A
ERA
DOS
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Leio hoje nos
noticiários que estudantes estão se dividindo entre os que têm e os que não têm
muito acesso à internet; por isso se julgam afetados os que não possuem planos
de conexão amplos.
Sou do tempo
em que pesquisas eram feitas em livros, a maioria na biblioteca do bairro. Ali
entrávamos, dávamos o tema do trabalho para a bibliotecária, aguardávamos e, em
minutos recebíamos uma meia dúzia de compêndios e a permissão para sentarmos
numa das mesas ali existentes. Passávamos duas a três horas pesquisando o
assunto, escrevendo com lápis e caneta o que era importante e depois saíamos,
prontos para preparar o trabalho.
Sou do tempo
em que livros eram presenteados no aniversário. Eu recebi ao nascer três volumes
de Fábulas de La Fontaine, nome absolutamente desconhecido da maioria dos
humanos desta geração. Aos poucos fui ganhando os livros de escola e, quando
comecei a trabalhar (aos doze anos), nunca deixava de passar numa livraria, num
sebo (onde livros usados eram vendidos) sem comprar um ou dois. Foi lá que
adquiri a coleção Vagalume e Para Gostar de Ler, da Editora Ática. Foi durante a
adolescência que comprei coleções que eram vendidas em fascículos nas bancas de
jornais.
Quando me
tornei colegial e depois universitário comprei os livros referentes às
minhas áreas do saber: livros teológicos, livros de história, livros sobre
contabilidade, vendas, psicologia. E com isso formei uma biblioteca
considerável. Ao longo do tempo, adquiri as famosas enciclopédias Barsa,
Michaellis, Trópico, Quillet, Êxitus, LaRousse e Britânnica usadas. Mas eram
conquistas.
Enfim chegou
o século XXI e com ele a tecnologia dos livros em pdf. Os livros em papel
perderam espaço e começaram a enfiar tudo nos computadores. Com esse advento
veio também a internet e as fraudes. Pesquisas inteiras feitas com base em
informações falsas tornaram-se sem valor. Mas o excesso de mentiras deu origem a
divulgação de mentiras com cara de verdade e hoje são necessários estudiosos
para fazer análise de NEWS e FAKE NEWS. Hoje, dificilmente um estudante abre um
livro para ler.
A onda entrou
nas igrejas também. Antes íamos munidos de bíblias e hinários para a Casa do
Senhor. As bíblias dos adolescentes eram encapadas com jeans e as das meninas
cheias de adesivos, flores e enfeites. Os rapazes tinham bandeiras de times e de
esportes. As passagens importantes eram destacadas com canetas e cores, na
medida em que os textos falavam ao coração. As margens eram recheadas de
anotações que fazíamos ao longo do tempo. Os cânticos avulsos vinham em pastas
especiais e sabíamos os números de cada um. Depois surgiu o retroprojetor que
tirou a pasta de nossas mãos. Então criaram o datashow e acabaram por tirar
bíblias e hinários do povo de Deus. E chegou o celular, colocando tudo num
aparelho artificialmente perfeito, onde escolhemos as letras, as cores, o
tamanho e até o som, mas transformou o aprendizado pessoal em mero aparelho
automático que faz tudo em nosso lugar. Alguns até oram em lugar do
crente!
Precisamos
voltar aos livros. Precisamos saborear a sensação de folhear as páginas
amareladas de uma publicação preciosa. Precisamos anotar o conhecimento. As
pesquisas precisam ser feitas pessoalmente, sem a intervenção de uma máquina.
Precisamos aprender de novo a ordem alfabética e como redigir um trabalho sem o
uso de modelos pré-formatados. Os nossos jovens não aprendem a pensar, não
aprendem a descobrir, não aprendem a viver sem o elemento eletrônico. E agora,
com a pandemia, a guerra pobres e ricos se evidencia. Mas talvez os concorrentes
não sejam bem identificados. Seria mais apropriado dizer: os que conseguirão
superar os obstáculos e os que não viverão sem as comodidades.
Conheci um
homem que era professor. Ele conseguiu estudar às custas de livros que achava no
lixo. Ele não tinha dinheiro para comprá-los. Ele usou toda a informação
encontrada. Conseguiu galgar os degraus do conhecimento e alcançou os seus
objetivos. Conheci uma moça que falava inglês fluentemente. Ela aprendera
sozinha, com meia dúzia de discos de vinil e fascículos de banca de jornal.
Conheci um rapaz que dava aulas de matemática e que ajudava a todos os colegas
sem ter nenhuma máquina calculadora. Ele tinha algo mais poderoso: a força de
vontade no bom uso de sua inteligência.
Ouvi de um
pastor triste um lamento que talvez seja o de muitos que me lêem. Ávido por
repartir o seu conhecimento, passou a gastar os cultos no meio da semana com o
estudo bíblico versículo por versículo, explicando minuciosamente o significado
de cada palavra, dos temas abordados, do contexto em que se encontravam, da
idéia do autor, da relação com o resto da bíblia. Ele preparava-se como se fosse
lecionar para um time de alunos gigantesco, ainda que fosse falar para meia
dúzia de crentes. Mas ele contou-me que desistira disso, pois aqueles poucos
crentes, conquanto inteligentes e letrados, achava muito chato estudar a bíblia
assim. Eles queriam algo mais NISSIN MIOJO, de um versículo só, com uma lição
só, de preferência algo que turbinasse a fé e erguesse o ego. Que tristeza!
Basta ver as atuais lives de pandemia, as milhares de transmissões, e veremos a
mesma pobreza temática das mensagens. Nada mais profundo que um misto de "tenha
fé" ou "você vai vencer"(com raras exceções).
E agora vou
encerrar este longo texto. Afinal eu já sei que não terei praticamente nenhum
retorno (envio para mais de 50 mil contatos), pois ninguém lê algo maior que dez
linhas hoje em dia. Se você chegou até aqui é uma exceção - e lhe agradeço a
deferência.
Wagner
Antonio de Araújo.