QUASE
UM
BILHÃO
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Não importa o nome do
jogador de futebol, nem o time que abandonou, nem o clube que comprou o seu
passe. Os jornais mostram nestes dias o quanto ele ganhou em sua carreira (mais
de meio bilhão) e o quanto ele custou para mudar de time (quase um
bilhão).
A questão não é se é
lícito. Os homens criam as licitudes de acordo com as suas conveniências. O
problema é: isto é decente? Isto é moral? Isto é justo? Isto tem justificativa?
O time que o comprou diz:
"Ele renderá mais do que nós gastamos com a sua compra". Sim, o jogador é apenas
um investimento de alta rentabilidade. Certamente que deve haver cláusulas
quanto à sua mortalidade, pois já pensou se ele sofrer um infarto ou um derrame
cerebral? O jogador não passa de um produto para o lucro e ninguém quer ter
prejuízo.
Agora, sob o ponto de vista
da decência, seria isso algo construtivo? Certamente que o grupo dos
oportunistas, dos que não estudam ou dos pais espertinhos estão celebrando,
dizendo aos seus jovens futuros jogadores: "filho, concentre-se em ser um
jogador; esqueça os estudos, esqueça a decência, derrube quem puder; mas chegue
lá, pois quero ver você rico e eu também".
Com relação à moralidade,
não há nem o que dizer. Enquanto a maioria dos brasileiros vive uma subjugação
infeliz tão ruim quanto uma escravidão (O Egito cobrou 20% dos escravos no tempo
de José, e o Brasil leva quase 50% dos brasileiros...), e recebem um salário tão
mísero que não consegue manter uma boca bem alimentada, um jogador, bom ou ruim,
mas que aproveitou as oportunidades, galga degraus inimagináveis à quase
totalidade da população brasileira. Aquele colega que resolveu estudar, dando
asas ao desejo de se tornar um profissional, que ansiava por ser um médico, com
esforço hercúleo conseguiu manter-se até a faculdade, entrou num financiamento
horroroso para pagar seu curso de medicina, sujeitou-se à residência médica
torturante e, depois de oito anos, fez um salário de 4 mil reais. O colega,
chutador de bola, ganhou em uma negociação o que este médico não verá nem na
quinta geração de seus filhos, caso não chutem bola também.
Isso tem justificativa?
Para os hedonistas sim. O prazer a qualquer custo! O povo gosta de quem é
vencedor, seja em que área for. O povo festeja o sucesso de um chutador de bola.
É a lei do blefe: não importa que eu minta; se conseguir vencer, sou o campeão!
Então, neste país de oitavo mundo, se eu vencer e ficar rico serei considerado
um vencedor. Por isso o Brasil é tão patriota, quando nem o hino nacional sabe
cantar: seus heróis são indignos, com raras exceções. Quem são os nossos heróis?
Um camelô que ganhou fortuna vendendo bugigangas para os consumidores; uma
cantora que copulou diante das câmeras; um ator que fez um filme pelado; um
pastor que comprovadamente vendeu a fé para os incautos. Não importa. O povo
olhará e dirá: "Ah, se fosse eu no lugar dele faria a mesma coisa. Parabéns para
ele!"
Talvez a minha indignação
tenha algum eco em algum leitor. Mas a grande maioria dos que também sentiram
nojo com os valores desta negociação será hipócrita. No primeiro jogo onde
aquele time e aquele jogador aparecerem, irão com uma bacia de pipocas à frente
do ecrã, da televisão, e farão torcida pelos gols que o feliz chutador de bola
fizer e marcar. E que os colegas dele, infinitamente menos valiosos, consigam
jogar à altura e procurem sentir o mesmo prazer, se for possível, quando seus
gols pessoais forem remunerados com um centésimo da quantia do chutador
caro...
E assim a festa do país
estará completa. O povo a comer farinha com água, a usar ônibus de terceira
classe sem assentos ou conforto, trens e metrôs que mais parecem latas de
sardinha, pagarão os seus carnês e quitarão as dívidas no cartão de crédito
rotativo e, com alegria, dirão: "Goooolllll!!!". E o time comprador verá os
cifrões crescerem em suas contas. De quando em quando o chutador tirará uma
pestana de sua fortuna e fará uma escolinha de chutadores, ou um restaurante
para distribuir pratos de comida simples. E gerará filhos e filhos, na certeza
de que poderá pagar escola e comida para todos eles.
Falo do Brasil, ainda que
tudo isso tenha ocorrido na Espanha e na França. A civilização é
bizarra.
E viva a mediocridade deste
mundo tenebroso!
Wagner Antonio de
Araújo,
04/08/2017
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