A
FROTA
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- "Cuidado com os postes, Seu Geraldo! Não são de borracha
não!"
- "Vê se vai pela
sombra, Seu Geraldo! Cuidado com as costelas-de-vaca!"
- "Só passeando, né,
Seu Geraldo?"
Era assim todo dia. O
Seu Geraldo era o taxista do bairro, conhecidíssimo, muito estimado. Também
pudera: 12 anos no volante, já tinha levado muita mulher grávida pro hospital e
trazido mãe e filho pra casa. O povo era muito agradecido. Às vezes um fiado,
outras um chequinho pré-datado, mas sempre tranqüilo. Ele dizia:
-
"Deus ajuda a quem cedo madruga. E quem ajuda a quem cedo madruga também recebe
ajuda do Senhor". E lá ia o Seu Geraldo pro batente, alegre, sorridente e
confiante.
Ele era crente. Ele e
toda a família. Não era rico, nem classe média. Era um lutador, tentava manter
as contas em ordem, o leitinho da molecada e o cabeleireiro da mulher.
Devagarinho as coisas andavam. Fiéis na igreja, o dízimo era sagrado. Todo dia
10 lá estava o Seu Geraldo todo faceiro, levando o envelopinho da
família:
-
" 100 meus, 50 da patroa e 25 de cada guri. Marca certinho, Irmão Astolfo ",
as costumeiras orientações que passava pro tesoureiro. Nunca falhava. Nos
meses de poucas corridas caia um pouquinho, mas na alta temporada o dízimo
acabava compensando o tempo dificil.
Não perdia um culto de
oração. Geralmente ele mais agradecia. Mas, às vezes, dizia ter um sonho: queria
ter uma frota!
- "Ah, pastor, já
pensou? "GERALDO TAXI EXPRESS', que maravilha! Eu ia levar toda a igreja de taxi
pro culto! Não, não todo dia, senão eu iria à falência. Mas no domingo os meus
carros ficariam de prontidão: "perdeu o ônibus? Chame o Geraldão!" E assim o Seu Geraldo ia levando, sonhando,
trabalhando.
Num belo dia chegou um
telegrama: era para ele apresentar-se no Fórum. O que seria? Ficou preocupado,
nem dormiu à noite. Mas, para sua surpresa, era coisa boa: um parente distante
deixara uma quantia em dinheiro para os parentes, e ele fora contemplado com uns
bons trocados.
- "Olha aí, meu velho!
Venho orando por você por muito tempo! Já dá pra comprar mais um carro, uma
frotinha!"
Frota não era, porque
em sua cidade, grande e populosa, uma frota era composta de 50 unidades. Mas deu
para comprar 6 automóveis 0 quilômetro, registrar e colocar na praça.
Que alegria! Com
direito a culto de ação de graças e tudo! Contratou motoristas, colocou um para
dirigir o seu velho chevrolet e passou a administrar.
Todos estavam muito
felizes. Todos, exceto a esposa. Ela notara algo diferente no marido: parecia
que o esposo perdera um pouco o brilho e a espontaneidade.
Não só a esposa
notara; o pastor também. Seu Geraldo começou a faltar nos cultos de oração, os
seus prediletos. Seu lugar já era marcado no banco número 5 do lado direito;
mas, agora, estava vazio, aliás, sempre vazio. Ele comprara um sítio muito
bonito, próximo da cidade, e, quando não estava com os amigos, estava cuidando
da chácara.
-
"E então, irmão Geraldo, estou sentindo sua falta! " Dizia o pastor, no
domingo.
- "Pois é, pastor, está muito corrido pra mim agora, mas logo as
coisas engrenam. É como sinal de trânsito: quando parece que não abre nunca, o
verdão aparece! Já, já eu volto!" O já-já não chegava nunca.
Posteriormente, quando
o pastor lhe perguntava isso, a resposta era grosseira:
-
"Pastor, vê se faz o seu trabalho. Tem gente de sobra pra ouvir o senhor por lá.
Eu já sei tudo o que o senhor prega". O pastor sofria.
O Seu Geraldo
prosperou. Em dois anos ele transformou os 7 taxis numa frota de 50. Como? "Bênção de Deus", dizia ele. Contratara muitos motoristas,
colocara o nome de sua empresa bem bonito e graúdo nos seus automóveis: "GERALDO TAXI EXPRESS". Na inauguração
fez um "coquetel", mas não chamou a igreja. Nem o pastor.
Um dia a igreja
precisava ir a um velório. Povo muito humilde, não havia condução pra todo
mundo. Dna. Zulmira, sua esposa, falou com ele:
- "Geraldo, pede pros
carros ajudarem a transportar o pessoal pro velório e cemitério. Lembra que você
brincava que queria ajudar?"
- "Ah, mulher, larga
mão de ser mané! Sou eu burro de carga de alguém? Esse povo que se vire! Não vou
carregar o pessoal de graça de jeito nenhum. Que se danem!"
- " Mas, bem, você
dizia que ..."
- "Ora, mulher, quando
se é pobre se fala muita besteira. Larga a mão de conversa e vai pro seu
velório, que eu tenho encontro marcado com o pessoal lá do bar. Vai logo, não me
enche!"
- "Mas, bem, ...."
- "Cala a boca, beata!
Parece besta! Ah, e quer saber mais? Tô cheio desse negócio de igreja. Só sabem
cobrar, viver de pindura em quem tem mais o que fazer! Vai, dá logo o fora se
não quiser levar um tapão na orelha"
Zulmira estava
desconsolada. E não era para menos. Seu marido dera para jogar truco com os
amigos, beber "socialmente", ir pro clube no final de
semana. Às vezes a obrigava a acompanhá-lo. Tirou os meninos da Escola Bíblica
Dominical e matriculou-os em grupos de excursões - algumas vezes iam para as
montanhas, outras para a praia, e, ainda outras, para o exterior. "Coisas de classe", dizia ele.
Zulmira chorava. O
tesoureiro, antes tão acostumado com os 200 reais do Seu Geraldo, agora recebia
50 da mulher, que ela separava "escondido" do marido.
De vez em quando o Seu Geraldo vinha ao culto, terno "Hugo
Boss", cheirando a "chanel número
5", sapatos importados, BMW na porta. Chegava atrasado, ouvia o sermão e
saia sem cumprimentar ninguém. "Tenho compromissos",
dizia ele: ia para o encontro dos "prósperos",
os ricaços do clube.
Zulmira orava. Os
meninos, cuja base cristã era firme (a mãe orava e lia a bíblia todos os dias
com eles), também oravam. A igreja orava.
Certo dia um dos taxis
acidentara-se. Sem perceber, Geraldo não atualizara o seguro daquele carro.
Assim, para indenizar a família (houve vítimas fatais nos dois automóveis),
precisou vender outro carro. Ao mesmo tempo 4 ex-motoristas o processaram, pois
atrasara os seus proventos e tirara direitos que eles tinham a receber. Com os
juros e multas, acabou por vender outro carro. Mais dois motoristas demitidos,
indenizações a pagar, e outro carro seguia para a revenda.
Passaram-se 5 meses. A
família mudara-se dali. Não freqüentaram mais aquela igreja. Não que Zulmira não
protestasse; mas o marido estava transtornado. O pastor nem sequer soube para
onde foram. Sumiram. A igreja tinha um prazo de 8 meses para desligar membros
ausentes. A igreja orava.
Numa quarta-feira, no
culto de oração, enquanto o pastor lia o texto responsivo com a congregação, eis
que entram na igreja o Seu Geraldo e a família. Foram direto para o empoeirado
banco número 5, do lado direito. O pastor sorriu, mas continuou o
culto.
Parecia que a família
estava feliz. A igreja estava perplexa. Mas continuou a celebração. Cantaram os
hinos do Cantor Cristão (hinário da igreja), oraram, ouviram uma breve meditação
e escutaram uns dois ou três solos.
Antes de terminar, o
pastor franqueou a palavra a quem quisesse contar uma bênção ou pedir uma
oração. O Seu Geraldo emocionou-se no banco, mas sua esposa o abraçou
afetuosamente. O pastor pensou que alguém tivesse adoecido. Zulmira pediu a
palavra para o Geraldo. O pastor assustou-se, mas, em respeito a Zulmira,
concedeu.
Lá foram os 4 para a
frente: Geraldo, Zulmira, Bruno e Aloísio. Seu Geraldo pediu a palavra. Abriu a
bíblia em Mateus 16.26, onde se lê: "De que aproveita ao
homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua vida? ou que dará o homem em
troca da sua vida?" A seguir,
falou:
"Fui membro desta igreja por longos anos e taxista antigo no
bairro. Amava a Jesus e também a igreja. Um dia, há cerca de dois anos e meio
atrás, ouvi um pastor dizer que, como crente, eu tinha obrigação de ser rico, de
usar as credenciais de Filho do Rei. Não foi daqui não, foi um pastor da
televisão. Eu fiz um voto e ganhei o que pedi. Ganhei herança, prosperei nos
taxis e criei uma frota. Irmãos, (e agora Geraldo chorava), antes eu nunca tivesse pedido isso pra Deus! Se ganhei dinheiro
com a frota, perdi a minha fé, perdi a minha família, a minha saúde, os meus
amigos e até a minha dignidade. Fumei, bebi, adulterei, pintei o caneco e dancei
o samba de uma nota só. De 51 carros, contando com o meu, perdi tudo, exceto o
meu velho taxi. Tirei a família da igreja e ganhei a desgraça. De que vale
querer ser rico, quando não se sabe ser fiel? Por isso pedi pra Zulmira, essa
heroína (agora era ela quem chorava), que pedisse pro
Senhor me ajudar, porque eu já não agüentava mais ter que vender carros pra
pagar processos na justiça, ex-funcionários, tratamento de bebida, pagar
propinas, etc. Eu deixei de dizimar, deixei de vir aos cultos, deixei de ser
fiel. Vim aqui pedir ao meu Deus e à minha igreja: P E R D Ã O !!!
PERDÃO, SENHOR! PERDÃO, PASTOR! (todos choravam copiosamente). Eu
perdi tudo, mas não perdi o meu Salvador! Ele me deu mais do que eu merecia: me
deu a salvação, me deu esposa, filhos, um bom pastor e uma boa igreja! Obrigado,
meu Deus! Antes com Cristo sem riquezas materiais do que, tendo tudo, não ter
nada! "
Foi uma choradeira
geral. O pastor abraçou o irmão, osculou a esposa e os meninos, e disse ao
povo:
"Aprendamos, irmãos, que o verdadeiro Evangelho não é comida nem
bebida; Cristo não dá ouro ou bens para gastarmos segundo os nossos prazeres.
Ele até permite, quando insistimos demais, mas por nossa própria conta e risco.
Está aí o resultado das riquezas temporais: quando postas em primeiro lugar,
levam o homem à falência. Lembremo-nos do que nos ensina o Senhor: "Não ajunteis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem
consomem, e os ladrões minam e roubam. Mas ajuntai tesouros no céu, onde nem a
traça e a ferrugem consomem, nem os ladrões minam e roubam. Porque, onde estiver
o vosso tesouro, alí estará também o vosso coração". Mt 6.19-21. E diz
mais: "Buscai primeiro o Reino de Deus e a Sua justiça, e as demais coisas vos
serão acrescentadas". (Mt 6.33)
Seu Geraldo trouxe, do
carro, um panelão de salsichas em molho, preparado com amor por Dna. Zulmira, e
dois sacos de pão francês, que pegara na padaria da esquina. Fizeram uma
confraternização, um culto de ação de graças. Foi lindo!
Dia seguinte. 5 da
manhã. Lá vai o Seu Geraldo pela Avenida Brasil, descendo com o seu velho
chevrolet, passando em frente à casa dos vizinhos. As frases soavam como música
aos seus ouvidos:
- "Cuidado com os
postes, Seu Geraldo! Não são de borracha não!"
- "Vê se vai pela
sombra, Seu Geraldo! Cuidado com as costelas-de-vaca!"
- "Só passeando, né,
Seu Geraldo?"
E ele, feliz da vida, foi fazer as corridas do dia, sem
esquecer-se de que também estava correndo uma outra corrida, a da consagração
rumo à vida eterna com Cristo. Agora sabia que era o homem mais rico do mundo,
pois tinha algo que o dinheiro não deu nem nunca dará: felicidade.
- "Vai com Deus", dizemos nós também ao Seu Geraldo.
Pastor Wagner Antonio de
Araújo
Igreja Batista Boas Novas de Osasco,
SP
Pós-escrito:
Quero testemunhar
algo ocorrido há pouco. Este texto foi escrito com muito carinho e amor. Quando
terminei, repassei as frases, para tirar um ou outro erro. Quase ao término, o
computador travou. Bateu o desespero: e agora? Eu nunca consegui salvar texto
algum, depois do travamento. E, infelizmente, não o tinha copiado parcialmente
para a pasta de rascunhos. Antes de desligar o equipamento, orei, pedindo ao
Senhor que, se o que escrevi fosse abençoar alguém, que fizesse algo por nós. E
algo aconteceu: fechei alguns programas abertos automaticamente, mas tudo estava
parado. De repente o e-mail "libertou-se", e pude gravá-lo. Mas foi o tempo de
gravá-lo e travar tudo de novo. Ei-lo aqui, como mais uma prova da graça do
Senhor. Eu bendigo a Deus por essa vitória. Louvado seja Deus!
Amém.
obrigado também à
Sandr@, de Brasília, DF, pela "tag" de assinatura que me presenteou, a da
máquina de escrever.
Wagner