PANOS
DE
PRATO
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Dona Maria
estava mostrando a sua casa para as amigas. Uma casa bem chique, bem mobiliada.
Havia uma cristaleira belíssima, uma prataria chinesa que dava gosto. Mas ela
dizia várias vezes, enquanto exibia a sua cozinha: "vou mostrar o mais
especial". Bem, as mulheres esperavam algum equipamento de última geração, uma
panela dourada ou uma coleção de talheres artesanais. Foi então que abriu um
armário de madeira de lei. Ali estavam, em pequenos cabides, vários panos de
prato. As mulheres não entenderam nada.
Não eram
panos novos, muito trabalhados, de grifes internacionais. Eram panos rotos,
alguns até rasgados, manchados pela ação de gorduras e anos de uso. Alguns eram
panos que as companhias de gás ofereciam com a compra de botijões. Outros eram
comprados nos semáforos, onde pobres senhoras vendiam seus tecidos para a
sobrevivência. Ainda outros mostravam-se muito antigos, com bordas trabalhadas
em crochê e renda.
- Amigas,
aqui estão as maiores riquezas de minha cozinha. Estes panos de prato foram os
grandes responsáveis pelas louças limpas e brilhantes, pelo brilho e a limpeza
de minha mobília de cozinha. Nenhum deles esteve presente nas festas que dei,
nas recepções que fiz ou junto dos guardanapos de linho que decoravam os pratos.
Eles nunca participaram das festas. Sua chegada era após as refeições, quando
todos saíam da mesa e só sobravam as louças sujas na pia. Eles nunca eram
vistos, nunca foram honrados, nunca foram valorizados. Um dia, quando a
empregada enxugava a louça o pano de prato caiu. Eu fui pegá-lo. Ao ver o seu
desgaste e o quanto me fora útil, tive pena e pensei naqueles que tanto servem e
que nada recebem...
- Pensei nas
mães que embalam os filhos e depois são esquecidas num quarto anexo ou num
asilo, ignoradas nas formaturas ou nas celebrações da prole. Pensei nas mãos
calejadas dos pais, que atravessavam dias a fio no esforço da mantença caseira e
que, depois, quando velhos, nem visitas dos filhos e netos recebem. Pensei nas
babás que tanto cuidaram das crianças dos patrões e que, depois, foram
demitidas, esquecidas, arrancadas das fotografias e relegadas a simples
ex-prestadoras de serviço. Pensei nos professores que ensinaram-nos a ler e a
escrever e que hoje, depois de tanto tempo nem nos lembramos de seus
nomes...
- Pensei no
entregador de cartas que por anos e anos trouxe a nossa correspondência, ou no
padeiro que assou os nossos pães na padaria a quem nunca agradecemos. Pensei no
dentista que acompanhou o desenvolvimento dos nossos dentes e no pediatra que
viu os nossos filhos crescerem. Pensei no guarda noturno que apitou por anos nas
suas rondas noturnas e no inspetor da companhia de luz, que consultava o
reloginho de consumo mês após mês. Pensei no vizinho que tomou conta de nossa
casa quando saíamos em viagem, na empregada que conhecia cada vão nos móveis e
cada centímetro de espaço em nossos cômodos, e nas pessoas que nem sabemos que
olhavam por nós...
- Pensei nos
pastores que foram esquecidos nas festas e nas comemorações, que nunca receberam
algo precioso de nossas mãos, que nunca foram contados como pessoas importantes
em nossa família ou em nossa história, e que sempre estavam prontos e dispostos
a nos ajudar nas horas de crise, de choro, de luto, de briga, de desavenças, de
aconselhamento. Pensei nos ministros religiosos que estiveram à beira do leito
no hospital, na celebração do funeral de gente amada e a orar por nossas lutas,
nossas necessidades. Pensei em cada sermão entregue, em cada aula dos
professores de EBD e o quanto nunca os honramos, nunca os exibimos em nossas
fotos, porque nunca os convidamos para estarem conosco...
- São todos
panos de prato. Nunca estão no melhor da festa. Eles até estão por perto, mas
jamais são convidados a estar à mesa, junto de nós. Mas sempre aparecem quando a
festa termina e sobra trabalho, sem jamais reclamarem. Nós nos socorremos de
suas virtudes. Eles gastam-se por nós; fazem tudo o que podem para nos suprir;
adquirem marcas do tempo e sequelas de seu uso continuado, cicatrizes do amor
prático. Jamais ficam como novos, como quando os conhecemos e tudo porque nos
serviram, nos amaram, nos ajudaram, nos ampararam. As rugas no rosto e as marcas
nas mãos são testemunhas de vidas gastas em nosso favor...
- Tudo isso
aquele pano de prato caído no chão me falou. E desde então eu cuido deles como
jóias preciosas, como tesouros de fenomenal valor. Eles valem por tudo o que
fizeram, por tudo o que não receberam e por tudo o que ajudaram. Eu os tenho
como o maior tesouro de minha cozinha. E por causa deles fui em busca daqueles
que tanto bem me fizeram e que de mim nunca receberam um obrigado. Ah, que
preciosidade eu encontro nestes velhos e rotos panos de prato! Bem, vamos ao
nosso café de hoje...
Dona Maria
estava certa. Nós desprezamos os panos de prato. Eu, ao passar as roupas aqui em
casa, dou um cuidado especial nos panos de prato. Faço questão de deixá-los
cheirosos, bem dobrados, retinhos e muito, muito perfumados. É o mínimo que
posso fazer em honra de quem tanto nos serve. Quisera Deus que pudéssemos fazer
isso para com as pessoas que silenciosamente nos servem, nos ajudam, nos
amparam, se preocupam conosco. Olhe a mulher que está no fogão agora, ou na pia
a lavar a louça. Olhe para quem zela de seus filhos ou para o pastor, que
silenciosamente ora por sua vida e lhe envia mensagens. Não será ele também um
PANO DE PRATO?
É hora de
sermos mais gratos.
Wagner
Antonio de Araújo
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