39 - ... E JOÃO NÃO VEIO
...
- Alô? João?
- Maria? Olá, Maria! Tudo
bem?
- Tudo, João. E aí, como está o coração???
- Ah, Maria, não
começa de novo, por favor...
- Tá legal, João. Não liguei pra isso não.
Quero te fazer um convite. Posso?
- Manda bala.
- É que o Sammy
Tippit vai pregar no ginásio da prefeitura, e vai sair uma kombi de cada igreja
aqui da baixada, eu queria te convidar pra ir comigo. É grátis, vai ser no
domingo à tarde, e vamos ter boa música e uma boa pregação. Topa?
-
Topo.
- Como?!? Você topa?
- Topo, poxa! Era pra não
topar?
- Não, claro que era pra topar! É que eu fiquei
superfeliz!
- Tá. Que horas tenho que chegar? "Tô à fim" de ir à noite,
no culto, também.
- Nossa, cara, que legal! Olha, chega às 13:30, a perua
vai estacionar às 14. Assim a gente não perde a condução, e ainda conversa um
pouquinho. Nossa, estou superfeliz, João!
- Tá legal. Vou no culto da
noite também. Só que agora tenho que desligar, que o chefe tá chegando.
Beijinho. Tchau.
Maria amava João. Eles namoraram por alguns meses, dois
anos antes. Mas João voltara para a velha namorada (foi um fogo de palha, que
durou um mês) e Maria ficara magoada, triste, mas não desesperançada. Sempre
que podia, enviava telemensagens, e-mails, cartas, recadinhos. João nunca
respondia. Ou, quando o fazia, inventava as desculpas mais esfarrapadas. Mas
Maria era persistente, e continuava cheia de esperanças. João era membro de
outra igreja. Mas, atualmente, não ia em lugar algum. Ele se achava um cristão
auto-suficiente.
A felicidade de Maria justificava-se: afastado que
estava, João prometera ir à cruzada! Sammy Tippit envolvera todas as igrejas da
região nesse evento evangelístico. Cada congregação ganhara uma perua para
buscar os visitantes e membros. O ginásio comportava umas duas mil pessoas;
assim, conseguir-se-ia encher todas as arquibancadas.
Ainda era
quinta-feira. Maria não se agüentava de tanta felicidade! Até o domingo ela fez
de tudo, para demonstrar a sua gratidão ao Senhor, e implorar-lhe a bênção:
jejuou, orou por horas, leu muitos capítulos da bíblia, evangelizou, enfim, fez
muito mais do que estava acostumada. No seu "diário", decorou cada um desses
dias com um arabesco diferente, colorido e trabalhado. Ela estava tão ansiosa,
que perdera até a fome. Estava tão feliz, que cumprimentava a tudo pelo caminho:
"Bom dia, poste!", "Bom dia, gato!", "Bom dia, hidrante!". Ah, como é linda a
paixão!
Já era sábado. Gastou um bom dinheiro no cabeleireiro,
produzindo-se de forma brilhante. Pedira à mãe para apertar o vestido que
comprara para o casamento da prima, e emprestara os sapatos de veludo colorido
de Soraia, colega de escola. Ela teria, enfim, um encontro! Sim, João iria à
cruzada!
Chega o domingo. O relógio marcava 13 horas, e Maria já se
encontrava na porta da igreja. O sol brilhava forte, Maria estava debaixo da
sombrinha, sem incomodar-se. O zelador ainda não abrira o templo. 13:30:
começaram a chegar as meninas da sua turma de mocidade. Também os adolescentes,
seus alunos, que iriam cantar no "grande coral da baixada". Ela estava orgulhosa
por ver os meninos integrados em atividades musicais de louvor, tão clássicas e
solenes.
Faltavam 10 minutos para as 2 da tarde, e a perua chegara. Maria
agora suava frio. João não aparecia na rua, nem de um lado, nem do outro. "Será
que ele esqueceu? Oh, meu Deus, estou tão ansiosa!" Às duas em ponto todos
estavam presentes, menos o João. Maria inventou, então uma desculpa, dizendo ter
esquecido um prendedor de cabelos no banheiro feminino, e pediu para entrar.
Pois sim. Ela queria ganhar tempo, para que o seu amor chegasse.
Mas às
duas e dez o motorista da perua ameaçou deixá-la, caso não entrasse. Com um
grande bico, carrancuda, entrou no veículo, rumo ao ginásio. E João não
veio.
Chegaram no ginásio. Gente de toda a parte, de todos os lados,
pessoas felizes, com faixas das igrejas, com camisetas coloridas, fitas nos
cabelos, bandeirolas na mão, cada um fazendo a sua própria campanha. Maria
conduziu o seu grupo para as escadas que davam de frente ao palco, onde o coral
e o Sammy estariam. Sentaram-se e conversavam muito. Mas Maria observava os
portões. "Será que o meu amor perdeu-se, será que ele vem de ônibus? Será que
ele vai me surpreeender? Oh, Deus, por favor, não me deixe
sozinha..."
Estava ventando muito nas escadas onde estavam. Marcos e as
garotas pediram a ela se poderiam sentar-se lá do outro lado, pois não estavam
se agradando do vento. Maria disse que sim. Perguntaram-lhe se não iria com
eles, e ela disse que já estava bem acomodada ali. E eles foram embora,
deixando-a sozinha. "Poxa, que amigos da onça eu tenho! Ninguém quis ficar
comigo".
Começou o culto. O coral cantava maravilhosamente. Alguns solos,
avisos, e Sammy Tippit pregou a Palavra de Deus. Depois do apelo evangelístico,
dezenas e dezenas de pessoas desceram das escadas, em lágrimas, entregando-se a
Jesus.
Maria ficara feliz, com certeza. Mas o seu coração estava
arrasado. O João não viera. E ela queria que essa tarde fosse uma tarde
completa: ela e o João. Ela queria estar ao lado de quem amava. Seu coração
pulsava forte por João, mesmo que dois anos os separassem.
Assim que
Sammy orou pelos decididos, o povo foi se levantando para ir embora, pegar a
condução. Mas o coral ainda cantava. Maria ficou até o fim. Maria ouviu parte
por parte. Seus garotos estavam cantando, ela fez questão de prestigiá-los.
Quando terminaram, ela levantou-se e aplaudiu efusivamente a apresentação, e
desatou a chorar. E chorava copiosamente. Seu coração doía. Ela já não sabia se
chorava de alegria pelas conversões, ou pelo gozo de ver seus meninos cantando
uniformizados, ou se lamentava a ausência de João, que a fizera passar vergonha,
com uma roupa de festa num lugar onde todos estavam de camisetas. Olhou à sua
volta. Não sobrara ninguém! Ela estava absolutamente sozinha. A única que ficara
sentada na arquibancada! Sentiu-se só. Sentiu-se melancólica, ao ver-se no final
do grande evento.
Maria chorou, e ninguém a consolou.
- "Senhor,
por que comigo? O que foi que eu te fiz? A Gláucia, a Cíntia, a Beth, a Zenaide,
todas são felizes, estão namorando, e não sofreram assim! Elas me pressionam,
Senhor, dizem que não sou normal! Onde está o João, Senhor? Onde estão os meus
amigos? Aonde está a minha felicidade?"
Ah, sim. A dor que Maria sentia
era muito grande. Não era manha não. Nos seus 21 anos, Maria era virgem.
Guardara-se para agradar ao seu Criador, honrando ao Senhor Jesus. Maria era
trabalhadora, desde os 14 anos nunca deixara de exercer alguma função, e agora
era secretária numa boa empresa. Era a primogênita da família, uma filha
excelente. Seu quarto era um brinco, seus pais muito a amavam. E, na igreja, um
exemplo: recepcionista de visitantes, professora dos adolescentes, cantava
solos, dava cursos de artesanato e participava da sociedade de moças. Sua beleza
era inconfundível: uma pinta bem debaixo da orelha direita exercia um charme
especial. Quando sorria, lindas covinhas se abriam, e os seus loiros cabelos
brilhavam mais ainda, combinando com aqueles olhos de um azul claríssimo! Linda,
trabalhadora, inteligente, amada, Maria não queria outro homem, só o João, seu
primeiro e grande amor. Maria sentia-se só.
Quantos de nós não somos como
Maria, detentores de um vazio enorme dentro do coração, frustrados com as coisas
que não acontecem, ou fartos de outras que teimam em acontecer! Quantos de nós
ficamos sentados, sem um amigo verdadeiro do nosso lado! Ninguém conhece as
profundezas de nossos corações!
Ainda nas escadas do ginásio, Maria orou
com a bíblia no colo:
"Senhor, fala comigo! Eu não agüento mais! Senhor,
eu preciso ouvir a tua voz!"
Então ela fez algo incomum em sua formação
bíblica. Resolveu abrir a sua bíblia aleatoriamente. Sua bíblia estava toda
marcada, grifada, sublinhada, com canetas de todas as cores. Então, ao abri-la,
deparou-se com um versículo saltando da página, como se dissesse "me leia, por
favor!". Ei-lo:
"Pois eu bem sei os planos que estou projetando para
vós, diz o Senhor; planos de paz, e não de mal, para vos dar um futuro e uma
esperança.
O texto era Jeremias 29.11. Maria leu, releu, leu novamente, e
orou:
"Senhor, se és tu quem falas comigo, então mostra-me que planos são
estes! Que futuro é este! Que esperança é esta! Sinto-me sozinha, sinto-me
abandonada, indesejada! Senhor, eu preciso saber quais são os teus planos para
mim! "
Maria foi embora na perua. Chegando na igreja, foi ao banheiro,
lavou seu rosto, arrumou-se um pouco e foi ao seu lugar especial, no quarto
banco à esquerda, próximo do ventilador.
Com o coração pesado, Maria
sentia vontade de estar invisível, de não ser notada, de ser só ela e Deus,
naquele momento. O pastor solicitava os cânticos, Maria só ouvia as canções,
acompanhava com o pensamento. Mas, por fora, apenas lágrimas quentes rolavam de
suas faces. João não viera ao culto também. Não, ela nem olhava para a porta do
templo. De que adiantaria?
Maria chorava. Enquanto o pastor pregava,
Maria estava à quilômetros de distância, sentindo o rosto a queimar, o peito a
doer, o corpo a moer. Duas senhoras, sentadas próximas, lhe perguntaram: "Maria,
o que há? Você está bem? Está sentindo dores? Quer que tragamos água, ou a
acompanhemos até o banheiro?" Gentilmente Maria desculpou-se, dizendo: "Não,
irmãs. Eu estou em comunhão com Deus". As irmãs, imediatamente, recuaram. É como
se estivessem tocando em solo sagrado. As lágrimas derramadas na presença de
Deus, não devem ser represadas.
Ah, quando o peso é grande demais, quando
a dor é forte demais, quando o abandono é longo demais, quando a frustração é
profunda demais, sentimo-nos como Maria! O rosto nos queima, as canções soam
longe, a pregação nos escapa, o mundo muda de ritmo, parece que tudo custa a
passar! Estar com o Senhor é o melhor lugar, em tempos de
perturbação!
Maria dizia em seu íntimo:
"Senhor, que planos tens
para mim? Que esperança me dás, se as coisas que mais quero não consigo ter?
Aonde está o meu João? Aonde está o respeito das minhas amigas? Eu sou
diferente, Senhor! Todas têm namorados, todas estão quase se casando, e eu estou
aqui, sozinha, chorando por um homem que não me ama! Fala comigo,
Senhor!"
O culto terminara. O pastor dera a bênção apostólica e fora à
porta, despedir os membros. Maria, que era uma das primeiras a
confraternizar-se, ficou sentada. Suas pernas pesavam, ela estava fraca,
sentia-se mal, queria morrer. "Fala-me, Senhor!"
Depois do tumulto do
instante inicial, o corredor foi se tornando mais livre, e as crianças corriam
de um lado para o outro. Julinho, um garotinho espoleta, correndo por todos os
lados, tropeçou numa bíblia, pegou-a correndo, deu-a aberta à Maria, e disse:
"Tó, tia, tô indo. Tchau".
Maria tomou a bíblia e, antes de fechá-la e
colocá-la no encosto do banco, viu acesos alguns versículos grifados, e decidiu
lê-los antes. Ei-los:
Não digo isto por causa de necessidade, porque já
aprendi a contentar-me com as circunstâncias em que me encontre.
Sei passar
falta, e sei também ter abundância; em toda maneira e em todas as coisas estou
experimentado, tanto em ter fartura, como em passar fome; tanto em ter
abundância, como em padecer necessidade.
Posso todas as coisas naquele que me
fortalece.
Então ela pensou:
"Meu Deus! Paulo dava graças mesmo
padecendo necessidades? Paulo passava fome também! Era isso que ele queria
dizer, quando falava POSSO TODAS AS COISAS NAQUELE QUE ME FORTALECE!"
Foi
como o sol a nascer no horizonte da vida de Maria. O Espírito Santo mostrara-lhe
algo que lhe era encoberto: "ANTES DE PENSAR NAQUILO QUE NÃO SE TEM, AGRADEÇA
PELAS COISAS QUE TEM; E ENTREGUE O FUTURO AO SENHOR, QUE TEM PLANOS DE PAZ PARA
VOCÊ ". Sim, era disso que ela precisava! Mas, como tirar a dor do coração?
Como esquecer do João, ou do opróbrio, de ser tratada como "a
diferente"?
Maria ajoelhou-se, tomou as mãos e fez um gesto, como a
colocar sobre o banco um pacote. E disse:
"Senhor, eu não sou capaz de
agradecer pela necessidade. Eu não sou capaz de gostar do teu plano para com a
minha vida. Mas EM CRISTO, que me fortalece, eu serei capaz. Capacita-me, ó,
Pai! Agora, Senhor! Eu te dou o meu coração, e todas as minhas frustrações.
Dá-me um coração igual ao teu, meu Mestre!"
Sammy Tippit afirmou, em uma
palestra aos pastores, que o verdadeiro avivamento só virá, quando houver
arrependimento para os arrependidos. E isso só pode acontecer quando nos
rendemos inteiramente ao querer do Senhor. Ainda que não o entendamos, ainda que
não enxerguemos que futuro isso terá; Deus tem o melhor para aquele que deposita
nEle a sua confiança.
A dor não saiu rapidamente, mas Maria levantou-se
dali decidida.
Ela decidiu não ligar mais para o João. Se alguém estava
perdendo, nessa história, esse alguém era ele, e não ela. Portanto, se ele não
dava valor, então era porque o Senhor não o havia designado como companheiro
para ela. Maria decidiu virar a página e não esperar mais por ele. E foi o
melhor que fez.
Disse ela: "Se eu pensar no quanto sou infeliz sozinha,
os meus problemas não desaparecerão. Pelo contrário, só tornarão a minha vida
mais amarga. E se eu pensar nas coisas que tenho, e no quanto o Senhor me ama, a
paz do céu encherá o meu coração. E eu serei feliz. Então entrego a minha
solidão ao Senhor".
Ela decidiu também ignorar o opróbrio das amigas. Ela
lhes explicou que, se elas estavam namorando e iam se casar em breve, que
agradecessem ao Senhor por isso, mas que não quisessem obrigá-la a ter a mesma
coisa, pois, em sua vida, os planos de Deus eram outros, e isto tinha que ser
respeitado. Suas amigas entenderam, e não a forçaram mais a correr atrás de
alguém.
Sua fisionomia já não estava abatida. Pelo contrário, Maria agora
estava mais simpática que nunca! Lecionava com mais amor e vigor, aos seus
adolescentes; cantava com gratidão ao Senhor; recebia os visitantes com grande
simpatia; enfim, tudo ficou melhor. Ela dizia: "EM TUDO DOU GRAÇAS, MESMO PELAS
COISAS QUE NÃO GOSTO. DEUS TEM PLANOS PARA MIM, PLANOS DE PAZ, PLANOS DE VIDA,
PLANOS DE ESPERANÇA. VOU CONFIAR!"
E Maria tornou-se feliz.
Dias
atrás, soube que casou-se! Sim, um jovem garboso e elegante (garboso? essa
palavra é arcaica; hoje se diz "saradão"...), muito crente, gentil e
responsável, atravessou o seu caminho quando ela menos esperava. Os dois se
gostaram tanto, se entenderam tão bem, se atraíram tanto, que casaram-se, numa
festa de fazer cair o queixo! O primeiro filho chama-se JEREMIAS (mas o
sobrenome não é 29.11...), e o PAULO está prestes a nascer. Que
coisa!
Deus é assim! Converte o nosso pranto em folguedo, converte o
nosso opróbrio em vitória. Deus ergue o caído, fortalece o fraco e torna um
plebeu em príncipe.
Mas tudo começa com
QUEBRANTAMENTO...
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O que? Como vive a Maria e seu esposo?
Querem saber se o Jeremias é espoleta? Bom, minha gente querida, quem sabe, um
dia desses, eu lhes conto um pouco. Mas isso é caso para uma próxima PÁGINA
SOLTA.
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Wagner Antonio de Araújo
Igreja
Batista Boas Novas de Osasco,
SP
bnovas@uol.com.br
www.uniaonet.com/bnovas.htm
obs: Esta é uma
obra de ficção. Foi escrita na madrugada do dia 01 de agosto de 2004. Este
texto, "...E JOÃO NÃO VEIO..." nasceu como uma ilustração, durante a pregação
da Palavra do Senhor, no culto do 26o. aniversário da Igreja Batista de Lauzane
Paulista, na capital paulista, em 31/07/2004. Naquele culto, para a honra e a
glória de Deus, um grande quebrantamento veio, da parte do Espírito Santo, sobre
toda a congregação. À semelhança de Maria, muitos e muitos renderam-se à
vontade de Deus, entregando as suas próprias a Ele. Vamos fazer o
mesmo?