IGREJINHA
DO
INTERIOR
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Trafegava com o meu carro
numa cidadezinha pacata, a caminho de outra grande cidade. De repente eu vejo,
numa rua tranquila, um pequenino templo de alvenaria, com telhas de barro, uma
igrejinha batista velha. Não me contive. Parei. Era amarela, com detalhes em
marrom. Uma pequena escada de cinco degraus levava à varanda da frente. Ali, com
pilares antigos, erguia-se uma varanda gostosa, com samambaias penduradas em
cada coluna. Eram meia dúzia. O chão era de caquinhos (cacos de cerâmicas
vermelhas, pretas e amarelas). Ah, que nostalgia! Na casa ao lado, com quintal
longo e varal de roupas, ouvia-se uma canção instrumental de viola, no rádio
velho de válvulas, pendurado na parede da cozinha.
A porta estava aberta.
Entrei. Um tapume de madeira separava o ruído da rua da paz da igrejinha. Nele
estavam velhos cartazes de campanhas antigas, inesquecíveis, levadas ao
exercício da fé em anos de ouro. "Cristo, a Única Esperança", "Neste Século e no
Futuro, Jesus Cristo", "Fala e Não Te Cales". As lágrimas desceram pelo meu
rosto. Vi ali retratos pendurados, de cultos realizados há muito tempo.
Entrei. O chão era de
vermelhão (uma espécie de cimento com tinta vermelha misturada). Estava bem
encerado. Os bancos eram de madeira, de formato antigo. Tinham genuflexórios,
que raridade (aquela madeira onde as pessoas podem ajoelhar-se!). Se cinquenta
pessoas coubessem ali, seria muito. Havia seis janelas, janelões antigos. Os
vidros eram coloridos, dando a idéia de vitrais de igreja, muito bonitos. O teto
com forro de cedrinho pintado. As luzes eram amarelas, fortes, e quatro
ventiladores de parede erguiam-se, velhos, de ferro e, ao que pareciam, muito
fortes. Após o banco havia uma linda mesa de Ceia do Senhor. Nela, entalhado na
madeira, estava a inscrição: "Em Memória de Mim". Era velha, provavelmente de
madeira de lei, muito bem envernizada. Um vasinho de vidro com rosas vermelhas
erguia-se ao meio, em cima de um pequenino caminho de crochê, provavelmente
feito pelas servas do Senhor de muitos anos atrás.
Duas escadinhas laterais
davam acesso ao púlpito. Três degraus cada uma. Então a plataforma erguia-se,
uns 3 metros de espaço por uns 8 de largura. No canto esquerdo um órgão MINAMI
antigo, mas conservado, coberto com um tecido púrpura. No canto direito um
piano, pequeno, mas bonito. Abri seu teclado e vi que as teclas estavam
amareladas, com sinais de já terem sido sobejamente usadas no louvor do Senhor.
No meio estavam três cadeiras estofadas, antigas e bonitas, bem fortes. E, à sua
frente, um púlpito escuro, de madeira envernizada, com laterais estendidas e
três prateleiras internas. Dentro estavam folhetos evangelísticos, bíblias,
hinários, envelopes de dízimo, cartões de visitantes da Escola Bíblica Dominical
e livrinhos para a classe de catecúmenos. A parte de cima formava uma bíblia
aberta, grande, entalhada na madeira. E, em cima havia uma bíblia de púlpito, da
década de cinquenta, com beiras vermelhas, gastas, e papel amarelado pelo tempo.
Duas portas laterais, ao
lado dos instrumentos, davam acesso ao batistério. Este, modesto, erguia-se
acima das cadeiras, na parede final. Era um tanque de água bem construído, com
azulejos internos e uma paisagem de rio em sua fachada, acima do vidro protetor,
dando, aos que olhavam para o púlpito, uma imagem de natureza muito bonita e
realista. Imaginei quantas vidas ali não tinham testemunhado a sua fé em Cristo,
o seu amor por Jesus, descendo às águas batismais!
Sentei-me no primeiro
banco. Uma porta lateral dava acesso do salão ao corredor externo. Havia uma
plaquinha que dizia: "sanitários / gabinete pastoral". Vi uma mesinha cheia de
materiais de evangelismo. Levantei-me e fui verificar. Ah, que saudade!
Evangelhos de João da Liga do Testamento de Bolso, maços de folhetos "Boas-Novas
Brasil", "A Cruz e o Punhal", "Ele Quer Ser Seu Amigo". Alguns macinhos de
convites de séries de conferências de Páscoa, de Natal, realizados há anos,
também estavam disponíveis ali.
Ao sair pelo corredor vi os
banheirinhos. Um para as mulheres e outro para os homens. Simples, com três
vasos cada um, e no dos homens dois mictórios também. E o gabinete pastoral era
ao lado. Uma sala grande, dava para imaginar, mas estava fechada. O resto do
terreno era um quintal gramado, com alguns brinquedos infantis e um rancho ao
fundo, com cadeiras para crianças, certamente para a Escola Bíblica
Dominical.
Não havia ninguém.
Estranhei que tudo estivesse aberto. Fui até a porta e li uma plaquinha: "Casa
de Oração Para Todos os Povos - Entre para Orar, Saia para Servir". Fiquei
feliz, pois eles deixavam o templo aberto para que as pessoas ali fossem buscar
a face do Senhor! Cidade pequena, pacata, todos conhecem a todos, poucos
perigos. Então voltei ao banco e orei. Orei ao Deus dos Céus. Orei ao Senhor a
quem me rendi em fevereiro de 1980. Orei Àquele que me chamou para servi-Lo na
pregação de Sua Palavra. Orei a quem me levantou do leito de morte em 1982. Orei
a quem me confiou a graça de amá-Lo. Orei e chorei. Era uma igrejinha velha, à
moda antiga. Um templo batista no meio de uma cidadezinha pacata, pequenina e
distante dos centros urbanos. Mas estava alí, ereta, testemunhando a fé em
Cristo daqueles que a fundaram e, espero, a fé contemporânea daqueles que ali
ainda O servem hoje. Está tão raro encontrar uma igreja com cara de igreja!
Levantei-me para seguir
viagem. Um senhor idoso, do outro lado da rua, gritou: "Deus te abençoe, vá em
paz!". Sorri e fui embora. Não fotografei nada, mas guardei no coração, na
memória e na história de minha vida. O dia em que voltei no tempo, visitando a
igrejinha do interior.
Bendito seja Deus pelas que
ainda existem, sejam batistas ou de outras denominações, mas bíblicas e que não
abandonaram a fé! Queira Deus abençoar os cultos que ali acontecem, os seus
pastores humildes e o seu povo simples. Que sejam instrumentos nas mãos do Pai
em tudo o que fizerem, falarem, planejarem e orarem. E que Deus os revista de
graça e de amor!
Wagner Antonio de
Araújo
14/07/2017
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