várias esferas da vida. Não é mais o "Assim diz o Senhor", mas "Assim penso eu". E igreja tornou-se aglomerado de gente que procura diversão religiosa barata, comodidade e palco para o seu próprio show. Graças a Deus há exceções, há quem não tenha se corrompido e umas poucas igrejas que não "evoluíram". Mas no geral esse é o nosso tempo.
 
Bem, acho que minhas fotos continuam a ser apenas fotos velhas, lembranças de um tempo que se foi...
 
Uma grande pena...
 
 
Wagner Antonio de Araújo

 

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

memórias literárias - 803 - 54 ANOS DE IDADE

54 ANOS
DE IDADE

Ângelo, Regina, Papai Antonio e Mamãe Elzira. Eu no colo. 1965
 
803
 
Ao completar 54 anos de idade volto o meu olhar para o alto, buscando a face do meu Deus, o Altíssimo, aquele que por Sua graça e vontade permitiu a minha concepção, geração, nascimento, sobrevivência, desenvolvimento e maturidade. Bendito seja o Seu Santo Nome!
 
Volto o meu olhar para trás e vejo Elzira Bonfante, minha saudosa mãe, a conceber de meu pai, o também saudoso Antonio Paulino de Araújo, recebendo o primogênito da família em seus braços naquele 03 de setembro de 1965.
 
Olho para os lados e vejo cada experiência que me foi permitida por Deus desde a minha infância. Relembro as escolas onde estudei, as professoras que tive, os trabalhos através dos quais obtive o meu sustento, as oportunidades de progresso pelos vários cursos que fiz.
 
Olho também para dentro e vejo uma alma libertada do poder do pecado e da condenação eterna; aleluia! Lembro-me da sede que tinha de um encontro com Deus e da oportunidade de conhecê-Lo, quando fui evangelizado pelo Pr. Timofei Diacov. Dia glorioso aquele 23 de fevereiro de 1980, quando nasci de novo para uma nova vida. Vejo n'alma a estampa de meu chamado pastoral, desenvolvido ao longo das décadas; lembro-me de cada igreja que pastoreei, cada ministério que exerci, cada local onde evangelizei, cada púlpito que utilizei, cada viagem que fiz. Bendigo ao Senhor por não ter jamais deixado de segui-Lo desde que O conheci.
 
Olho para o lar e vejo o fruto da graça divina, a dádiva da minha família: uma esposa primorosa, fiel e repleta de virtudes; uma filha maravilhosa e inteligente, um filho cheio de vida e de personalidade, e mais um filho gerado e concebido, esperado para março de 2020. Vejo a minha irmã adotiva que auxilia nos cuidados dos pequenos e bendigo a Deus pela dádiva de um lar cristão. Glorifico a Deus pelo meu irmão que também constituiu família e tem a sua prole.
 
Como não ser grato? Como não contar as bênçãos? Como ignorar a graça do Senhor? Dentre milhões de possibilidades de outros seres nascidos em meu lugar naquele ventre, Deus fez com que eu fosse criado. Sou grato pelo dom da vida!
 
Olho para a frente e vejo o Céu, o lugar de delícias indescritíveis, para onde minha mãe, meu pai, meu pastor e tantos outros queridos já foram. Vejo a morte como um encontro inevitável, exceto se o arrebatamento chegar antes; mas vejo que ela não será o fim da linha. Pelo contrário, será o portal para a mais produtiva e gloriosa realidade, jamais contada ao mortal. Lá me espera Jesus, o meu Salvador. Lá encontrarei os meus queridos. Lá eu estarei feliz e realizado para sempre, à serviço do Senhor, sem morte, sem doenças, sem saudades, sem necessidades.
 
Obrigado, Senhor, pela bênção dos cinquenta e quatro anos que já se passaram. Permita que eu não viva nem um dia a mais do que planejaste, e nem um dia a menos também. Que eu viva o dia de hoje como se Cristo voltasse amanhã. E que o Senhor faça de mim a cada dia um instrumento de Tua paz para a salvação dos que me cercam, quando dos meus lábios, dos meus textos, das minhas visitas, das pregações que fizer, ouçam à respeito de Jesus e do Seu amor incomensurável. Que eu cumpra o Teu chamado cabalmente, não esmorecendo, não desistindo, não me distraindo. Que enquanto houver vida e saúde, enquanto eu tiver condições, que eu pregue, escreva, declame, cante, visite, atenda, ensine, ore, toque e faça tudo quanto me vier às mãos, não por mim, mas por Tua graça.
 
Que assim seja.
 
Amém.
 
Wagner Antonio de Araújo,
nascido em 03/09/1965,
a completar hoje,
03/09/2019,

às 4:30 hs da madrugada, 54 anos de existê

memórias literárias - 1477 - CHORA, Ó RAQUEL...

  CHORA, Ó RAQUEL...   1477   Quando o Senhor Jesus Cristo fez-Se homem, nascendo do ventre de Maria, Herodes o Grande desejou matá-Lo...