EM
CINQUENTA
ANOS...
1170
Há cinquenta
anos ela era uma igreja quase rural. Uma congregação de crentes quase iletrados.
Mal sabiam ler a bíblia, assinar o nome ou fazer contas. Mas eram valorosos. Os
pais de família eram respeitados. Se a cultura formal era pouca, sobrava
conhecimento para uma vida íntegra. Os pais ensinavam aos filhos o seu ofício e
as mães preparavam as filhas para serem boas mães, boas donas de casa ou
seguirem uma vida profissional externa, caso desejassem. O pastor era um homem
dedicado, de oração e de sólido conhecimento bíblico. Conquanto tenha feito
apenas um curso básico de teologia num seminário pequeno, era muito dedicado no
estudo da Palavra e não deixava a igreja nem desorientada e nem mal doutrinada.
Era um homem de Deus. Os seus joelhos eram calejados. Ele andava com
Deus.
Os cultos
eram simples. Leituras bíblicas, cântico de hinos tradicionais, corinhos
animados e simples, geralmente versões traduzidas pelos missionários há anos. Eles
começavam os cultos de joelhos dobrados e faziam juntos a refeição dominical do
almoço. Tinham o culto da noite e da quarta-feira também. Não havia divórcio no
meio da congregação e os filhos eram obedientes. Não se casavam por impulso, mas
consideravam a orientação bíblica: primeiro cuidar da lavoura e então constituir
família. Apresentavam seus filhos ao Senhor e os criavam à luz do evangelho.
Liam a bíblia em casa e pautavam a vida na Palavra de
Deus.
Cinquenta
anos se passaram. A igreja persistiu e chegou ao presente.
A região,
quase rural, hoje tornou-se periferia de uma grande cidade. Os crentes daquela
época já partiram para o Senhor. As crianças daqueles tempos são os avós e
bisavós de hoje. O templo simples, um galpão com benfeitorias e embelezamento
eclesiástico deu lugar a um prédio com salas bem equipadas e um salão de cultos
muito confortável. O pastor, antes um homem de curso teológico básico, agora é
um doutor com conhecimento pleno, cercado de um colegiado de mestres e doutores.
O número de membros não mudou muito, ainda que as qualificações físicas da
igreja tenham mudado. Eles mal sabem sobre a sua história. Não fazem menção dos
pioneiros nem sabem direito quem pastoreou a igreja por estes anos, exceto os
últimos dois obreiros.
As famílias
agora são complicadas. Há divórcios o tempo todo e os recasamentos são
constantes. Há adolescentes que são filhos de alguém que se casou três vezes,
cujos maridos estão na igreja. As mães trabalham fora e confiam os filhos à
creche e às escolas mais baratas. As caras também são procuradas, mas nem por
isso possuem nível moral melhor. Algumas famílias contratam babás que não são
cristãs e as crianças aprendem muita coisa imprópria. Outras, cristãs, gastam o
tempo a assistir futilidades na TV e na internet, provocando estrago similar. Já
os pais andam tão ocupados no ganho da vida que nem reparam em nada, desde que
não se machuquem. Os valores ensinados pelas mães às filhas são os de não se
submeterem aos maridos e não deixarem de ser independentes. Se forem se
relacionar com alguém, que se previnam de doenças e de filhos, independentemente
de casarem-se. E os pais ensinam aos filhos como torcer melhor pelo time, como
não beber em excesso e como se proteger em caso de fornicações diversas. Ninguém
considera o ensino bíblico sobre o assunto, pois, como se julgam muito
preparados intelectualmente, não precisam dos ensinamentos do
Senhor.
Aos domingos
vão ao culto. Geralmente escolhem ou o da manhã ou o da noite, pois têm muitas
atividades de lazer e coisas para fazer. Se vão pela manhã deixam as crianças
na área infantil, gastando o tempo a conversar com os seus amigos da igreja. Ali
combinam negócios, ações políticas e passeios. Gabam-se de suas aventuras
amorosas e criticam o mundo, o governo e o pastor. Depois, na hora do culto,
ouvem um sermão regado a erudição, com palavras difíceis e grandes bravatas
teológicas que jamais serão questionadas. Os pastores não cumprimentam, não
visitam, não oram e não amam. Eles são bons profissionais, mantendo a igreja bem
influente no bairro e na cidade onde estão. Para eles a Bíblia é um livro que
precisa ser atualizado e só serve para debates e análises existenciais, nada
mais.
Os casamentos
são celebrações sociais muito concorridas. Primeiro os arranjos, depois a mídia,
então o culto, onde o pastor prega bem pouquinho. Há sempre uma inovação: uma
dança especial, um grito de guerra dos outros solteiros, uma roupa estravagante.
E depois de tudo isso eles vão ao salão ao lado, onde a balada funciona com
direito a bebida, comida e muita sensualidade. Geralmente alguns são levados
bêbados para casa. Há alguns dias houve em um deles o festival de "funk
proibidão", com as mais podres expressões poéticas de gente que desconhece o
juízo divino. O pastor apreciou muito.
Enfim...
Esta é a
história desta igreja. Ela é semelhante a de inúmeras outras em toda a parte
deste planeta. Campos onde missionários deram a vida pela pregação do evangelho
tornaram-se grupos secularizados de encontros mundanos e sem qualquer semelhança
com o evangelho de Cristo. Os sucessores dos missionários que levaram o
evangelho a povos e tribos distantes criticam os seus pioneiros, dizendo que não
deveriam ter levado evangelho e cultura, esquecendo-se que hoje servem nas
instituições criadas por eles... A descaracterização eclesiástica faz parte da
arte satânica de montar o cenário para a chegada do anticristo. Em breve os
poucos crentes que há serão arrebatados, deixando as igrejas nas mãos daqueles
que nunca conheceram o olhar salvador do Senhor.
Para
terminar: tenho num copo a casca de várias cigarras que apanhei em árvores numa
viagem. Para quem as vê são cigarras transparentes. Mas não há cigarras, apenas
os seus restos. Assim estamos vendo as igrejas do Senhor. A casca, o nome e uma
leve aparência cristã sobrevivem. Mas a essência já se foi em muitas delas, e
e m outras estão em franco processo de desconstrução. Em breve nem precisarão se
chamar IGREJAS ou CRISTÃS, pois Cristo terá sido banido delas. E nós, os da
velha igreja, teremos sido arrebatados ou adormecidos no Senhor.
Que Deus nos
encontre fiéis, mesmo que as nossas igrejas estejam perdendo a sua essência. Que
sejamos um grão de ouro do Senhor no leito arenoso do rio da história.
Wagner
Antonio de Araújo
Nenhum comentário:
Postar um comentário