EU JÁ
ME
BANHEI
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Foi na última quarta-feira.
O frio era intenso. No carro eu tinha ar aquecido. Fui até a capela da Boas
Novas. Ao chegar, deparei-me com um monte de panos jogados no chão. Pensei
tratar-se de lixo. Olhei bem e vi, embaixo daquilo, uma pessoa. Não sabia bem se
era uma mulher ou um homem. Chamei-lhe. Era um homem, um senhor moreno, com
barba, todo encolhido, ao lado de um pão de forma e um copo com
água.
- Meu senhor, o que faz
aqui?
- Estou descansando. Só
preciso de um cobertor.
- O senhor está com três
cobertas; mas ficar aí será fatal; está muito frio. O senhor já jantou?
Ele disse-me que não tomara
café, não almoçara e nem jantara. Disse que morava em Guarulhos e que pegara um
ônibus, outro ônibus, e acabara parando ali.
Na hora pensei em levá-lo a
Guarulhos. Deixaria o irmão Dival a tomar conta do culto de oração. Contudo,
estendendo a prosa, percebi que o homem tinha idéias confusas, desconexas. Ele
pediu-me um banho.
Aquilo doeu o meu coração.
Eu, com o meu dormitório ao lado do gabinete, um banheiro com chuveiro quente e
este senhor do lado de fora. Como poderia negar-lhe o benefício? Além disto Deus
poderia ter trazido este senhor à porta, para que recebesse de cristãos os
cuidados necessários.
Corri até a irmã Esmeralda,
cuidadora e vizinha, para ver se conseguia uma sopinha e uma calça usada para
ele, pois a sua estava toda rasgada. Trouxe-o ao meu gabinete. Ofereci-lhe
serviço, mas ele não quis e falava coisas confusas. Levei-o ao banheiro. Ali
estava a minha toalha, o meu sabonete, tudo limpo e cheiroso. Eu lhe
disse:
- Seu Gilberto (este era o
seu nome), o que é meu é de Deus. O senhor é alguém que precisa. Eu tenho outro
banheiro aqui, mas quero que use o meu. Tome um banho demorado e use todo o
sabonete e xampu. Sinta-se em paz. O senhor não me deve nada. Depois o levarei
até a Estação de Carapicuíba, para que possa encontrar algum lugar melhor para
dormir, pois aqui fora não será possível o senhor ficar.
Ele entrou no banheiro, a
irmã Esmeralda trouxe a sopa e, em um minuto saiu como entrou. Disse: "Eu já me
banhei". Eu estranhei. Como poderia ter se banhado? Nem tirara as roupas! Ao
chegar no banheiro encontrei a minha toalha branca toda suja. Ele tomou-a,
passou na cara e na cabeça e chamou aquilo de banho. Perguntei-lhe se realmente
havia se banhado. Ele falou com braveza: "Sim, senhor, já me banhei". Encerrei o
assunto.
Posteriormente rejeitou a
sopa e pediu para que o levasse à estação. Esmeralda conseguiu uma calça usada
para ele, que a vestiu por cima da outra furada. Levei-o a Carapicuíba e ele,
após muita conversa desconexa, foi embora. E regressei à
igreja.
Estava pensativo e
contemplativo. Um irmão disse-me que alguns mendigos são assim mesmo, não tomam
banho; estão acostumados a limpar apenas a cara e as mãos; vão vivendo assim,
sem sensibilidade. Este agiu assim. Aliás, pelo saldo de suas prosas, fez da rua
a sua vida e não quer viver diferente. Ofereci serviço, ofereci comida, ele
queria ir embora. Mas o que mais me indignou foi ter rejeitado o banho decente,
digno, que eu lhe oferecera. Dei o meu banheiro, cedi aqueles materiais que
julgo bons e selecionados para o meu uso. Ele sequer abriu o chuveiro! Há quanto
tempo não estaria nas ruas sem a possibilidade de um banho digno, demorado, com
água quente, limpa, com perfume, sabonete, xampu e com barbeador? Deus do céu,
eu lhe dei a mão e ofereci-lhe a dignidade, ele rejeitou a oferta e preferiu
ficar como estava!
A que ponto chega um ser
humano! Perde a sensibilidade, perde o bom senso, acostuma-se à sujeira, ao
fedor, à podridão e não consegue mais preferir aquilo que é bom! Porque assim diz o Senhor Deus, o Santo de Israel: Voltando e
descansando sereis salvos; no sossego e na confiança estaria a vossa força, mas
não quisestes. (Is 30:15). O pecado é assim, chega sorrateiro,
invade a vida da pessoa, destrói os seus valores, o seu patrimônio cultural e
familiar, despe-o da limpeza, lança-o nas ruas e sarjetas da vida e, por fim,
impõe sobre ele o jugo de não querer mais sair desse atoleiro! Estou cansado de
ouvir histórias de gente que foi ajudada, amparada, que recebeu cuidados e que,
de um dia para o outro, lançou-se novamente às ruas, à vida anônima de
andarilho, aos córregos fétidos e aos pés sujos de uma caminhada
infeliz!
O Sr. Gilberto, sem ter
consciência da verdade disse convictamente: "JÁ ME BANHEI".
Banhou-se? Em quê? Numa
toalha que emporcalhou? Sem água? Sem encarar de frente a sua sujeira?
Assim também é aquele que
se envolve no pecado. No princípio é uma sujeirinha moral que não é confessada.
É um deslize, uma traição, uma bebedeira, um joguinho a dinheiro, uma bituca de
cigarro, uma garrafa de cerveja, uma pornografia curta. Então, com as garras
enfiadas na mente, Satanás coloca o seu jugo, a sua corrente, o seu império,
sobre a vida do pobre infeliz. Afunda-o no lodo da imoralidade, na indecência
dos relacionamentos, no abismo das mentiras, na imundície da promiscuidade, nas
desonestidades comerciais.
E se lhe perguntam sobre a
sua fé, ele diz: "Já me converti!"; "Já sou cristão"; "Já fiz as minhas
orações"; "Já lí a minha bíblia". O Sr. Gilberto disse que era crente. Que
engano! Ele é um pobre escravo da perdição, que chama de banho uma toalha seca.
Os tolos se acham limpos no coração, mesmo sem terem se lavado no precioso
sangue do Cordeiro de Deus. Eles se satisfazem com a toalha seca de uma reza, de
uma promessa, de um amuleto, de um passe espiritual, de uma caridade, quando
ignoram por completo o prazer de uma conversão, de uma rendição total ao
Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo! Cristo, que transforma o homem por
completo, não é por eles procurado. Pelo contrário, eles acham que tem Cristo,
como o Seu Gilberto, que pensava ter tomado banho.
Olhei para o chuveiro do
meu gabinete, o meu sabonete, o meu xampu e pensei: bendito seja Deus pela
sensibilidade que não me foi retirada! Nem de longe imagino o dia em que
preferirei a sujeira ao invés de um banho quente. Graças a Deus tenho água e
material de higiene com o qual posso banhar-me quantas vezes quiser. Mas
lamentei por esse infeliz que, conquanto eu tenha lhe estendido a mão,
recusou-se receber amparo, deliberou continuar do jeito que
estava.
Seu Gilberto seguirá sujo,
achando que está banhado e limpo. E o pecador inconverso seguirá imundo,
caminhando para o Inferno, pensando que tem Deus e que está salvo. Ledo engano
dos dois! Pobre escravidão de ambos! Que Deus tenha misericórdia destes
miseráveis e que lhes mostre, de forma evidente, a sujeira de suas vidas, a do
primeiro no sentido físico, moral e espiritual, e a do segundo no sentido
espiritual.
Ambos precisam de um banho.
E você, já se
banhou?
Wagner Antonio de
Araújo
20/07/2017
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