04 - QUE
SAUDADES!
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No bairro onde cresci havia um atendente prático de
farmácia. Há cinquenta anos ele era o farmacêutico. Vestia um uniforme branco,
andava com uma pastinha de injeções e remédios, visitava os lares, indicava
tratamentos. Ele tinha orgulho do que fazia. E era especialista; nunca cursara a
faculdade, mas formara-se e doutorara-se na missão que escolheu para si. Sinto
saudades!
Também fui aluno de Dona Hermelinda, professora
veterana, que em 1974 já estava perto dos seus oitenta anos. Lecionou na minha
segunda série. Sua metodologia era antiga, ainda do tempo da palmatória.
Contudo, jamais em toda a minha vida conheci alguém que falasse tão corretamente
e que ensinasse a conjugação de verbos com a mesma clareza que ela. Lembro-me de
ter sido publicamente disciplinado numa chamada oral, como tantos outros. A
disciplina foi tão produtiva que me tornei o seu melhor aluno da turma e
costumeiramente ia à sua casa ouvir suas histórias e aprender mais sobre
gramática e ortografia. Ela era uma professora de primário!
Por fim, lembro-me do João da televisão. Ele era primo
do meu pai. As televisões eram a válvula, antigas, muito pesadas. Geralmente
quebravam. E, quando tal acontecia, todos sabíamos a quem chamar: o João da
televisão. Ele, de óculos pesado e uma pasta preta repleta de peças, abria o
aparelho, testava as peças, descobria onde estava o defeito e só deixava a nossa
casa depois de ver a tevê em perfeitas condições. Ele era um prático. Prático e
especialista. Que falta faz!
Hoje tudo é diferente. Um farmacêutico é especialista
de futebol. Um médico torna-se um político. Um professor vira militante político
e um técnico entende mais de UBER do que da área onde atua. São tempos de
confusão. O que deveria ser intrínseco à missão e à profissão de alguém torna-se
raro e exótico. "Olha, aquele padeiro sabe fazer pão! Como pode? Por que ele não
aperta o botão da máquina e deixa que ela faça por ele?"; "Professor que ensina
a fazer conta a caneta? Por que ele não ensina a usar a calculadora?";
"Encontrei um açougueiro que entende tudo de boi, galinha e peixe; esse homem
está no lugar errado, deveria abrir uma loja!" E assim seguimos, aceitando o
óbvio como bizarro ou inédito, e engolindo a mediocridade como natural.
É uma pena que nas igrejas e nos ministérios pastorais
vivemos coisa semelhante. Pastores são muito mais vendedores do que guias
espirituais. Entendem tudo de auto-ajuda, de animação de auditórios, de terapias
psicológicas e são exímios técnicos de futebol. Mas são analfabetos de bíblia,
possuem olhos secos que jamais choraram por um membro que sofria ou não sabem o
que é privar com Deus de uma autêntica hora de comunhão. Igrejas também perderam
a característica. Em lugar do culto temos um show nos moldes dos programas de
auditório televisivos. Em lugar do Espírito Santo temos energia e vivacidade. Em
lugar da pregação temos palestras de esportes, de negócios ou de análises
filosóficas. Em lugar de fé temos resignação ou feitiçaria (levamos objetos
mágicos para suprir a falta de Deus). Os crentes, que deveriam ser testemunhas
de Jesus na salvação dos povos tornaram-se membros de um bom clube de
entretenimento, cujo crescimento e alegria é tudo o que procuram.
Quanta saudade de um mundo decidido, onde cada um fazia
bem o seu papel, sem desejar o papel do outro! Um mundo do "SOU O QUE SOU" e não
do "O QUE SOU NÃO IMPORTA".
Queira Deus que eu, na missão de pastor, de pai de
família, de crente, de cidadão e de escritor, busque fazer o melhor nas áreas em
que o Senhor vocacionou-me e delegou-me. Queira Deus que encontremos padeiros
que saibam fazer pão, professores que saibam falar o português e farmacêuticos
que entendam de remédios. E crentes que conheçam Deus de verdade!
Wagner Antonio de
Araújo
28/06/2018
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