VISLUMBRE
DO
FUTURO
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Alegre e feliz o pastor foi
deitar-se. Um dia de muitas atividades, muitas alegrias. Era o terceiro pastor
desta nova igreja. Conseguira instalar o forro do salão de cultos, terminara o
lindo jardim de entrada e assinara a escritura de posse do terreno da
congregação que iniciara. Em breve uma nova igreja seria organizada, a primeira
na história desta igreja. Ele sentia-se alegre. E, em sua mente, imaginava o
quanto todos seriam gratos pelos seus trabalhos. Sem perceber, deixou-se levar
pelo ego envaidecido. E, acalentado pelo doce aroma do orgulho santo,
adormeceu.
Acordou cinquenta anos
depois. Era dia de festa. Aniversário da igreja. Gente de toda parte chegava. O
templo era o mesmo, com algumas pinturas novas, bancada moderna, um andar a mais
na estrutura que tão bem construira. Viu alguns poucos irmãos que conhecia, eram
as crianças e adolescentes de anos atrás. Sentou-se num local bem situado. O
culto começou.
Uma programação bonita. E
então a exibição dos homenageados.
Homenagearam o pastor, um
homem de meia idade, também político de carreira. Homenagearam a sua esposa, que
vestia-se com um modelo muito extravagante. Homenagearam a diretoria atual e
também os fundos para os quais a igreja contribuia. Igrejas organizadas pela
aniversariante também vieram prestar honras (a primeira era a que havia
organizado).
Quando o culto terminou, o
pastor entristeceu-se.
Ninguém mencionara o seu
trabalho. Nem de ele organizara a primeira congregação. Não falaram das lutas do
estabelecimento, das campanhas realizadas, das noites mal dormidas, dos desafios
que existiram. Ninguém mencionara os pastores que passaram pela igreja ao longo
de sua história. Apenas o atual recebera a glória de uma igreja construída por
diversos antes dele. Procurou algum quadro, alguma publicação, alguma coisa
exposta nos corredores do templo. Nada indicava que uma história anterior
existira. Cabisbaixo, saiu do culto, falando consigo mesmo: "Ninguém se
lembrou de mim. Ninguém mencionou o meu nome. Ninguém fez caso da história que
construímos".
Subitamente acordou. Estava
a ter um pesadelo! Suado e perplexo, percebera o quanto estava enganado. Por
maiores que fossem os seus esforços (e não foram poucos, com certeza!), duas
grandes realidades tornaram-se evidentes em seu coração
pesaroso.
A primeira era de que
toda a glória pertencia a Deus. Ele era o realizador da própria obra através de
Seus servos, de Suas igrejas, da geração que recebe a incumbência de estabelecer
as cordas das tendas aumentadas. Deus era digno de louvor, Deus era quem operava
em nós o querer e o efetuar. E toda tentativa de tomar dEle a glória
devida seria fadada ao fracasso, ao pecado. Eu sou o
Senhor; este é o meu nome; a minha glória, pois, a outrem não darei,
(Is 42:8). Paulo apóstolo teve grande trabalho para convencer os pagãos de que
as curas que aconteceram em Listra não vinham de si, mas do Deus vivo .
E dizendo: Senhores, por que fazeis essas coisas? Nós
também somos homens como vós, (At 14:15). Pedro e João fizeram o
mesmo, no caso do coxo curado à porta do templo de Jerusalém, afirmando que fora
Deus quem o curara. Homens israelitas, por que vos
maravilhais disto? Ou, por que olhais tanto para nós, como se por nossa própria
virtude ou santidade fizéssemos andar este homem? (At 3:12). Quando
o ego invade o espaço de glória que só a Deus pertence, então ergue-se o pecado
como flâmula e o Espírito de Deus não atua mais. E que
tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te glorias, como se
não o houveras recebido? (1Co 4:7). A glória
pertence a Deus.
A segunda verdade que pôde
detectar era a de que os homens têm memória muito curta. Eles fazem questão de
ignorar a história, o passado e as grandes lutas que trouxeram a vitória
celebrada. Na história de uma igreja o que menos importa é o suor e as lágrimas
dos pioneiros idealistas, daqueles que abriram uma picada no meio da floresta
virgem de uma região sem igreja. O povo gosta de exaltar o asfalto novo e bem
pintado, esquecendo-se de quem abriu a primeira trilha que deu origem à
rodovia. Na memória da geração atual o que menos importa é a lembrança de quem
lutou bravamente para fazer vingar e prosperar um trabalho. Como disse Salomão
"... já não têm parte alguma para sempre, em coisa
alguma do que se faz debaixo do sol. (Ec 9:6). Ninguém mais se
lembrará daquelas tardes quentes em que a família pioneira cedia o quintal da
casa para as escolas bíblicas de férias. Ninguém se lembrará dos cultos nos
lares, do ponto de pregação, dos bancos rudes e da sala apertada, das doações de
bíblias, dos folhetos, dos cultos ao ar livre, das visitas em dias de chuva, dos
primeiros batismos, do primeiro salão alugado e das vitórias pequeninas e
indispensáveis para que tudo chegasse onde chegou. Tudo isso foi esquecido, às
vezes pela desinformação, às vezes por maldade ou por qualquer outro motivo.
Este pesadelo trouxe ao
pastor a certeza de duas coisas.
A primeira é de que toda a
honra sempre pertence a Deus. Ele reavaliou algumas práticas que tinha, algumas
celebrações que visavam, em última análise, trazer a si próprio alguma glória e
vaidade. Deixou de fazer citações de suas próprias virtudes e de buscar elogios
para si. Ele conscientizou-se de que trabalhava para Deus e que por mais que
fizesse nunca seria o bastante para demonstrar gratidão suficiente. Assim também vós, quando fizerdes tudo o que vos for mandado,
dizei: Somos servos inúteis, porque fizemos somente o que devíamos fazer. (Lc
17:10) Além do mais Cristo fizera tudo na cruz e na vida e era o
responsável em dar poder, graça, condições e sucesso. Eu
sou a videira, vós as varas; quem está em mim, e eu nele, esse dá muito fruto;
porque sem mim nada podeis fazer. (Jo 15:5)
A segunda certeza (oh,
maravilhosa verdade!) foi a de que Deus não se esqueceria de seu trabalho.
Porque Deus não é injusto para se esquecer da vossa
obra, e do trabalho do amor que para com o seu nome mostrastes, enquanto
servistes aos santos; e ainda servis. (Hb 6:10) Por mais que os
homens procurassem apagar as memórias de seu serviço, por mais que tudo ficasse
relegado a documentos de museu ou registros de cartório, Deus não se esqueceria
do trabalho feito com amor e em nome de Jesus. Conheço
as tuas obras tendo pouca força, guardaste a minha palavra, e não negaste o meu
nome. (Ap 3:8) Esse pastor creu que o galardão que vale a pena não é
aquele que os homens concedem em suas celebrações jactanciosas, em suas
premiações temporais. O galardão que vale é aquele que receberemos diante do
Supremo Juiz, no dia em que prestarmos conta de nossas vidas. E, eis que cedo venho, e o meu galardão está comigo, para dar a
cada um segundo a sua obra. (Ap 22:12) Assim, ele tentaria não se
frustrar mais quando se esquecessem de suas vitórias e o privassem de merecidas
homenagens. Bastaria lembrar que Deus jamais se esqueceria e isto seria o
suficiente.
Os próximos meses na vida
daquele pastor foram muito melhores. Ele, consciente de que era apenas um servo,
servindo com alegria e cada vez mais. Mandara refazer a placa da igreja, que
tinha um grande retrato de si mesmo, trocando-a pelo nome de Jesus. Tornou-se
grato a Deus por cada chance de servi-Lo. Ele já havia recebido o bem maior, a
vida eterna através de Jesus Cristo e de Seu sacrifício; servi-Lo fielmente era
o mínimo que podia fazer para dizer a Ele: muito obrigado!
Que Deus dê aos leitores a
mesma convicção, de que a glória pertence a Deus e de que Ele não se esquecerá
do trabalho feito para Ele, ainda que os homens se
esqueçam.
Wagner Antonio de
Araújo
26/03/2018
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