EU NÃO
LHE
ESQUECI...
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Antonio Paulino de
Araújo. Este é o seu nome. Deus não é Deus de mortos, mas de vivos.
Papai se foi em julho de 1991. Mas está vivo no céu por promessa divina em Sua
Santa Palavra: Disse-lhe Jesus: Eu sou a
ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá; (Jo
11:25)
Um honrado pai de família, honesto, trabalhador, dedicado
ao extremo aos afazeres profissionais e consertos domésticos, ansioso por ver um
filho médico/atleta e outro engenheiro. Talvez fosse exatamente isso que ele
gostaria de ter sido, se oportunidade tivesse. Mas lá na roça, na Meia Légua, em
Cambuí, Minas Gerais, não havia a menor chance, e tinha que contentar-se com o
ciclo natural da vida: ser lavrador/boiadeiro, capinar, plantar, arar, colher,
pescar, casar, ter uma prole grande para acompanhá-lo na roça, envelhecer e
morrer.
Seguiu o caminho dos irmãos mais velhos: foi embora para
São Paulo. Caminhando pela estrada velha (a Fernão Dias nem existia ainda),
chegou na metrópole, sem lenço e sem documento. Tratou de arrumar trabalho
braçal. Encontrou-o nos loteamentos da Brasilândia, região que estava sendo
desmatada. Ajudou a construir os esgotos daquela região da capital, hoje zona
norte.
Alguém lhe deu a chance de trabalhar como zelador de um
prédio. Rapaz novo, bonito, chamou a atenção de um professor, que tinha carreira
no Banco do Brasil. Ele lhe arrumou escola, fê-lo estudar, e conseguiu
inscrevê-lo como mensageiro no banco, que, na época, era uma carreira das mais
invejadas e promissoras.
E meu pai foi crescendo, sendo próspero. Comprou um terreno
no loteamento da Vila Anglo-Brasileira, próximo do Sumarezinho, e construiu uma
“meia água”. Na ocasião, encantou-se com a filha do Seu Leandro, um vizinho
italiano, e seu irmão Roque encantou-se com a outra, e ambos contraíram núpcias
com as italianas de sangue, Elzira e Jovelina. Era 1960.
Enquanto o Brasil crescia, mesmo sofrendo confusões
políticas, papai trabalhava à todo vapor, estudando com afinco. Estava debruçado
em seus estudos de engenharia. Casado (encontrou uma moça honrada e maravilhosa,
que foi a minha mãe Elzira), dele recebia todo o cuidado e afeto necessários.
Mas o excesso de trabalho e estudo levaram-no a uma estafa, e ele foi internado
com problemas emocionais sérios. Foram seis meses de sofrimento para o casal.
Mas retornou, graças a Deus, e não voltou à faculdade, apenas ao trabalho, que
já se constituia numa excelente carreira.
O terreninho já não abrigava uma meia-água, mas uma casa,
que ele construíra com suas próprias mãos. Muito jeitoso, muito trabalhador,
cada tijolo e cada reboco daquela casa tem o suor de meu pai e de minha mãe. Aos
poucos a casa tornou-se um grande sobrado. Foi naquela casa que Deus deu graça
ao casal e eles conceberam um bebê. Então eu nasci.
Seis anos depois, lembro-me como se fosse hoje, pedi à
minha mãezinha,enquanto ela estendia roupas para “quarar”, “mamãe, a senhora me
dá um irmãozinho?” O meu pedido foi concedido, e veio ao mundo outro menino, um
lindo Daniel. Hoje eu sei que ela foi ressuscitada na mesa cirúrgica, pois o
parto foi extremamente difícil.
Nosso pai deixou-nos uma grande herança. Quero citá-la,
em sua memória e para a glória de Deus.
Dignidade – Aprendi com
o meu pai que a dignidade independe do grau econômico de alguém, independe de
sua instrução, beleza física ou popularidade. A dignidade pode ser de alguém
quieto, desconhecido e que vive em silêncio. Mas a dignidade fala mais alto do
que tudo, pois, quando tudo se acabar, a dignidade perpetuará uma vida, uma
família, uma geração.
Honestidade – Papai
ensinou-me que não importa o custo, temos que falar a verdade. A verdade pode
ser dura, pode machucar, pode magoar, mas a verdade é a única coisa que importa.
Temos que ser honestos em nossos negócios, em nosso trabalho, em nossos estudos,
nas nossas relações famíliares, etc.
Humildade – Meu pai
soube ser humilde. Quando a idade chegou e a doença tomou conta de seu frágil e
cansado corpo, ele soube pedir perdão. Muitas pessoas receberam sua visita
inusitada, gente com quem trabalhou, familiares, ex-amigos, e ele, já cego e de
bengala, dizia que, como Cristo lhe perdoara, também gostaria de perdoar e pedir
perdão. Muitas pessoas que receberam sua visita tornaram-se cristãs, porque
concluiram que, se o “Seu António” foi transformado assim, então Deus realmente
existe. Meu pai foi um homem de humildade preciosa.
Integridade – Nunca vi
ou ouvi meu pai mentindo, divagando, fingindo. Meu pai era um homem autêntico. E
essa integridade fazia com que soubéssemos exatamente o que ele pensava, o que
ele fazia e o que ele sentia. Meu pai era um homem de uma palavra só, e só mudou
decisões e arrependeu-se de atos por causa de Cristo, que lhe salvou, remiu e
transformou.
Dedicação Incondicional
– Quando sua vista estava prestes a acabar (a diabetes enfraqueceu ao extremo e
cegou-lhe), ele comprou uma bíblia de letra bem grande, comprou lentes, e leu-a
vez após vez, hora após hora, à exaustão. Dizia ele que tinha que aproveitar
cada minuto de vista, porque, quando acabasse, era do que havia lido que
viveria, por isso deu ao Senhor toda a prioridade do uso de seus olhos. Quando
tornou-se cego, ouvia o Novo Testamento falado e nós, os filhos, líamos o Velho
Testamento, todos os dias, para sua edificação. E como ele gostava de falar das
coisas do Senhor!
Fé Inabalável – Meu pai
cria em Cristo. Quando converteu-se, em 1980, e posteriormente, quando realmente
entregou tudo ao Senhor, ele não tinha mais tristeza por estar tão debilitado,
tão enfraquecido. Ele sabia que Cristo prometera a vida eterna, a salvação, o
perdão de todos os pecados, e nessa confiança ele viveu e morreu. Quando alguns
pastores (eu ainda não era), estiveram aqui em casa para orar por ele,
pedindo-lhe a cura, ele disse: “não peçam para o Senhor me curar, pois não quero
ser tentado a ficar nervoso e pecar; eu já vivi bastante, eu quero ir para o
Céu”. Em tudo meu pai glorificou a Deus.
Pai de família
Responsável – Se hoje eu e meu irmãozinho somos pessoas
honradas, estudadas, preparadas, encaminhadas, é porque nosso pai nos alimentou,
nunca deixou faltar o pão em nossa mesa, comprou nossos remédios, vestiu-nos,
banhou-nos, acompanhou nossa mãe nos cuidados conosco, deu-nos boas escolas,
comprou nosso material de estudo, ensinou-nos a dirigir automóveis, colocou um
carro em nossas mãos, orou por nós e fez de nós homens crentes e dignos, homens
que valeram seus cuidados e responsabilidades. Ao falecer, não deixou nossa mãe
desassistida; pelo contrário, supriu suas necessidades básicas, e concedeu-lhe a
graça de receber pensão suficiente para as necessidades prioritárias. Se hoje eu
moro em algum lugar, é porque meu pai comprou-nos esta casa, e eu agradeço, como
agradeço!
Hoje eu homenageio o meu velho pai, cuja voz e figura
está gravada, mas cuja presença está em nosso sangue, em nossa linhagem, em
nossa memória e em nossa gratidão.
Obrigado, Antonio Paulino de Araújo,
marido, pai e líder.1932 – 1991
Wagner Antonio de
Araújo
12/08/2017
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