A VIDA
PASSA...
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O entardecer da vida não é fácil para
ninguém. Nem para quem o atravessa, nem para as pessoas que amam os que estão
terminando a jornada. Como seria bom se nunca envelhecêssemos, se nunca
adoecêssemos, e até se nunca crescêssemos, se fôssemos sempre crianças! Mas a
realidade é muito diferente. O tempo é um rio imenso, onde, pelas margens, as
pessoas vão chegando e outras tantas vão partindo. Uns entram e ficam por pouco
tempo nas caudalosas águas cronológicas. São os que morrem no ventre, abortados,
adoecidos. Outros nascem e logo na infância são ceifados. Outros vivem dez,
vinte, até trinta anos. O pai do Pr. Timofei Diacov partiu antes dos trinta
anos, deixando muitos filhos. Outros, contudo, atravessam um bom pedaço desse
rio, saindo pela margem aos oitenta, noventa ou cem anos. E, geralmente,
cansados, desgastados, adoecidos.
Cheguei há pouco da visita que fiz ao
querido Pastor Timofei Diacov. Ele está numa casa de repouso e cuidados na
cidade de Mairiporã, Grande São Paulo. Com ele estão outros vinte idosos, uns
caducos, outros ainda em condições razoáveis. Todos, contudo, envelhecidos,
carcomidos pela passagem dos anos. O Pr. Timofei Diacov, obreiro de Cristo há
mais de sessenta anos, está cansado e com a mente desgastada. A periferia das
memórias não é mais gravada ou lembrada. Ele se esquece de tudo, não conhece
mais ninguém, exceto alguns de quem tem memória antiga. Ele não tem muita
consciência de onde está ou até quando ficará. Infelizmente não deve regressar à
sua casa, próxima dali, pois já não anda mais e precisa de cuidados
profissionais o tempo todo. Sua rotina é banho, comida, sentar-se, dormir,
receber visitas, lembrar de alguma coisa antiga, adormecer, ver a manhã chegar e
o dia terminar. E mais um, e outro, e outro.
Um homem como ele, operoso, trabalhador,
agora numa rotina final de dias e noites semelhantes, com poucas lembranças e
sem uma atividade ministerial, é algo doloroso de se ver. Timofei, em seus
últimos vinte anos, sem pastorear uma igreja local, escrevia praticamente cinco,
seis, sete artigos por dia. Durante a tarde ia à Santa Casa visitar os enfermos.
Outras tardes tocava a campainha das residências, oferecendo-se para orar pela
família e pregar o evangelho. Também fazia programas radiofônicos e evangelizava
a quem podia. Aceitava convites em igrejas para palestrar e proclamar a
salvação. Um mestre por excelência, um professor teológico que formou centenas
de obreiros ao longo dos sessenta anos de serviço. Foi seminarista do
inesquecível José dos Reis Pereira, aluno do saudoso Manoel Avelino de Souza.
Auxiliou Rubens Lopes na administração da Ordem dos Pastores Batistas do Estado
de São Paulo. Celebrou centenas de casamentos e batizou milhares de pessoas. Sua
voz foi ouvida por quase todos os púlpitos batistas do Estado de São Paulo e,
através da internet, seus artigos e vídeos edificaram muitíssimas vidas. Agora
está recostado na poltrona, coberto e confortável dentro do possível, aguardando
sabe-se lá o quê. Pregar? Não mais. Visitar? Não poderá. O que lhe espera?
Certamente que a chamada final do Senhor, quando, pela mão, o conduzir ao
além-túmulo, ao lar celestial, ao sono do corpo e ao Paraíso da Alma, aguardando
a ressurreição dos salvos pelo sangue de Cristo.
Voltei muito pensativo. Vi aqueles
idosos no recanto. Recanto? Um nome ilusório para a triste realidade: sala de
espera para a partida... Alguns estão lá porque os filhos não os querem ver. É o
caso de uma senhora, cujos filhos pagam para não vê-la. Outros estão porque
necessitam de cuidados impossíveis de receberem em casa. Outros lá estão porque
não têm mais ninguém neste mundo. Ficam numa sala grande, uns mastigando as
dentaduras, outros falando sozinhos, outros olhando para a televisão e
contemplando um grande vazio. E outros estão adormecidos nas cadeiras de rodas
ou em seus próprios leitos. Até que a hora derradeira
chegue.
Aqui, diante do meu computador,
pensativo e contemplativo, lembro-me de alguns textos.
Tudo quanto te vier à mão para fazer,
faze-o conforme as tuas forças, porque na sepultura, para onde tu vais, não há
obra nem projeto, nem conhecimento, nem sabedoria alguma. (Ec 9:10). Sim, é isto
que a Bíblia ensina. Trabalhar enquanto se tem forças. Fazer o possível e o
impossível para usar da melhor maneira possível o tempo que nos é dado, cujo
saldo não é ilimitado. Enquanto estamos no uso de nossas faculdades, de nosso
físico, que não olhemos para as dificuldades, que são bênçãos para o nosso
crescimento, mas para a urgência de se trabalhar com toda a energia enquanto
temos forças. Quando estas se vão, quando a mente fraqueja, já não há nada mais
a fazer.
Remindo o tempo; porquanto os dias são
maus. (Ef 5:16). Sim, remir o tempo. Fazê-lo ser bem aproveitado. Temos vinte e
quatro horas no relógio, mas muitas vezes nos perdemos em banalidades que não
deixarão nada construído. O que hoje é muito bacana (diversões, festejos,
futilidades), amanhã não terão qualquer serventia. Mas quando trabalhamos e
construímos um patrimônio testemunhal, cultural, serviçal, então teremos muito a
agradecer e deixaremos para os que chegarem uma grande riqueza, a qual os
ajudará a levar as suas vidas com uma direção muito segura. Tenho aqui em minha
biblioteca mais de mil artigos do Pr. Timofei Diacov, ainda não digitalizados;
tenho centenas de esboços de sermões que ele preparou; tenho quase uma centena
de vídeos de pregações e três centenas de programas de rádio. Um patrimônio
destes é um oásis no deserto, um poço de cultura bíblica e edificação a todos os
que desejam refugiar-se. E como foi conseguido? Com trabalho e urgência. O
pastor trabalhava. E trabalhava com grande dedicação. Ele não perdia tempo. Ele
não reclamava. Ele usava o que tinha. E construiu um nome que figurará entre os
heróis da fé.
Convém que eu faça as obras daquele que
me enviou, enquanto é dia; a noite vem, quando ninguém pode trabalhar. (Jo 9:4).
Jesus disse isso porque teria três ou cinco anos de ministério terreno. Não
havia tempo a perder. E nós? Quanto tempo teremos no uso de nossas faculdades?
Qual será o dia em que o corpo sucumbirá às deficiências e dificuldades? Nós não
sabemos. Mas podemos aproveitar o dia que recebemos e transformá-lo num dia
muito bem vivido e cheio de responsabilidade. Deus dá o vigor! Deus dá a
direção. Deus dá a força.
Combati o bom combate, acabei a
carreira, guardei a fé. (2Tm 4:7). O Pr. Timofei Diacov pode dizer isso com toda
a sua convição. Ele combateu o combate da fé e da vida o quanto pôde. Ele
cumpriu a sua carreira de pregador, de pastor, de professor, de visitador, de
evangelizador, de radialista, de articulista, de literato, de pai, de marido, de
cidadão, tudo com maestria e com perfeição. Fez tudo o que era possível fazer.
E, coroando tudo isso, guardou a fé. Ele esqueceu-se de muita coisa neste
momento. Só não se esqueceu de que Jesus Cristo é o seu salvador pessoal e que
sua vida está comprada pelo sangue do Cordeiro de Deus. Sua mente pode até
apagar-se, mas o sangue de Jesus já o remiu de todos os pecados e o salvou para
a glória do Seu nome.
E eu, aqui, escrevendo aos meus amigos,
penso nos dias que me restam. Já vivi bons cinquenta e um anos (a idade que o
Pr. Timofei tinha quando me evangelizou, e eu tinha quatorze anos...). Deus
deu-me dois filhos lindos para criar. Deu-me uma esposa amorosa e fiel com quem
viver a vida comum do lar. Deu-me um ministério pastoral, atualmente
desenvolvido na Igreja Batista Boas Novas do Rodoanel em Carapicuíba, igreja que
pude iniciar ao lado de meus irmãos. Deu-me a oportunidade de escrever artigos,
publicar vídeos, publicar livros. Concedeu-me novamente a responsabilidade de
presidir a ordem de pastores. E me concedeu a graça de viver. O que fazer com o
resto dos meus dias? Creio que a Bíblia me responde:
Assim como o Pai, que vive, me enviou, e
eu vivo pelo Pai, assim, quem de mim se alimenta, também viverá por mim. (Jo
6:57). Viver por Cristo - eis o segredo! Jesus prometeu-nos um além, uma vida
após o fim desta. Quando, do rio do tempo, sair pela margem, entrarei por um mar
imenso, cuja duração será eterna. Lá não diremos mais adeus. lá o nosso corpo
não mais se desgastará. Lá não teremos mais enfermidades, nem seremos vitimados
pela maldade ou pelas fatalidades. Lá estaremos sempre com Jesus e encontraremos
os nossos queridos, que também serviram a Jesus. Lá a morte será tragada na
vitória. Assim, " se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos
de Deus um edifício, uma casa não feita por mãos, eterna, nos céus." (2Co
5:1)
Oh, Senhor! Que a brevidade da vida
imprima em meu coração a urgência de servir, de trabalhar, de amar, de cultivar
o amor e de preparar-me para a partida! Em nome de Jesus,
amém!
Wagner Antonio de
Araújo
14/06/2017
Mais que um texto maravilhoso, é uma poderosa, profunda e clara mensagem sobre a vida e a necessidade de vivê-la para a Glória de Deus. Mensagem desafiadora e reconfortante, como um bálsamo.
ResponderExcluirQue Deus continue abençoando o pr. Wagner Antônio de Araújo com Seu instrumento-arauto do Senhor.
Pr. Eliseu Lucas, servindo a Deus como Professor de História em Redes Públicas de Ensino Fundamental e Médio.