A
VITÓRIA
NA
DURA
PROVA
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Cresce o menino. Torna-se
um adolescente. É saudável, bonito, perfeito. É a alegria da tenda da família,
dos serviçais, de toda a propriedade de Abraão. Ao vê-lo pela manhã, no café ou
a correr pelos campos, Abraão se lembra daquele dia em que Deus o conduziu para
fora, à luz das estrelas, fazendo-o vislumbrar uma realidade gritante: há muitas
estrelas. E, na visão, faz-lhe promessa sem precedentes: sua descendência será
numerosa assim!
Então sua mente passeia
pelas campinas e pelos vales onde habitava. Enxerga toda a Canaã povoada pelos
seus netos, bisnetos, tataranetos. Vê em cada pai de família um pedaço de seu
próprio rosto; vê em cada casal um centro de adoração verdadeira ao Deus Eterno,
que o amou, que lhe fez promessas e as cumpriu. Certamente que não estaria aqui
para ver a sua prole multiplicar-se, mas o Deus que nunca mente o faz contemplar
o início, na pequena vida de Isaque!
Tudo caminhava muito bem,
até que, numa madrugada, trevas espessas cobriram o céu de estrelas de sua
tranquilidade. Deus lhe dá
uma ordem, uma ordem contrária a tudo o que imaginou, contrária a tudo o que
construira como idéia de futuro: "sacrifica o teu filho
no lugar em que eu te mostrarei". Abraão tateava no escuro da
revelação; não imaginava como seria realmente Deus. Suas palavras eram poucas e
jamais haviam falado de sacrifício humano. Além disto, uma promessa estava em
curso. Como harmonizar tal pedido?
Abraão era obediente. Porém
era humano, era falho. Falhara muitas vezes. Ainda que não houvesse Lei para
dizer o que era certo e o que não era, o bom senso e a consciência certamente
lhe apontaram os seus pecados. Apresentara sua esposa como irmã nos lugares onde
ia acampar-se, buscando salvar-se de algum assassinato. Atendera igualmente a
esposa num pedido esdrúxulo: ter filhos através de
sua escrava Agar. Teve-o,
Ismael, e Deus iria abençoá-lo, mas não era de fato o filho prometido por Deus.
Abraão poderia ter evitado tais coisas, seguido pelo caminho do Criador, que
fizera apenas homem e mulher e não homem e mulheres. Abraão não era perfeito.
Mas em todo o seu desconhecimento de Deus e em toda a sua vivência de
obediência, não recusaria tal estranha ordem. Saiu com dois servos e o menino.
Seguiu para a montanha.
Ao chegar ao local
designado, deixou os servos e seguiu com o garoto para o monte do sacrifício.
Com a lenha às costas, Isaque foi ao lado do pai, que levava o facão e a tocha
de fogo. Na cabeça do pequeno adolescente faltava alguma coisa. Diversas vezes
vira o seu pai sacrificar ao Criador. Mas desta vez não havia cordeiro, cabrito
ou qualquer animal. "Onde está o sacrifício, papai?" "Deus proverá, meu filho!".
Para o menino o assunto terminado. Para o pai, o assunto o entristecia
sobremodo.
Só percebe a dimensão do
sofrimento de Abraão quem teve a graça de ser pai. Minha filha Rute, agora
há pouco, sujou-se de iogurte. Esparramou-o pela boca, pela roupa, lambeu-se,
fez uma festa. Depois ela puxa a nossa mão para brincarmos, para fazermos
sombra diante do sol, para conversarmos, para corrermos. Pensar em ver minha
filha morta? Não há pesadelo maior! E o meu Josué? Bebê tamanho-família, graúdo,
lindo, sorridente, alegre, cheio de vitalidade, prestes a engatinhar. Desde que
aqui chegou trouxe-nos luz e felicidade. Imaginar o meu Josué num caixãozinho?
Não, não há desespero ou sofrimento maior em vida! E Abraão certamente pensava
nisto, enquanto amarrava o seu adolescente no altar de lenha. Dentro de minutos
o garoto seria um churrasco sacrificial. Poria fim às visões de uma prole
numerosa, de netos, bisnetos e tataranetos a brincarem no terreiro, de uma
população imensa, herdeira deste pai. Certamente a sua fé não se abalara, pois
antes de sair para a montanha disse aos servos: "eu e o menino voltaremos"; mas
ele não imaginava como. O autor de Hebreus é quem nos dá a resposta: "Deus seria
capaz de ressuscitá-lo"(Hb 11.19). Portanto, teria Isaque, mas Isaque teria que
morrer.
Ah, Abraão! Deus não é um
monstro! Deus não quer sacrifício humano! Nem do louco Jefté, muitos anos
depois, que praticou uma aberração em nome de Deus, sacrificando sua filha
(Juízes 11.31). Entendeu errado o que era o anátema, a dedicação irremissível
dos condenados do Senhor (os povos que seriam conquistados em guerra). Abraão,
obediente e resignado, estende a mão ao cutelo e prepara o golpe fatal. Antes
que o matasse a Voz brada do céu: "Pare, Abraão! Não faças mal ao rapaz! Agora
sei que me amas!" E Abraão passou na dura prova! Fora aprovado com
louvor!
As nossas provas não são as
mesmas. Deus não fará de nós uma grande nação. Deus não requererá o sacrifício
de nosso filho, de nossa filha. Deus não fez promessas específicas. É um erro
aplicá-las a nós: "serás uma grande nação", "a tua descendência darei esta
terra". Promessas específicas para pessoas específicas não se aplicam à
generalidade dos servos do Senhor.
Porém, o princípio que
gerou a provação de Abraão aplica-se a nós, servos do Deus de Abraão. "No mundo
tereis provações". Não temos um Isaque a sacrificar, mas temos um ministério,
uma carreira, uma saúde, um patrimônio, uma agenda, um dinheiro, uma situação,
uma programação de vida que pode ser a qualquer momento reinvindicada pelo
Senhor, que nos perguntará: "amas-me mais do que isto?". Sim. "Pedro, amas-me
mais do que estes?"; "Quem amar mais a qualquer coisa não é digno de mim".
A nossa herança está no
Céu, não aqui. Tudo o que aqui temos é temporário, é terreno, é provisório. Nada
aqui é nosso, nem os nossos filhos, nem o nosso emprego, nem o nosso patrimônio.
Somos mordomos daquilo que Deus nos emprestou. Se Ele não for o principal, toda
a nossa vida ruirá com a perda do objeto de nossa ambição. Às vezes é um pai,
uma mãe, uma esposa, um filho, um neto, um amigo. Ao perdê-los tornamo-nos
vazios, renegando os dias que continuam a vir. Outros perdem a carreira
brilhante, o campeonato, a promoção, o emprego, a saúde, as oportunidades. Waldo
de Los Rios foi um dos maiores maestros contemporâneos, mas pôs fim à vida
quando perdeu um concurso. Quando algo é mais importante do que Deus em nossas
vidas, já perdemos o nosso Isaque.
Abraão venceu a prova.
Tornou-se nosso exemplo. Ele é o pai da fé. Somos seus filhos. Devemos abraçar o
seu legado. Se Deus nos requisitar aquilo que é mais importante, não titubeemos
em entregar-Lhe, uma vez que a Sua promessa é fiel:
"Dou-lhes a vida eterna e nunca hão de perecer, e
ninguém os arrebatará das minhas mãos." (João
10.28)
Isto nos basta. Benditas
sejam as provas da nossa fé.
Wagner Antonio de
Araújo
22/09/2017
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