segunda-feira, 20 de maio de 2013

memórias literárias - 80 - ELZIRA BONFANTE - UM ANO LONGE DELA


80 - ELZIRA BONFANTE - UM ANO LONGE DELA...
Terminando por hoje as lembranças literárias, publico o texto que escrevi quando completei um ano sem a presença de minha mãe querida.
Foi em dezembro de 2006
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ELZIRA BONFANTE
a minha mãe!
- um ano longe dela...

Não é um dia como outro qualquer. É um dia nublado. Um vento de outono sopra nesse início de verão, distoando das cantigas natalinas que se ouve pelos ares. "Noite Feliz", "Pequena Vila de Belém", "Nasce Jesus". Parece que tudo está em preto e branco, com baixa definição. As melodias não encantam, o Natal não sensibiliza, nossa árvore continua encaixotada.

Poderia ser qualquer dia: 8 de novembro, 4 de dezembro, 15 de outubro, não importa. Mas 6 de dezembro corta como faca de dois gumes, penetra como um punhal, sangra como uma ferida aberta, arde como pimenta nos olhos, entristece como um canto de lamentação.

Lamentação: isso! É assim que poderia chamar esse dia. Um lamento ao nascer do luar!

Foi em 06 de dezembro do ano passado, 2005, às 18 horas da tarde, que Daniel e eu rumávamos para casa, após a última visita na UTC do Hospital São Joaquim, Beneficência Portuguesa, em São Paulo. Deus tocara em meu coração, para que não fosse embora até que essa visita acontecesse, fora de hora. Ao entrar, vi aquela que me trouxe ao mundo, agonizando. Canos e canos no nariz, tubos na boca, lábios já arroxeados, respiração artificial vagarosa, barriga inchada, e o médico a dizer: "só estamos aguardando..."

Sim. Quando recebemos o telefonema, dizendo para voltarmos - estávamos no trânsito da Avenida Paulista -, sabíamos que mamãe partira. E, nesse instante, a dor consumiu todo o resto de esperança, esperança teimosa, que se negava a aceitar a realidade. Ela partira. Ela se fora. E nós ficáramos. Mas queríamos ter ido com ela, para nunca nos separarmos!

Ela era o elo de ligação da família, na ausência de minha avó Sílvia. Quando a vovó faleceu, a família dispersou-se, mas mamãe conseguia unir suas irmãs através dos telefonemas diários ou semanais, que fazia. Algumas ela acordava diariamente, cantando uma musiquinha da TV Tupi dos anos 60. Outras, atualizava as notícias sobre as primas, as tias, o mundo, o evangelho. E assim a família era unida, por uma central de comunicação e ânimo, chamada Elzira Bonfante. Meu Deus, que falta ela faz!

Não era apenas com suas irmãs que mamãe mantinha o ânimo, o vigor, o amor, a união. Também com os irmãos em Cristo. Ela era conhecida como "a vovó da igreja", e "o despertador". O pastor, irmãos e irmãs, muitas vezes, pediam para minha mãe despertá-los, pois confiavam mais num telefonema dela que nos seus próprios relógios! Além do mais, com a voz e o amor da minha mãe, o dia era muito, mas muito mais suave e agradável. O meu irmão Daniel era todos os dias acordado por ela, estivesse no Acre ou no Rio Grande do Sul.

Tudo isso eu vejo no ar, no céu tristonho e melancólico, na brisa de inverno neste início de verão. Hoje faz um ano. Um ano que ela partiu.

A questão não é "há vida após a morte", mas "há vida após a morte de quem se ama?" É possível continuar a vida sem ela?

Por um lado sim. Nosso fundamento e base é Cristo. E minha mãe, durante 24 anos, foi uma das crentes mais fiéis de que tenho notícia. E eu conheço muita gente, muitos lugares e alguns países! Minha mãe era uma mulher de oração. Ela orava mesmo! Ela falava com Deus. Ela ouvia dia e noite a MELODIA FM. Fiquei triste porque a ouvinte mais fiel não recebeu uma única homenagem. Os produtos fantasiosos oferecidos pelos patrocinadores, mamãe comprava todos, para ajudá-los e ajudar a si, pois acreditava que pó de tubarão ou de raízes fosse afinar o seu sangue. Que tristeza quando um desses vendedores ligou para cá, pedindo para falar com ela, e, quando dissemos que ela havia morrido, a moça falou: "ah, ainda bem que você me disse, senão eu iria ficar com um nome à toa no meu cadastro. Até logo".

Mamãe era confidente do pastor. Era a mãezona, a pastora dos pastores. Seus conselhos, seus ouvidos, suas recepções, tudo isso era de um poder fabuloso na vida dos obreiros e da sua igreja. Se alguma dúvida houvesse quanto à conversão e consagração de minha mãe, então nenhum dos crentes que conheço, incluindo-me a mim, teria qualquer segurança em sua fé, pois ela era um exemplo. Mas, bendito seja Deus, não só temos segurança de sua salvação, quanto de que sua morada com Cristo é especial! Aleluia!

Não tivemos Natal no ano passado. Não costumo ser hipócrita e fazer coisas para os outros verem. Gosto de ser eu mesmo e assumir minha humanidade. Chorei, berrei, fiquei perplexo, fiquei emburrado. E agora, que mais um Natal vai chegar? O que minha mãe faria se estivesse em meu lugar?

Primeiramente, ela ficaria alegre, nem que fosse da boca para fora, só para não estragar o nosso Natal, e ainda nos incentivar a superar a dor e a crise. Minha mãe era uma consoladora, ela nos erguia e nos fazia recobrar o ânimo. Não houve um dia em que eu chegasse triste da Boas Novas, que ela não tivesse um estímulo, uma palavra de ânimo, acabando com a minha tristeza e depressão. Então minha mãe ficaria alegre.

Em segundo lugar, ela continuaria falando com as tias e com os irmãos, correndo atrás da normalidade. Que mulher forte, meu Deus! Superamos a morte do meu pai, porque ela estava conosco. E agora, Senhor? Quem fará isso por nós?

Ela arrumaria a árvore, celebraria com grande alegria, ficaria feliz com pouca coisa e faria do Natal um momento único, maravilhoso, inesquecível! Ela nos faria compreender a vontade de Deus, nos faria agradecer pelos acontecimentos e nos mostraria o lado bom de tudo. Deus, como sobreviver sem ela? Imagino  como amavas e amas tua mãe, Jesus! Mãe é tesouro incomensurável, é pérola, é rocha, é gargantilha de ouro, é diamante num anel, é Ferrari na garagem, é um rim novo para o hemofílico! Mãe é a coisa mais bela e maravilhosa na criação divina!

Ela nos alegraria, mesmo que sofresse sozinha, sentindo a falta de sua mamãe Sílvia e de seu papai Leandro, ou de meu pai Antonio. Certamente choraria pela falta que sua irmã Isaura lhe fazia, dor que lhe consumiu tanto, ou pela impossibilidade de desfrutar dos telefonemas contínuos com sua irmã Jovelina, impedida pelas interpéries da vida. Ela sofreria aos pés do Salvador. Quantas vezes não escutei seu choro, enquanto orava! Ela só quis o nosso bem, e nunca, nunca reclamou de nada! Essa mulher não sentia dor? Essa mulher não sofria? Às vezes, quando ia dormir tarde, passava junto à porta de seu quarto e a escutava chorar. "O que foi, mamãe?" "Nada, só um resfriado". Pela manhã, quando ligava seu rádio, apoiava-se no andador, sentadinha, e fazia a oração das seis, ouvia a ilustração do dia, adormecia orando, acordava, e estava ganho o dia!

Não sou tão forte como ela. Nem eu, nem a Milú, nem o Daniel. Ela se foi, e hoje faz um ano. Do seu quarto não se ouvem mais as ilustrações da rádio. Seu telefone não fez mais ligações. Seu aparelho de som está quieto, não toca mais. Seu rádio-relógio, que ela tantas vezes deixou cair pela fragilidade das mãos, não desperta mais. Tudo está quieto, arrumado, como num ato de respeito e memória àquela que deu vida a este lar, que fez de dois filhos homens honrados, que trouxe luz e esperança para tanta gente!

Eu dedico o dia de hoje à memória de minha saudosa mãe. Minha, do Daniel e da Milú. Somos hoje a família que restou. Papai subiu em 1991, mamãe em 2005. Eu queria subir também, subir logo, ir ao encontro de Cristo, e, por misericórdia e graça, encontrar minha mãe! Mas há tempo para tudo, e somos imortais enquanto não cumprirmos a missão confiada pelo Criador nas mãos de cada um de nós. Por isso eu não sei quando irei. Mas sei que irei feliz, contente, cheio de esperança, cheio de saudade, cheio de felicidade! Aceito como vontade de Deus cuidar do meu irmãozinho querido, que precisa de mim. Também de pastorear o rebanho que não é meu, mas de Cristo. Quantas Elziras eu não sepultarei, e quantos Wagners, Daniéis e Milús, eu não terei que consolar ainda? Mas a dor é didática, a dor é uma escola. Sei o que meu povo sente.

Acho que continuar a caminhada, pregar o Evangelho, consolar os entristecidos, levantar os caídos, orar pelos enfermos, anunciar o Reino e fazer aos que estão à nossa volta, que a vida seja mais feliz, é o que nós temos que fazer. E o meu irmão continuará a servir a Jesus com todo o amor e entusiasmo, e continuar a ser, e sempre mais, um empresário de renomado sucesso e prosperidade. Não meramente por ele, mas por Cristo, pela Milú e eu, e pela nossa saudosa e eternamente presente mamãe Elzira.


Celebrarei o Natal.

Celebrarei o Ano Novo.

Celebrarei a vida, a salvação, a graça, a fé, a eternidade.

É o que minha mãe desejaria, é o que ela fez ano após ano, sorrindo e fazendo sorrir, alegrando e fazendo alegrar, dando amor e cultivando o amor.

Pouco me importa não ter bens materiais, casas, dinheiro. Eu tenho os três maiores valores: tenho Cristo, meu Salvador, tenho um irmão e uma irmã maravilhosos, e tenho Elzira Bonfante no sangue, mente e coração!

No que depender de nós, a família, NUNCA DEIXAREMOS O NOME DE NOSSA MÃE JAZER NO ESQUECIMENTO. Ela é uma daquelas, das quais o mundo nunca foi digno. Uma heroína na fé.


EU HOMENAGEIO
ELZIRA BONFANTE!
A bênção,
mãe querida!


Pr. Wagner Antonio de Araújo - bnovas@uol.com.br
Daniel Paulino de Araujo - daniel@nss.com.br
Emiliana (Milu) Pereira Cruz - danviv@uol.com.br
http://www.uniaonet.com/bnovamaelzira.htm

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