SÓ PARA
MIM
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O mundo tem perdido a sua
pessoalidade. Tornamo-nos midiáticos.
As famílias deixaram a
privacidade de seu convívio. Tudo hoje é exposto e transformado em terreno
comum. As coisas que comemos, as palavras que dizemos, as roupas que usamos, as
pessoas com quem conversamos, tudo transformou-se num grande espetáculo público.
Longe disto está a Bíblia, quando afirmava: Jardim
fechado és tu, minha irmã, esposa minha, manancial fechado, fonte selada. (Ct
4:12). O relacionamento afetivo entre duas pessoas era algo
confidencial, privado, honrado, restrito ao casal e a Deus. Hoje as pessoas
perderam o pejo e expõem a intimidade com ares de teatro (uma comédia bizarra
onde a tragédia reina...). Os celulares, que muitas vezes fazem de tudo (menos
ligações telefônicas...) tornaram-se câmeras foto-filmográficas, cujo conteúdo é
erguido em depósitos virtuais e visto por multidões.
As pessoas não se telefonam
mais! Elas mandam mensagens de texto, áudio e vídeo. Há alguns dias atrás um
irmão disse-me: "eu não ouvia a voz de minha irmã há três anos, e moramos a
500 metros, trocamos mensagens de texto todo dia. Que emoção eu senti com a sua
ligação!". Deixamos o contato pessoal e privado para a arena do espetáculo
dos relacionamentos grupais, típicos de gente que não possui mais a vocação para
uma amizade pessoal. Se pedimos oração, uma multidão diz que vai orar; mas
quantos oram e, ainda mais, quantos nos procurarão pessoalmente para saber como
estamos? O povo fica satisfeito com a celebração midiática, mas, será que
realmente há alguma celebração verdadeira, não uma farisaica demonstração de
espiritualidade e emoção?
"Quero falar com você".
"Mande-me um zap, um áudio,
um vídeo, um texto. Depois eu vejo."
As pessoas perderam o
contato umas com as outras. E soa como absurdo e aberração da natureza o
descobrimento de alguém que não possui um facebook ou um whatsapp! Olhamo-lo com
ares de compaixão e espanto, buscando alguma explicação plausível para tamanha
profanação do culto ântropo-sociológico. "Como ele sobrevive? Como está
vivo? Como ele se relaciona sem as mídias ou sem um grupo de whatsapp?" Dos
palácios granfinos até a mais modesta das vilas, o mundo deixou de viver e
tornou-se telespectador. Sentamo-nos na praça e vemos dezenas de seres
escravizados ao ecrâ. Tomamos um ônibus e lá estão os escravos da mídia. No
avião as pessoas sequer percebem quem está ao lado, tendo os olhos fitos nas
mídias e os ouvidos entupidos com fones. Não faz muito tempo um
otorrinolaringologista atendeu a um adolescente que reclamava de má audição. O
médico descobriu a causa: um fone de ouvido esquecido no buraco da
orelha...
Deus também tornou-se
virtual. Há tanta mensagem bíblica, tanto áudio e vídeo religioso, que eu, um
produtor de textos e mídias cristãs, sinto-me desconfortável em continuar a
escrever ou em publicar os sermões que prego. Tornamo-nos "carne de vaca a preço
de banana", excessivos e expostos a nenhum auditório. Ao dar início ao culto a
minha fala é: "se for gravar, pode usar; se for dialogar com gente de fora, pode
desligar; estamos em culto ao Deus Presente; respeitemo-Lo!" Sei de igrejas
cujos auditórios estão pela metade, com cinquenta por cento dos presentes
mergulhados em outros conteúdos.
Talvez já nem saibamos mais
buscar a Deus! Somos tão dependentes de mídia, de youtubers, de orientações de
terceiros, que precisamos de um tutorial de oração, um outro de quebrantamento;
mais um outro de discernimento. Alguém precisa criar um canal sobre "como
descobri Deus" e criar um bando de seguidores. A Bíblia deixou de ser a Voz e
tornou-se ferramenta de humor, de pesquisa, de lucro. Seguimos a nós mesmos e
Deus tornou-se supérfluo. Gosto do texto bíblico que fala sobre a experiência
dos três apóstolos ante a transfiguração de Jesus: E,
tendo olhado em redor, ninguém mais viram, senão só Jesus com eles. (Mc 9:8).
Só Jesus. Como falta isso em nós!
SÓ PARA MIM. Que saudades
de amigos que me mostravam algo de si, algo pessoal e importante (uma foto de
família, um documento particular, uma conversa privada, uma carta escrita à
mão)! Quanta falta da visita particular, do amigo íntimo com quem se
pode chorar, sorrir, discutir ou orar e interagir de forma real!
Às vezes o meu whatsapp
toca. Fico feliz em ver aquela pessoa me acionar. "Lembrou-se de mim!" Mas logo
a alegria vira decepção ao ver que só me mandou um dedão como positivo, uma
carinha de alegria ou encaminhou algo que alguém escreveu para todos (ou para
ninguém). Eu já disse preferir mil vezes um "olá" pessoal do que um longo texto
reenviado e plastificado. Creio que está chegando o dia de retornarmos ao SÓ
PARA MIM.
Será que nos esquecemos da
autêntica comunhão? Jesus falou sobre isso e chamou-a de AMOR. Falou que tal
dom/virtude é capaz de doar a própria vida em favor de outrem. Falou em visita
ao enfermo, em roupa para o nu, em comida para o faminto, em solidariedade para
o encarcerado. E falou no singular! E, respondendo o
Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus
pequeninos irmãos, a mim o fizestes. (Mt 25:40). Ele não falou de
amor por atacado; para Ele sempre foi no varejo. Se fosse no atacado o seu
rebanho seria uma boiada, contada a grosso. Mas para Ele não somos bois; somos
ovelhas! A este o porteiro abre, e as ovelhas ouvem a
sua voz, e chama pelo nome às suas ovelhas, e as traz para fora. (Jo
10:3). Ele tem encontros privados com a nossa alma, revelando-Se e
transformando-nos. Ele é um Deus único e PESSOAL. E quer que os Seus sejam
também crentes PESSOAIS, com relações pessoais e verdadeiras. Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós
também. (Jo 13:15)
Finalizando:
Só para
mim, não para todo mundo,
É o que
um amigo me concede.
Um
privilégio pessoal e mui profundo,
Que dá
vigor e a alma aquece!
Só para
mim e para os que comigo convivem!
Só para
si, como prova de minha consideração.
Só para
mim, grato pelos que assim me distinguem,
Só para
si, minha estima e verdadeira gratidão!
Wagner Antonio de
Araújo
30/01/2018
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