sábado, 29 de fevereiro de 2020

memórias literárias - 851 - O CARNAVAL CONTINUA

O
CARNAVAL
CONTINUA
 
851
 
Não bastaram os dias fétidos e malditos do feriado de Carnaval, onde os brasileiros de norte a sul, de leste a oeste, ofenderam a santidade de Deus. Não bastaram apenas os pagãos e os religiosos falsos a cair no pecado; também os cristãos sincretistas e os evangélicos lotaram as avenidas, contando com a apologia de seus pastores famosos, sucessores das denominações herdadas de uma geração que as edificou a preço de fidelidade, santidade e sangue. A imundice esteve em toda parte: nas igrejas, nas avenidas, nas mídias sociais, nos bailes restritos, na permissividade dos crentes, nos políticos, em todo o país. Pastores famosos fazem a apologia da festa, do baile, do samba, da alegria, da bebida e dos relacionamentos fora do casamento.
 
Apesar de tudo isso, ainda não estão satisfeitos. Hoje, sábado, e amanhã, domingo subsequente, foi reservado para os blocos carnavalescos, animados pelos espertos cantores e cantoras da prostituição continuarem com a sua festa de Babilônia, de Sodoma, com os bacanais romanos e as suas vertentes. Em São Paulo 800 mil pessoas suaram e trocaram todo tipo de relações no Ibirapuera. Amanhã haverá continuidade. Enquanto o vírus letal da doença surgida na China e esparramada pelo mundo estraçalha a indústria, o comércio, a renda, os empregos, a establidade econômica, este país tropical continua a sambar e a se prostituir livremente com o doce sorrir dos seus líderes e mestres religiosos, com a cobertura de toda a imprensa e da mídia em geral. 
 
O juízo divino será bem caro contra esta nação. Estamos acostumados a prometer e a não cumprir: prometemos que iremos nos reconciliar, nos retratar, e não o fazemos. Prometemos que iremos pagar as nossas dívidas e não as pagamos. Prometemos que faremos isto ou aquilo e não o fazemos. E não há qualquer trauma de consciência. Assim, diante da nova geração, projetamos um comportamento endêmico e genérico, criando a crença de que a vida é uma grande mentira, onde alguns mentem antes e outros mentem depois. E lançamos isso no rosto de Deus, dizendo que Ele também não irá cumprir as suas ameaças, que no fim tudo vai terminar em pizza, isto é, em carnaval celestial.
 
Ledo engano!
 
Não erreis: Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará. (Gl 6:7)
 
Aos que se dão à prostituição, e aos adúlteros, Deus os julgará. (Hb 13:4)
 
 
Perante a face do Senhor, porque vem a julgar a terra; com justiça julgará o mundo, e o povo com eqüidade (Sl 98:9)
 
Dizendo com grande voz: Temei a Deus, e dai-lhe glória; porque é vinda a hora do seu juízo. E adorai aquele que fez o céu, e a terra, e o mar, e as fontes das águas. (Ap 14:7)
 
Roma dos tempos bíblicos sentia-se imbatível e inquebrável. Mas o seu império esfacelou-se. As civilizações têm o seu apogeu e a sua queda, e inexoravelmente acabam por dar lugar à luxúria e ao pecado. E este país clama pelo juízo divino. As igrejas mundanas e pagãs, com o nome de evangélicas, bíblicas ou protestantes, último reduto da integridade da pregação bíblica, abandonam o seu primeiro estado de consagração e caem no samba e na permissividade. Eis que a mão de Deus virá sobre elas e sorverão cada gota da condenação divina.
 
Lembra-te, pois, de onde caíste, e arrepende-te, e pratica as primeiras obras; quando não, brevemente a ti virei, e tirarei do seu lugar o teu castiçal, se não te arrependeres. (Ap 2:5)
 
Chegará o dia em que os cristãos fiéis não encontrarão igrejas onde servir a Deus, pois a sua fidelidade ao Senhor será considerada pecado e ofensa às doutrinas e às práticas locais. Nesse dia as igrejas do Senhor voltarão às casas, à clandestinidade e a serem discípulos nos lares. Eu espero sinceramente que os pastores guiados pelo Espírito Santo resistam e mantenham as rédeas de suas prédicas à luz da Palavra de Deus. Infelizmente há uma profecia para os próximos dias:
 
Porque virá tempo em que não suportarão a sã doutrina; mas, tendo comichão nos ouvidos, amontoarão para si doutores conforme as suas próprias concupiscências; (2Tm 4:3)
 
TENHA MISERICÓRDIA DO BRASIL E DOS TEUS DISCÍPULOS FIÉIS, SENHOR JESUS!
 
Wagner Antonio de Araújo

 

memórias literárias - 850 - NÃO RISQUE!

NÃO
RISQUE!
 
850
 
Cláudio juntara todos os seus recursos, entrara num grande financiamento, mas conseguira realizar o seu sonho: comprar uma FERRARI, esse carro caríssimo e famoso, um luxo entre os luxos dos humanos deste tempo. O mais moderno, o mais brilhante, o mais bonito!
 
Levou-o para casa com toda pompa. Filmou, fotografou, exibiu. Deu uma volta com a família, experimentou, sentiu-se maravilhosamente rico. Afinal era uma FERRARI, uma peça única, algo que só ele possuia.
 
Ligaram para ele. Ofereceram um serviço de adesivos. Ele poderia colocar lindos ursinhos de pelúcia por toda a lataria, homenageando os seus filhos pequeninos. Ou então escrever em letras góticas o nome de seus familiares. Ou então colocar a marca do seu time de futebol. Além disto poderia também colocar em sua lataria os símbolos cristãos; afinal, seria grato a Deus, que lhe concedera tão belo veículo.
 
Ele, irritadíssimo, rejeitou todos esses oferecimentos. E ralhou com os vendedores que não paravam de infernizá-lo.
 
- Vocês estão loucos? Esta é uma FERRARI! Não é um carro comum, não é um mero veículo, é um patrimônio, algo mais valioso do que tudo o que já tive! Eu não quero tirar nada de seu design original. Afinal, quem é que compra uma FERRARI para desestilizá-la? Ela é única! Foi feita assim e assim deverá ficar!
 
Foi quando acordou. Ele estava a sonhar. Despertado, voltou à sua realidade: casa simples, singela, família de quatro pessoas, emprego que lhe garantia apenas a subsistência e uma fé cristã regularmente vivida. Pensou:
 
- Por que teria sonhado com isso? Eu nunca quis uma FERRARI! Não tenho essas ambições!
 
Tomou o seu banho e lembrou-se: tinha sessão marcada para tatuar o seu peito e braço com o nome de seus filhos e com a frase DEUS É FIEL. O tatuador era crente e ele achou que estaria a fazer algo muito interessante. Afinal, nos dias atuais, os cristãos se tatuam e colocam piercing em toda parte, inclusive pastores.
 
Mas, ao pegar o protocolo de pagamento com o horário, começou a pensar no sonho.
 
- Eu não tenho uma FERRARI. Se tivesse não deixaria que fizessem qualquer marca em sua lataria. E se o meu corpo fosse uma FERRARI, única e exclusiva, que ganhei ao nascer?
 
Tomou a sua bíblia e fez uma consulta rápida sobre CORPO e tatuagem.
 
Achou isso aqui:
 
Ou não sabeis que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos? (1Co 6:19)
 
Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. (Rm 12:1)
 
Pelos mortos não dareis golpes na vossa carne; nem fareis marca alguma sobre vós. Eu sou o SENHOR. (Lv 19:28)
 
Perplexo diante da analogia com o seu sonho concluiu:
 
- O meu corpo é tão exclusivo e único quanto o carro com o qual sonhei. Deus deu-me este corpo e se O quisesse diferente tê-lo-ia feito de outra forma. Ele ficou satisfeito comigo do jeito que eu sou. Não vou sujá-lo com tinta e nem furá-lo com marcas, tanto quanto não faria isso se tivesse um carro caríssimo e exclusivo. Não vou mais me tatuar.
 
Jogou fora o protocolo e saiu feliz da vida, cônscio de que o seu corpo já era completo e exclusivo. Ele deu graças a Deus.
 
Wagner Antonio de Araújo
 

obs: a idéia do carro surgiu de um comentário lido numa crítica contra um pastor tatuado.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

memórias literárias - 849 - ONDE ESTAMOS?

ONDE
ESTAMOS?
 
849
 
Laboratório de exames clínicos. Estou com a minha esposa, prestes a ter bebê. Há exames urgentes a fazer. Estamos com pouco tempo, pois há o rodízio de automóveis e é o nosso dia. Além disso a nossa filha Rute sairá dentro de duas horas da escolinha. Somos encaminhados para uma sala cheia de gente. Eles aguardam pelo exame.
 
Olho para as pessoas. Há meia dúzia de crianças, umas quinze mulheres, uns dez homens. Uma tevê ligada num programa de auditório do canal mais popular do país, com as futilidades e vulgaridades típicas. Mas ninguém assiste. Estão todos com um celular na mão. As crianças olham e apertam o ecrã nos joguinhos carregados. Os adultos assistem vídeos. As mulheres conversam pelos aplicativos. Outros digitam avidamente textos com quem está do outro lado. Alguns estão com fones de ouvido, fora da realidade.
 
Fora da realidade estavam quase todos. Estavam de corpo presente e de mente ausente. Uma porção de zumbis alienados, presentes num lugar e com as mentes a vagar no mundo etéreo virtual. Eu pensei algumas coisas.
 
1) Ninguém se olha. As pessoas sentam-se nas cadeiras e sequer pedem licença a quem está ao lado. Para elas os outros inexistem. Acredito que nem elas existem para si, pois o mundo está dentro desta caixinha alucinante. Se pudessem mergulhariam na tela do celular.
 
2) Ninguém se escuta. Eles ouvem o que sai do celular. Eles ouvem os fones de ouvidos. Eles não ouvem a voz do próximo, eles não se conversam. Eles sequer atentam para quem está do lado. Por isso o som da senha chamada é gritante, para chamar a atenção dos zumbis que aguardam os exames.
 
3) Ninguém se ama. As pessoas não estão sensíveis às necessidades do próximo ou as dores alheias. Para elas o que importa é suprirem a necessidade própria e sairem para as suas vidas sem sentido. Parafraseando Vandré, elas aprendem a força da comunicação virtual e vivem isoladas e sem razão em seus cérebros alienados.
 
4) Não há mais alternativa. O mundo está exatamente como já previa aquele filme "1984" onde o "Grande Irmão" (Big Brother) estava a vigiar a todos até nos banheiros. Só há uma diferença: lá era obrigatório; aqui é voluntário. E as próprias pessoas iniciam os seus filhos nos celulares. Um menino que não contava mais de dois anos ficou mais de quinze minutos fissurado num celular que os pais lhe deram enquanto navegavam pelo google! O que poderia acontecer para mudar isso? Uma explosão termonuclear que colocasse fim a todas as conexões eletrônicas e encerrasse todo contato virtual? Isso é improvável. A tendência é piorar muito, a ponto de ninguém ser capaz de sobreviver neste mundo sem uma caixinha maldita destas, que será a chave para se comprar ou vender, para ser alguém ou ser inexistente. Um 666 real que cresce a passos largos.
 
Sinto saudades do meu tempo de criança. Sinto saudades das pessoas. Sinto saudades dos telefonemas dos amigos. Sinto saudades das cartas pelo correio. Sinto saudades dos almoços e cafés com parentes. Sinto saudades de viajar para encontrar a quem se ama.
 
Tempos solitários...
 
Wagner Antonio de Araújo

 

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

memórias literárias - 848 - REI MORTO

REI
MORTO
 
848
 
Ele era querido por todos. Há 25 anos presidia a empresa. Contratara inúmeras pessoas necessitadas e dera-lhes um rumo na vida. Muitas tornaram-se prósperas e muito bem sucedidas em suas carreiras. Estendera a ação empresarial por vasta área geográfica, transformando a antes empresa local numa potência nacional. Foram muitos anos de trabalho, de luta, de esforços, de dedicação. Ele estava prestes a aposentar-se.
 
Pelos corredores da empresa começou a verificar um burburinho. As pessoas conversavam e, ao vê-lo chegar, afastavam-se com um sorriso invasivo. Ele não fazia idéia do que se tratava. Verificara também que os filhos do dono, homem que sempre lhe foi leal e que agora falecera, provocando grande comoção nos antigos funcionários, olhavam-no diferente. Nas reuniões operacionais ou com os acionistas eles praticamente eram monossilábicos diante das propostas e das diretrizes apresentadas ou explicadas.
 
No final do mês, enquanto preparava-se para mais uma viagem de campo, recebeu em seu escritório o diretor da área de vendas em domicílio. Este, bastante abatido, disse que dois dos filhos do falecido proprietário estavam no departamento refazendo a agenda de reuniões e reestabelecendo as prioridades da área. Perplexo, sem saber como explicar, ligou para um deles.
 
- Dr. Carlos, pode explicar-me o que ocorreu? É verdade a informação que recebi? Os senhores estavam no departamento refazendo agendas e diretrizes?
 
- Sim, é verdade.
 
- Mas, meu caro, o nosso conselho determinou que as diretrizes e as agendas daquela área fossem organizadas pelo seu atual titular. Por que a mudança?
 
- Caro Boanerges (esse era o nome do nosso velho presidente), aqui nesta empresa nós cuidamos de tudo. Fique na sua!
 
Desligou o telefone. Sentiu o chão sumir diante de seus pés. A empresa consolidada e desenvolvida por ele agora contava com o desejo de aposentá-lo e tirá-lo de cena.
 
Foi só uma questão de tempo. Os filhos do dono deram-lhe a demissão. Indenizaram-no segundo a lei mandava, mas nem um centavo a mais, nem um cartão de "muito obrigado".
 
Não houve festa. Não houve despedida. Aliás, no dia em que juntava os seus pertences para sair, ouviu a música que os donos cantavam com os funcionários: "hoje é um novo dia de um novo tempo". Ele entendeu que era página virada.
 
Encontramo-lo há alguns dias andando pela rua do centro. A dignidade não o abandonou. Seu nome foi apagado das placas, dos relatórios, da vaga do estacionamento e do site da empresa. Cinco pessoas foram contratadas em seu lugar. Outro dia desejou visitar o pátio da firma, mas o guarda que fazia a vigilância e dava acesso à empresa não lhe permitiu entrar. "São as regras, Boanerges. Se cuide, hein?"
 
Rei morto, rei posto.
 
Wagner Antonio de Araújo
 
obs: alguém perguntou: e acabou? Não tem nenhuma aplicação, nenhuma lição a tirar, nenhum conselho a dar?
 
Bem, o texto retrata a vida como ela é. Infelizmente o que escrevi é a realidade de inúmeras pessoas que já contribuíram imensamente em suas áreas de atuação e que foram completamente esquecidas e arrancadas dos anais de memória da própria sociedade construída.
 
Infelizmente isso acontece também nas igrejas cristãs, nos ministérios pastorais, nas congregações que crescem.
 
Dura realidade.
 

Que Deus nos dê forças para encará-la.

domingo, 16 de fevereiro de 2020

memórias literárias - 848 - PRATO FEITO

PRATO
FEITO
 
848
 
"De onde, Senhor, veio este arroz? Tão saboroso, tão bem feito, onde terá sido colhido? Quantas mãos não trabalharam em sua produção, desde a seleção das sementes, o preparo da terra, os arados, a semeadura, os cuidados com as plantas novas, o uso de pesticidas, a mantença do terreno pantanoso ou outro tipo de cuidados, a colheita e o seu armazenamento, a venda da produção, o transporte, o distribuidor, o ensacamento, a colocação no supermercado, quantas mãos e quanto zelo!
 
"Não é diferente pensar nestes feijões tão bem feitos e apetitosos, com os pedaços de linguiça e bacon, com os temperos, o alho, o sal. De que salinas foram tiradas as peças de sal? Em que maquinários passaram? E o bacon, junto com a linguiça, de que porcos vieram? Onde foram criados? Como foram transportados aos frigoríficos? E a cebola aqui derretida? Quantos processos até chegar à mesa!
 
"Esta salada, tão bem temperada, simples, mas tão preciosa! Duas folhas de alface, rodelas de tomate, cebola fatiada, salsinha e cheiro verde distribuídos! Este azeite que encanta, de que oliveiras terão vindo? Seriam de Portugal, da Espanha ou de algum produtor deste país? Quantas noites ao sereno as azeitonas passaram, quantos processos não se seguiram até que o azeite virgem e saboroso não fosse extraído!
 
"Este bife, bem temperado, de que boi ou vaca terá vindo? Será do sertão de Goiás com seus pastos belíssimos ou do Mato Grosso, com suas montanhas fenomenais? Seriam rebanhos mineiros, perto das Altaneiras ou daquelas serranias do sul de Minas? Que tipo de gado seria? Rebanhos holandeses, montana, bonsmara ou utrablack?
 
"Já este copo de suco de laranja, que refrescante, que delícia! Imagino os pomares do estado de São Paulo, beirando as rodovias, aquelas laranjas amarelinhas que, antes de serem frutas, encantaram a todo motorista que trafegou por aqueles locais, com o indescritível perfume da flor da laranjeira! Estes copos simples, de modelo comum, de que areias fizeram a provisão do material de sua composição? Como foram os fornos onde foram forjados?
 
"Eu Te dou graças, Senhor, por esta refeição neste bar da esquina, um prato feito bem barato, comida de trabalho, conquistada com o suor do meu rosto, pela qual, neste momento Te agradeço. Amém. Obrigado pelas cozinheiras, pelo vendedor, pelo atendente, por aquele que lavou a louça e por todos que trabalharam na confecção do meu almoço. Em nome de Jesus. Amém.'
 
- Garçon, me traz a conta, por favor? Já vai dar o horário do turno da tarde e eu não posso perder...
 

Wagner Antonio de Araújo

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

memórias literárias - 847 - DIAS NUBLADOS

DIAS
NUBLADOS
 
847
 
Um ou dois dias nublados, cheios de nuvens cinzas e vento fresco até são interessantes, causam alívio do calor. Mas quando isso se torna longo, quando os dias amanhecem cinzentos por um longo tempo, com um friozinho não natural e a constante chuva e garoa, então a melancolia invade e o mal estar domina. Não fomos feitos para a neblina.
 
Dias nublados acontecem. Às vezes até no alto verão, como hoje, em São Paulo. Em uma época de termômetros altíssimos, é estranho sentir frio e ter que usar blusa. Não é natural olhar para o céu e não contemplar as nuvens brancas e o sol em seu fulgor.
 
Dias nublados também ocorrem na vida. Depois de um longo período de atividades, com inúmeros afazeres e desafios, o céu se torna cinza e o ânimo se esfria diante dos inúmeros combates. Descobrimos uma doença degenerativa, recebemos o aviso prévio e a demissão do trabalho, tivemos o cartão de crédito cancelado, os relacionamentos afetivos estão por um fio, o nosso ministério terminou. O céu torna-se cinza e não há expectativa de melhora.
 
O pior de tudo é quando o cinzento não vem do céu das nuvens, mas da nossa relação com Deus. Não vem do "sky", mas do "Heaven" (céu azul e o céu de Deus, em inglês). Quando a nossa comunhão com o Senhor foi turbada, foi rompida, foi prejudicada por causa de um pecado que praticamos, de uma injustiça da qual participamos, de uma responsabilidade que não assumimos, encontramos o céu de bronze e a presença de Deus distante como nunca. Parece que as orações não têm vida, não há força em nós, não sentimos paz.
 
Eu me lembro de um vôo que fiz há muito tempo, rumo a Vitória do Espírito Santo. O céu estava turvo, chuvoso, friorento. O aeroporto estava molhado, frio; as pessoas estavam encapotadas, cheias de blusas e cachecóis. Então entramos no avião e decolamos. O bólido subiu e rompeu as nuvens cinzentas, não sem trepidar e tremer. Penetrou no mais profundo turbilhão acinzentado e despontou do outro lado, acima, descortinando um céu azul belíssimo e o brilho do sol aquecedor e primitivo. Na verdade o dia não estava diferente dos outros, não fosse pela grossa camada de nuvens. Com o avião chegamos ao dia original lá no alto. 
 
Às vezes precisamos de um avião rompedor, que esburaque o nosso céu cinzento e atinja as camadas superiores da felicidade perdida, da alegria abandonada, das razões motivadoras e, quiçá da presença augusta do Senhor nosso Deus. Sem um veículo não poderemos transpor a barreira. E qual veículo é eficaz? Um veículo movido a três propulsores.
 
O primeiro: a fé. Ora, sem fé é impossível agradar-lhe; porque é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe, e que é galardoador dos que o buscam. (Hb 11:6). É preciso romper a incredulidade com o bólido da fé. Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem. (Hb 11:1). A fé é o jato que nos leva às alturas. E Jesus disse-lhe: Se tu podes crer, tudo é possível ao que crê. (Mc 9:23)
 
O segundo: a esperança. Agora, pois, Senhor, que espero eu? A minha esperança está em ti. (Sl 39:7). Ainda que não haja muito o que esperar, o Senhor é a nossa esperança e Ele pode trazer uma motivação grandiosa, mesmo em tempos de enfermidade, de longevidade, de solidão.  Ó minha alma, espera somente em Deus, porque dele vem a minha esperança. (Sl 62:5). Voltai à fortaleza, ó presos de esperança; também hoje vos anuncio que vos restaurarei em dobro. (Zc 9:12). Ainda que esteja a morrer o crente tem esperança. Aguardando a bem-aventurada esperança e o aparecimento da glória do grande Deus e nosso Salvador Jesus Cristo; (Tt 2:13).
 
O terceiro: o amor. Sim, viver sem amor é viver sem viver. O amor faz resplandecer os olhos do moribundo, recobrar o juízo e recuperar a saúde perdida. Mas, sobretudo, tende ardente amor uns para com os outros; porque o amor cobrirá a multidão de pecados. (1Pe 4:8). O amor gera vida. Conservai-vos a vós mesmos no amor de Deus, esperando a misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo para a vida eterna. (Jd 1:21). O amor é capaz de doar-se a si mesmo e com isso se alegra. Ninguém tem maior amor do que este, de dar alguém a sua vida pelos seus amigos. (Jo 15:13)
 
Os dias nublados acabam. Se não em vida, na eternidade. Pois lá não haverá mais nada a turbar a nossa visão. Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido. (1Co 13:12).
 
O sol há de brilhar amanhã, estejamos certos disso.
 

Wagner Antonio de Araújo

domingo, 9 de fevereiro de 2020

memórias literárias - 846 - AMOR É ISSO

AMOR
É ISSO
846
 
Estava eu atarefado com a publicação de vídeos em meu canal, prestes a encerrar o trabalho de hoje, quando o meu filho Josué Elias, de dois anos e meio veio à porta do escritório. "Pai, bolacha!". Eu olhei e disse: "Sim, filho, é uma bolacha.". Ele veio até mim, olhou-me com aquele par de olhos brilhantes e disse: "Pega, pai, pro sinhô". Ah, ele queria me dar uma bolacha. (bolacha, em São Paulo, é o mesmo que biscoito).
 
Chamei a minha esposa e disse: "Olha, Elaine, que coisa mais linda! O Josué pegou dois wafers e veio trazer-me um! Ele quis partilhar!" Choramos os dois ao ver um ser tão pequenino importar-se conosco. E o ouvimos completar: "Papai, ti amu!"...
 
Amor é isso.
 
Amor é um filho que traz uma bolacha para que o pai coma com ele. Ele poderia comê-la sozinho, mas sentiu afeto e quis partilhar com o seu pai.
 
Amor é chamar a esposa para ver o sol se pondo na linha do horizonte. Amor é dar a mão e sentir que não se está só.
 
Amor é agradecer, primeiramente a Deus (e não à Natureza ou à vida) pelo fato de existirmos; e então aos que partilham de tudo o que somos.
 
Amor é sentir falta e procurar o outro, dizendo-lhe o quanto é importante para nós. Amor é demonstrar afeto, não apenas senti-lo. Amor é ir ao encontro, não meramente aguardar por um encontro.
 
Amor é tudo isso e muito mais.
 
"Nós o amamos porque Ele nos amou primeiro", diz a Bíblia sobre Jesus. Ele veio ao nosso encontro. Ele veio buscar-nos como um bondoso e amoroso pastor.
 
Assim podemos também dar amor, pois alguém nos amou. E segredar ao coração que vale a pena fazer o amor acontecer.
 
O meu filho saiu feliz da vida porque deixou uma bolacha com o pai dele.
 
Será que amo como ele ama? Será que podemos expressar melhor o nosso amor?
 
Boa pergunta...
 
Wagner Antonio de Araújo

 

sábado, 8 de fevereiro de 2020

memórias literárias - 845 - EU SOU CULPADO

EU SOU
CULPADO

845
 
Por que a atual geração vive na mais mísera imoralidade, sem freio, sem pejo, sem limites, expressando toda a sua lascívia em público, levando a mídia e o comércio a adaptar-se ao estilo e ao gosto do século XXI? Por que há tantos tatuados, tantos com piercing, tanta gente nos pancadões, tanto palavrão na boca de todos, tanta mulher e tanto homem a fumar, beber, usar droga, a trair?
 
Essa geração não nasceu de chocadeira. Eles tiveram pais. O que esses pais serviram aos seus filhos?
 
Bem, muitos deles pouco viram os seus filhos. Mães tiveram que confiar o período de infância aos cuidados das creches, às mãos das cuidadoras. Pais trabalharam o tempo todo, ou à noite seguiam fora nos cursos de especialização. O longo tempo de percurso no transporte também contou. Quando ambos estavam em casa tinham muito o que fazer. Então ligavam a televisão, colocavam um DVD, mandavam os pequenos para a casa dos amigos ou dançavam as suas músicas com eles.
 
Essa geração nunca ouviu uma música clássica. Eles nem sabem quem foi Beethoven, Mozart ou Bach. Música, para eles, é o que rola na balada, é o funk carioca, o "proibidão", o rap e o rock. Agora também o sertanejo universitário. Os pais não ofereceram a boa música brasileira, a música raiz, a música com melodia, as canções com valores e com história. Eles apenas não queriam ser incomodados.
 
Também não sabem se relacionar. Saíam de casa para a creche, da creche para o transporte e nos fins de semana para as aulas de balet, natação, inglês ou nas festinhas dos amigos. Eles não sabem o que é sentar-se à mesa com a família reunida, não ouviram histórias de seus pais, de seus avós, histórias da casa onde moram, dos países de onde vieram as suas famílias, dos costumes, das tradições. Estas crianças vieram ao mundo e tiveram a ração para viver e sobreviver, os cursos para serem profissionais, mas não foram humanizados em casa.
 
Eles descobriram a sua sexualidade entre os amigos, na escola, no bairro onde moram, nas brincadeiras entre primos, e, recentemente, nas páginas da internet, no whatsapp, nos encontros do bairro, nas festinhas que frequentaram. Os seus pais, a geração originária dos que quebraram os padrões, considerou que eles deveriam experimentar de tudo e achar o que poderia trazer felicidade individual. Assim não tiveram limites: namoravam em casa, na plena permissividade, com a complacência de pais liberais. Pais deram aos filhos acesso à bebida alcoólica e, quando não, aos preservativos para evitar a gravidez. E, não raras vezes, foram às baladas juntos para fomentar o instinto sexual.
 
Qual o resultado disto? O mundo torpe e amaldiçoado onde vivemos. Não há um bairro nestas cidades em que se possa viver em paz, sem que haja uma festa com drogas e o barulho infernal dos ruídos chamados de "música moderna". A geração não tem respeito com os pais, chamando-os de você (e que não venham dizer que é só atualização de linguagem!) e tratando-os como iguais ou inferiores (pois são velhos e não sabem das coisas). Não sabem cozinhar, não arrumam os seus quartos, não varrem a casa, não ajudam em nada, consomem tudo e sentem-se depressivos. E conseguem colocar a culpa nos pais, na família, no mundo opressivo, no governo de direita e, quiçá em Deus.
 
Eu sou culpado. O meu leitor é culpado. Todos somos culpados. Um mal exemplo é sempre um ensinamento. Toda vez que escolhemos erradamente ensinamos a um jovem a fazer o mesmo. Quando entro numa via proibida, mesmo com um semáforo e uma placa proibitiva, eu sou culpado. Quando furo a fila do caixa eu sou culpado. Quando falo um palavrão eu sou culpado. Quando deixo de ouvir coisas de qualidade eu sou culpado. Quando não busco o conhecimento eu sou culpado. Quando não gasto um tempo com os mais jovens eu sou culpado. Quando não arrumo o quarto, lavo as louças, varro a casa ou cumpro o mínimo necessário para uma vida civilizada no coletivo eu sou culpado.
 
A geração que emporcalha o país é fruto das más escolhas das duas últimas gerações. Aí está a nossa fatura: um bando de pessoas cuja racionalidade é questionável. São filhos que queimam os pais para obterem o seguro de vida ou quando estes não aceitam um matrimônio com o mesmo sexo. São jovens que envenenam um professor quando este é contrário aos seus valores pervertidos. São funcionários que só  desejam direitos, independentemente de cumprirem o seu dever. São moradores que estendem a privacidade de suas casas à rua e na frente de nossas casas, importunando a todos e não dando espaço à liberdade alheia.
 
A considerar-se um cristão nesta minha crítica, a culpa também é nossa. Somos culpados quando jogamos fora os hinários de nossa igreja para que a juventude implantasse a sua música pobre e mundana, cheia de valores pervertidos e ruídos ensurdecedores. Somos culpados quando abandonamos o culto doméstico de nossas famílias. Somos culpados quando deixamos que pastores mundanos dominassem os púlpitos de nossas igrejas e pervertessem a fé de nossos membros. Somos culpados pela literatura ecumenista e atéia que as nossas editoras publicam, bem como em divulgar as novas versões pervertidas da bíblia. Somos culpados em pintar as nossas igrejas de preto e colocar latões como púlpito, apenas para transformá-las em palco de shows, do jeito que o Diabo gosta. Somos culpados quando não nos ajoelhamos no culto, quando não temos reverência ao nome de Deus e quando não vivemos o que pregamos.
 
Que Deus me perdoe a culpa que tenho nesta história. Eu ainda tenho filhos pequenos, os quais quero influenciar profundamente dentro de meu lar. Aqui eles não ouvem funk. Aqui eles não assistem desenhos suspeitos. Aqui eles não ouvem palavrões. Aqui eles não têm a liberdade de nos tratar como bem entendem. Aqui eles aprendem valores. Aqui eles sentam-se à mesa para comer e não vão dormir sem prestar o culto doméstico a Deus. Aqui eles sabem a diferença entre o certo e o errado. Quando nós partirmos, quando eles se casarem, estes valores nós queremos que eles levem para os seus lares. E que reproduzam tudo isso junto de suas famílias. E se Jesus voltar eles subirão também.
 
Que Deus me perdoe.
 
E que me ajude a ser exemplo e não ser mais culpado.
 
E você? Também tem culpa? Avalie-se.
 
Wagner Antonio de Araújo

 

memórias literárias - 1477 - CHORA, Ó RAQUEL...

  CHORA, Ó RAQUEL...   1477   Quando o Senhor Jesus Cristo fez-Se homem, nascendo do ventre de Maria, Herodes o Grande desejou matá-Lo...