SOLIDÃO
E
SOLITUDE
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Ninguém
me assistiu na minha primeira defesa, antes todos me desampararam. Que isto lhes
não seja imputado. (2Tm 4:16)
E, à hora
nona, Jesus exclamou com grande voz, dizendo: Eloí, Eloí, lamá sabactâni? que,
traduzido, é: Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? (Mc
15:34)
Eis que
chega a hora, e já se aproxima, em que vós sereis dispersos cada um para sua
parte, e me deixareis só; mas não estou só, porque o Pai está comigo. (Jo
16:32)
Sentir-se só; quem já não
enfrentou essa circunstância? No mundo em que vivemos isto é o que de mais comum
existe.
O mais interessante é que,
quanto mais nos aprofundamos nas tecnologias de comunicação mais nos
distanciamos dos outros seres humanos e, quiçá, do próprio
Deus.
Quando o transporte era
precário e difícil, muitas vezes impossível, só nos restava um telefonema.
Quando nem este estava disponível, então a carta. Ah, e quanto bem tais eventos
faziam! Há quem guarde a sete chaves as cartas de um amor, de um familiar, de um
amigo querido, cartas cujo teor são como pepitas d'ouro!
Nestes tempos modernos,
entretanto, a distância multiplica-se na proporção de seu próprio
desaparecimento. Veja-se o alto índice de suicídios: geralmente são pessoas que
utilizam-se dos celulares, dos computadores, das comunicações em redes sociais,
mas que, infelizmente, estão mais sozinhas do que nunca!
Isto porque gostamos de
algo que seja especialmente feito para nós, não para as massas. Queremos ouvir
uma voz a nos falar, algo que foi dito só a nós mesmos. Queremos uma linha, um
telefonema, um áudio de whatsapp, um e-mail, um sinal de que somos importantes
para aqueles a quem julgamos relevantes para conosco.
Contudo, em lugar disto,
recebemos toneladas de mensagens, de correntes, de figurinhas, de carinhas a
sinalizar sorrisos, frases de efeito, florezinhas abertas e outras que se
transformam em passarinhos etc. São coisas artisticamente perfeitas, verdadeiras
flores plásticas, tão belas e tão mortas na fonte! Ao final elas não nos dizem
absolutamente nada; pelo contrário, elas nos aborrecem! Em troca delas
gostaríamos de um mero "olá, tudo bem?" ou "um abraço", o que nos seria muito
mais vivo e humano.
A solidão é a sensação de
que não somos importantes para ninguém. A nossa dor, a nossa alegria, a nossa
decisão, os nossos sentimentos, nada disso a ninguém tem importância. A dor de
um desprezo, de um esquecimento, de um deixar de lado é algo que cavoca até as
entranhas d'alma. Aos poucos nos sentimos exauridos de forças e a exaustão pode
levar ou à revolta ou ao caos emocional.
Cristãos sentem-se sós
também. Citados no início, temos o Apóstolo Paulo a sentir extrema solidão e
injustiça quando viu-se abandonado pelos próprios cristãos em seu julgamento de
instância maior. Sentiu-se desamparado, abandonado, solitário. Citei também
Cristo, o nosso Salvador. Ele, no alto de toda a sua estatura de Deus-Homem,
restrito por decisão própria de Seus poderes e glória, sentiu profundo desamparo
e solidão no alto da cruz de ignomínia. Aqueles instantes sem a luz e a glória
do Pai, com quem viveu desde que eternidade existe, foram-lhe cruéis o bastante
para fazer soar o mais dorido clamor divino: "Por que me desamparaste?"
Sabemos que Sua dor foi
vicária. Ele sofreu em nosso lugar. O castigo que nos traz a paz estava sobre
Ele. Assim que expirou encontrou-se com o Pai. Andou no Paraíso, anunciou aos
mortos a Sua vitória e foi assunto ao Céu. Jesus nunca esteve e nunca estará só,
senão naquele ato substitutivo em nosso favor.
Encontramo-lo a tecer
comentário sobre isso: "Nunca estou só, porque o Pai está comigo". Jesus não
precisava do calor e do afeto de seus imperfeitos apóstolos e interesseiros
seguidores. Os que dele se aproximavam o faziam para obter favores, pães
multiplicados, cura das vistas, cura das pernas, pés, braços e mãos. Foi mui
raro uma Maria que sentou-se aos pés do Senhor pelo simples prazer de privar de
um tempo especial com Ele, sem querer nada em troca, exceto o que aprendia. O
Senhor tinha prazer nas criancinhas que se alvorossavam sobre Ele, com toda a
informalidade e entusiasmo típico dos que ainda não haviam aprendido a
hipocrisia. Ele as tomava no colo, Ele as abençoava e ralhou com os apóstolos
que queriam impedir o sagrado encontro de pequeninos homens com o Seu Grande
Idealizador, encontro de legítima motivação de amor e prazer, sem interesses
outros.
Este Jesus que sentiu
solidão e que nunca esteve só, exceto no ato vicário de sacrifício por nós,
experimentava, contudo, momentos privativos escolhidos e preparados com muita
perfeição. Eram as madrugadas, únicos momentos onde a demanda popular não lhe
exigia dedicação. Naquelas brisas noturnas tinha o Senhor a sua SOLITUDE, que
não é solidão, mas escolha pessoal de desfrutar a sós a íntima comunhão com o
Seu Pai. Certamente que privava também de momentos especiais Consigo mesmo, uma
vez que sempre sabia o que fazer e quando fazer. "Sempre faço o que Lhe agrada",
dizia Ele.
A resposta para a solidão
avassaladora das redes sociais, dos e-mails, dos relacionamentos plásticos e dos
encontros por interesse, que nada satisfazem a alma, que trazem tantos vazios
existenciais, é a escolha racional e espiritual de primar pela amizade com Deus,
de momentos a sós com o Criador, de instantes profundos de adoração íntima e de
comunhão profunda com Cristo. Não há solidão que resista à solitude de uma alma
em comunhão com o Criador.
Que tal o leitor amigo, que
gastou tempo a ler o meu artigo, analisar os seus relacionamentos e verificar a
veracidade do que afirmo? Enquanto escrevo há muitas mensagens que chegaram ao
seu celular e e-mail, talvez alguns telefonemas, mas o vazio e a solidão não
foram atingidos e aquilo que mais queria não veio, a atenção e a sensação de ser
realmente especial.
Faça o propósito de buscar
ao Senhor em solitude determinada. Foi Ele mesmo quem nos
ensinou:
Mas tu, quando orares,
entra no teu aposento e, fechando a tua porta, ora a teu Pai que está em
secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará publicamente. (Mt
6:6)
Que Deus nos
abençoe.
Wagner Antonio de
Araújo
28/09/2017
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