NEM SÓ DE PÃO
NEM SÓ DE PÃO
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Fernando e
Carlos ao telefone:
- Carlos, não
tem erro! Só que eu tenho urgência. Tem que decidir-se hoje sem
falta!
- Não sei,
Fernando, a coisa não fecha aqui na minha mente. Parece fácil, mas não estou
sentindo paz!
- Carlos, paz
não enche barriga! DINHEIRO enche! E uma oportunidade destas você nunca mais
verá!
- Eu sei,
Fernando, mas...
- Chega de
mas, mas, mas. Não quero ouvir mais nada. Vou te ligar daqui a uma hora. E
quero a sua decisão. Só falta você para fechar o grupo.
Tchau.
Carlos era um
gráfico. Gráfica pequenina, de bairro. Fazia blocos de nota fiscal, encadernava
livros, fazia cartazes, panfletos, até imprimir livros ele já imprimira. E em
época de propaganda eleitoral, fazia muitos santinhos.
Fernando era
um velho amigo. Um líder no bairro onde crescera. Estudou na PUC com Carlos, mas
seguiu por uma linha política; falava de reformas sociais. Porém, com os rumos
que o país tomara, entrara em negócios escusos. E agora propunha a Carlos uma
oportunidade ímpar. Segundo Fernando, nada poderia dar errado. E a proposta era
muito simples.
Na próxima
eleição o Partido Justo, do qual Fernando era agremiado, mandaria imprimir cem
mil santinhos. Contudo, para efeitos de financiamento eleitoral, para conseguir
mais verbas, Fernando solicitaria aos empresários o valor de dois milhões de
santinhos. Carlos só imprimiria cem mil. O valor do restante, de um milhão e
novecentos mil santinhos, seria apenas registrado na nota fiscal. Carlos
receberia o valor integral e teria que distribui-lo. Entregaria o valor de
seiscentos mil para o partido, outros seiscentos mil para o Fernando e o
restante do valor poderia embolsar. Era uma boa quantia. Fernando estava
terminando de compor o time de dez gráficas com a mesma
proposta.
Para Carlos
essa quantia viria em boa hora. Ele tinha impostos atrasados. Tinha obrigações
trabalhistas não recolhidas. Tinha contas de casa para pagar. O valor seria tão
bom que, após pagar todas estas contas, ainda trocaria de carro. E daria para
tirar férias no exterior ou pagar dois anos de faculdade dos meninos. Como não
aceitar? Afinal, todo o sistema gira assim! Todos sairiam
ganhando!
Por outro
lado, Carlos era um homem que temia a Deus. A situação de ser devedor não lhe
era normal; a crise ceifou os clientes e não houve caixa para quitar as dívidas.
Com muita luta mantinha a porta aberta, esperando que o futuro trouxesse dias
melhores, dias em que o mercado novamente viesse a funcionar. Por ser um crente
fiel era muito visado e diversos jovens olhavam para o seu comportamento,
buscando um referencial para seguir.
Em sua mente
ocorria uma guerra de pensamentos:
" Carlos, não
seja bobo! Abrace a causa! Todos ficarão felizes! O dinheiro não é roubado, é
doado; e todos se beneficiarão!"
" Carlos,
tomar esse dinheiro é mentir, é lavar dinheiro! Imprimir cinco por cento do que
a nota declara é crime, é mentira! E, mesmo que ninguém venha a saber, há um
Deus nos céus e um Cristo em meu coração; Ele saberá!"
"Meu Deus, o
que farei?"
O tempo
passou depressa demais. Conforme Fernando avisara, ligou novamente, e incisivo
na voz:
- Carlos,
quero uma posição sua. Fechei com nove gráficas, agora quero fechar com você. E
faço uma proposta melhor. Você fica com o valor de oitocentos mil santinhos; eu
retiro a diferença da distribuição. Posso fechar?
- Fernando,
eu declino. Não vou aceitar. Declarar uma quantia maior numa nota fiscal e
receber um dinheiro pelo qual eu não trabalhei é mentira. Eu tenho um
compromisso com os meus filhos e com a minha esposa; acima de tudo, porém, com o
meu Deus. Eu não poderia ter paz no coração recebendo recursos da mentira. Eu
não aceito.
- Carlos,
você é um louco, é um idiota, um otário. Você está quebrando as minha pernas.
Você não pode fazer isso comigo!
- Não,
Fernando, eu não aceito. Eu tenho valores cristãos.E não estou fazendo isso com
você. Estou fazendo isso comigo. Eu tenho temor de Deus.
- TEMOR DE
DEUS NÃO ENCHE BARRIGA, Carlos!
- Pode ser,
Fernando, mas NEM SÓ DE BARRIGA CHEIA VIVE O HOMEM, MAS DE TODA A PALAVRA DE
DEUS!
- Vá para o
Inferno, Carlos! Adeus!
.................
E desligou o
telefone.
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Passam-se
três anos...
"PLANTÃO DO
JORNAL BRASILEIRO - Foi preso hoje, em Campinas, Fernando de Tal, do Partido
Justo. Ele e mais dez donos de gráfica foram levados para Curitiba, denunciados,
acusados e com prisão temporária decretada. Foi descoberto um grande esquema de
lavagem de dinheiro através da impressão de materiais de propaganda
política..."
- Pai -
pergunta Flávio, filho de Carlos -, o senhor conhece esse
homem?
- Sim, filho.
Conheço-o.
- Então eu
quero te agradecer, paizão.
- Por que,
Flávio?
- Porque o
senhor não entrou nessa. Sendo do mesmo ramo, certamente que esse cara lhe
propôs algo. Mas o senhor provou ser praticante do que me ensina. Eu te amo,
paizão!
Carlos sorriu
e saiu da sala, indo ao quarto agradecer a bênção de ter esperado no Senhor o
suprimento das necessidades, e por ter recusado o banquete de Satanás. Além
disto, ouvir um elogio sincero de um filho que não encontra hipocrisia na vida
do pai é algo que não tem preço!
FIM.
Ofereço este
texto a todos que não se deixam corromper por nada.
Wagner
Antonio de Araújo
02/10/2016
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