TROCA
INFELIZ
891
Um velório.
Um pai no caixão. Flores o cobrem. Pessoas choram. Três filhos, dois rapazes e
uma menina. Ninguém chora como eles. Cada um tem uma carta manuscrita. Foram
escritas pelo falecido, que as deixou nas mãos de um tio. Pediu para entregá-las
ao pé do caixão.
Assim dizia a
primeira:
"Carlos,
meu filho, eu não tinha instagram para comunicar-me com você. Por isso escrevi
com a minha caneta. Eu sinto orgulho do homem que você se tornou. Honesto,
trabalhador, estudioso, foi uma honra ter sido o seu pai. Mas quero alertar-lhe:
não viva num mundo virtual. Pode ser que sinta saudade de quem já partiu e esse
alguém não terá como comunicar-se com você. Seja abençoado, filho
querido."
A segunda
tinha o seguinte recado:
"Jussara,
querida filha, você saiu-se igual a sua mãe: linda, inteligente, brilhante.
Quantas vezes eu quis vê-la bem de perto, falar com você, sentir o quanto você
cresceu. Mas eu não tinha whatsapp para me comunicar e nem facebook para ver o
seu rosto bem de perto. Contentava-me com a sua passagem pelo corredor de casa
ao sair para a faculdade. Espero que se lembre daqueles que são de carne e osso,
como eu fui, e que dependa menos de redes sociais para amar e ser amada. Um
beijo, minha princesa."
E a última
dizia:
"Airton,
você é o mais velho. Também é o mais forte, mais vigoroso, mais ousado. Eu
sempre admirei a sua força de vontade, a sua valentia, a sua coragem. Pena que
não tinha tempo para mim. As horas de intervalo entre o trabalho e a faculdade,
os finais de semana, estavam ocupadas com jogos virtuais, com as turmas que se
encontravam nas lives e nos chats com câmera. Como eu não tinha celular não pude
fazer parte daqueles que obtinham a sua atenção. Seja feliz, meu filho, mas se
lembre de quem existe fora da sua mídia. Pode ser que descubra muito tarde que
sinais eletrônicos não duram para sempre e que as pessoas reais estão do lado de
fora. Deus te abençoe".
Esses filhos
estavam inconsoláveis. A viúva, pobre mulher, não sabia se chorava pelo marido
morto ou pelos filhos desesperados.
Quando a hora
de fechar o caixão chegou os órfãos de pai depositaram seus aparelhos celulares
telemóveis dentro do caixão, todos sobre o peito do pai. Deixaram-nos ligados
com uma frase:
"Perdoe-me, papai..."
Tarde demais
para aquele pai ver a mensagem. Tarde demais para aqueles filhos que trocaram o
real pelo virtual.
Mas pode ser
cedo ainda para quem me lê, caso esteja transformando o mundo virtual na única
verdade de sua vida, esquecendo-se das relações humanas e afetivas necessárias
para a prática do verdadeiro amor e da nossa humanidade. Quem se comunica por
celular dentro da própria casa experimentará a maior solidão interior no dia em
que não tiver mais a oportunidade do encontro pessoal com quem estava ao
lado.
Que não
troquemos o real pelo virtual. Que não nos esqueçamos que nada supre uma relação
autêntica presencial. Na pandemia esses equipamentos são uma muleta necessária.
Mas, quando terminar a praga, que amemos, que abracemos, que invistamos tempo
com pessoas reais, que nos sintamos humanos, que sejamos cristãos e que ninguém
morra sem sentir o afeto dos seus.
A todos o meu
cordial abraço.
Wagner
Antonio de Araújo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário