quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

memórias literárias - 769 - NUNCA ACONTECERÁ

NUNCA
 ACONTECERÁ
 
 
769
 
Era sábado à noite. Um lindo culto de louvor, promovido pela união de mocidade se realizara. Os jovens usaram os seus membros para fazerem todas as partes. Maria foi a organista, Sílvia, pianista. Fizeram prelúdio, interlúdio e poslúdio. Os meninos montaram um quarteto, as meninas um trio. Houve jogral, declamação de poesia e quatro solos. Alguns cânticos também foram entoados pela congregação. Foi lindo vê-los nos violões, contrabaixo, guitarra, bateria, teclado, tudo muito bem dosado e com hinos tão edificantes e evangelísticos. O José, rapaz com pinta de pastor, foi o mensageiro; até de gravata estava! Ele pregou muito bem. O pastor aproveitou o encerramento para fazer um apelo evangelístico, pois eles trouxeram jovens colegas do ginásio e do colegial ao culto. Cinco decisões. Ganharam bíblicas e preencheram as fichas de decisão. No encerramento a alegria da tarefa concluída. Na cantina realizaram uma sociabilidade muito animada. Tinha cachorro quente, suco, torta salgada, pipoca e salada de frutas, tudo em cortesia. Fizeram uma roda de brincadeiras e divertiram-se até às tantas. Fizeram a dança das cadeiras, sempre sobrando um, cantaram e fizeram as rodas das sociais conhecidas e entreteram-se bastante. Ao final organizaram-se em equipes de limpeza. Deixaram tudo limpo, em ordem, pois na manhã seguinte teria o culto matutino e a escola bíblica dominical.
 
Suzana chegou em casa feliz da vida. Tomou o seu banho, fez o estudo da lição da classe da EBD, pediu bênção aos pais e foi dormir. Dormiu o sono dos vitoriosos, pois ela havia organizado o belo culto que prestaram a Deus.
 
O relógio marcava duas da manhã e Suzana subitamente acorda a casa inteira.
 
"Socorro! Meu Deus, socorro! Isso não pode ser verdade!"
 
Os pais levantaram-se correndo, indo até o quarto. O cachorro, lá no quintal, latia efusivamente. Júnior, o irmão, sem entender o que acontecia, olhava a irmã com os olhos esbugalhados, desesperada. "A Su ficou doida?"
 
"O que foi, meu bem?", pergunta-lhe a mãe! "Menina, o que há?", indaga o pai, aflito.
 
"Ah, mamãe, estou tão triste e desesperada!" E então chorava copiosamente. O pai, preocupado, senta-se na cama e diz: "Filha, calma! Conte-nos. O que houve?"
 
Suzana então narra algo bizarro e surpreendente:
 
"Eu me deitei, após agradecer a Deus por tudo o que acontecera. Então peguei no sono e adormeci. Comecei a sonhar. Eu estava em nossa igreja, mas não era a mesma coisa, algo estava errado..." E então teve outra crise de choro. Seus pais a acolheram, abraçaram e pediram para que continuasse a narrativa.
 
"Quando entrei vi os rapazes todos tatuados, com brincos na orelha e quase todo mundo com ferrinhos na boca e no nariz. Havia uma banquinha à entrada onde eram feitas tatuagens. As meninas estavam vestidas com roupas sensuais e os rapazes com calças coladas mostrando seus contornos, camisas apertadas e mostrando o peito. Meu Deus, que horrível!"
 
Os pais pediram para que continuasse.
 
"Todo mundo conversava no culto, ninguém tinha bíblia ou hinário e a reunião começou sem oração. Eles fizeram um baile no culto, mamãe! Meia dúzia deles ficaram à frente dançando e todo mundo o fazia uns com os outros, no templo. O pastor dançou com as meninas, agarradinho! Do meu lado tinham casais se beijando e, pasmem: dois menins também!"
 
"Filha, que imaginação ridícula", disse o pai em tom de reprovação.
 
"Então, papai, veio o pior. O pastor, que mais parecia os meninos da porta da escola, tomou a palavra e começou a andar de um lado para o outro, falando pra juventude aproveitar a vida, fazer tudo o que quisesse, que Deus não se importava. Disse que nada era pecado, que não existia inferno, que o ideal da vida era a falicidade e que se estivessem tristes bastava tomarem remédios controlados ou fumar maconha. Eu fiquei desesperada!"
 
Os pais mordiam os lábios, pensando nas loucuras que a Suzana narrava.
 
"Quando o culto terminou o pessoal se agarrou ali mesmo e saíram em turmas para as casas de show. O pastor dissera que só teria culto à noite no domingo, pois o pessoal tinha que aproveitar a madrugada e curtir a vida!"
 
"Filha, quanta loucura!", disse a mãe.
 
"Eu vi, mamãe, duas senhoras e três rapazes, no canto, que conversavam e diziam não acreditarem no que viam, que Jesus estava para voltar e que era uma tal apostasia irreversível, não sei do que diziam. O pastor os viu e disse: 'seus quadrados, vocês já eram! Atualizem-se ou desapareçam!' E eu, quando vi tudo isso me desesperei. Foi então que gritei e devo tê-los acordado. Me perdoem! Estou tão envergonhada..."
 
"Filha, isso acontece! Não se preocupe. Tudo isso não passou de um grande pesadelo. Volte a dormir", disse a mãe.
 
"Isso é o que dá social até dez da noite na igreja!  Deitar-se de barriga cheia dá nisso. Bah, chega. Vá à cozinha, tome um copo de leite morno e volte a deitar, que amanhã teremos escola bíblica dominical.", disse o pai, com ares de decisão.
 
"Mamãe, o que foi isso que eu sonhei?"
 
"Pura bobagem, minha filha. Nada disso jamais acontecerá. Estamos em 1980 e o evangelho há de crescer e de transformar o nosso Brasil. As nossas igrejas estão firmes na Palavra e os nossos pastores jamais deixarão esse mundanismo penetrar na igreja. Vá. Faça o que o seu pai mandou e deite-se. Vamos salvar o resto da madrugada."
 
Suzana obedeceu. Deitou-se e pensou: "Mamãe está certa. Estamos em 1980. Isso nunca acontecerá. Nunca. Nunc...zzzz"
 
1980.
 
 
....
 
 
2019.
 
 
Será?
 
 
.....
 
 

Wagner Antonio de Araújo
membro da Igreja Batista Cidade IV Centenário, São Paulo, Brasil
textos: http://prwagnerantoniodearaujo.blogspot.com/  
pregações:
https://pregacoesprwagneraa.blogspot.com/  
e-mail:
bnovas@gmail.com ; prwagneraa@gmail.com  
fone vivo/whatsapp: 011-996998633 - exterior: +5511-996998633

Nenhum comentário:

Postar um comentário

memórias literárias - 1477 - CHORA, Ó RAQUEL...

  CHORA, Ó RAQUEL...   1477   Quando o Senhor Jesus Cristo fez-Se homem, nascendo do ventre de Maria, Herodes o Grande desejou matá-Lo...