quinta-feira, 27 de outubro de 2016

memórias literárias - 370 - EU QUERIA MORRER...



EU QUERIA
MORRER...
 

 
370
O pastor chegou à casa do irmão Samuel. Um jovem de 25 anos, solteiro, crente, mas em profunda depressão. Há dois meses a sua noiva o traíra e ele ficara sozinho. Além disto fora diagnosticado com uma doença congênita grave, carecendo de medicação contínua e diária. Tudo isso somado transformara os seus dias em momentos de grande aflição. Confidenciara com algumas pessoas que desejava morrer. Chegou mesmo a dizer que não garantiria a integridade da própria vida, caso pensasse nisso num momento de crise. Ele queria matar-se.
 
- Irmão Samuel, obrigado por receber-me. Tenho orado pelo irmão e lamento muito o ocorrido. Como está passando?
 
- Pastor, eu é que agradeço a sua visita. Sei que o senhor é um homem ocupado e eu não queria tomar o seu tempo. Mas preciso dizer-lhe algo. Vamos ao meu quarto?
 
- Claro, meu irmão. Estou aqui para isso mesmo.
 
Passaram pela cozinha e seguiram pelo corredor. Casa antiga, um banheiro só, o final do corredor dava para o seu quarto. Mesmo morando sozinho Samuel mantinha tudo bem arrumado. Uma tia por parte de mãe era diarista. Os seus pais faleceram num acidente automobilístico há três anos e esta tia veio para ajudá-lo. Sentaram-se na cama. Samuel pos-se a falar.
 
- Pastor, eu quero morrer. E preciso saber se o suicídio é pecado. Tenho orado a Deus para que ele me leve. Não quero mais viver. Sinto-me iludido, arrasado, entristecido, um morto-vivo.
 
- Samuel, o suicídio é pecado. Não temos o direito de tirar a nossa vida. E orar pedindo a própria morte é algo que já aconteceu com servos de Deus há muito tempo: Jonas, Elias, ...
 
- Pastor, eu não aguento mais! A solidão me persegue! O opróbrio diante dos amigos que zombam de mim por ter sido traído é grande! A minha saúde está debilitada, eu quero morrer! Por favor, ore agora para que Deus me leve! Eu sei que Deus lhe atenderá! Não me deixe livre, pois eu acabarei dando cabo da vida. Amarrarei uma corda no guarda-roupa ou me jogarei no Rio Tietê...
 
O pastor, atônito, não sabia o que fazer. Se o contradissesse poderia complicar ainda mais os argumentos. Se nada falasse seria conivente. O máximo que pôde fazer foi orar no íntimo, dizendo: "Oh, Deus, dá-me a sabedoria do alto!". Enquanto orava, o celular tocou. O pastor atendeu no viva-voz, pois tinha alguma dificuldade de audição.
 
- "Pastor? Ai, pastor! O que eu faço? Eu não aguento mais! Meu filho, pastor, meu filho!"
 
- "Quem fala?"
 
- "É a Bernardete, pastor! A médica falou que ele terá que ser operado até domingo, está desesperadamente enfermo do coração! Eu e o meu marido nunca fomos informados sobre isso! Tratamos do nosso prematuro por todos estes meses! Tudo ia bem até ontem! E agora que está fortinho a médica deste outro hospital disse que ele vai morrer! Pastor! Socorro! Eu não vou aguentar!!"
 
- "Bernardete, calma, confie em Deus, vou orar agora por você! E depois desta visita irei até aí para ver você e o bebê."
 
A ligação caiu. O pastor tentou religar mas a chamada não se completava.
 
- Pastor, quem é essa irmã?
 
- É a Bernardete, da igreja onde um amigo meu pastoreia. Deu à luz a um prematuro de cinco meses. Ele estava praticamente morto. Mas com a oração dos amigos, o trabalho dos médicos e a força e a coragem desta mãe e deste pai, lutaram com todas as forças e o menino está há sete meses no hospital. Transferiram-no há alguns dias para um outro lugar, pois ele cresceu. Há problemas, mas tudo caminhava bem. E agora o menino está novamente entre a vida e a morte!
 
- Pastor, um prematuro? Tadinho! Nem viveu, nem experimentou nada na vida! Que pena! Que tragédia! E agora?
 
- Agora temos que orar por ele, Samuel.
 
Nisto um e-mail chega no celular do pastor. Ao abri-lo, deparou-se com uma mensagem de gratidão. Havia uma foto de cinco crianças. Um missionário conseguira cinco bercinhos usados com algumas avarias. Mas a mãe e tia das crianças, feliz, chorava ao ver seus filhos e sobrinhos num bercinho, num quarto pequeno e cheio de furos no teto. O pastor mostrou a foto ao Samuel. E em seguida disse:
 
- Samuel, veja o seu guarda-roupas. A porta está aberta. Estou vendo suas calças bem bonitas e de marcas caras. Vejo os seus ternos. Vejo 4 pares de sapato muito bem engraxados. Você tem coisas valiosas. Já estes bebês não tinham nem um bercinho quebrado como leito; dormiam no chão sobre jornais e panos. E sabe de uma coisa? Mesmo assim eles querem viver! Você ouviu a Bernardete, mãe do prematuro? Ela não tem sábado, domingo ou feriado; não tem dia e não tem noite. Há sete meses a sua vida é ficar ao lado do leito de seu filhinho. E para quê luta? Para que o menino viva! Um pouco de vida é sempre melhor do que nada! E, enquanto temos um fôlego pelo qual lutar, valerá a pena!
 
Samuel ficou pensativo. Então o pastor lhe disse:
 
- Samuel, deixe-me confidenciar algo sobre mim que não sabe. Você teve mãe até a uns dias atrás. Eu não tive. A minha mãe morreu no parto. Você teve pai; eu não tive, pois o meu pai fugiu quando soube que minha mãe estava grávida. Você teve uma casa para chamar de sua; eu não tive; morei em cinco orfanatos e tinha que dividir comida, roupas, chuveiro, televisão e sapatos com os outros órfãos. Eu nunca tive uma mãe que me desse um beijo de boa-noite ou um pai que me abraçasse e que me dissesse: eu te amo, meu filho. Talvez eu tivesse bons motivos para considerar-me um sofredor e achar que não haja dor maior do que a minha. Mas há, e como há! Além disto Jesus, o nosso Salvador, afirmou com conhecimento de causa: "No mundo tereis aflições; mas tende bom ânimo; eu venci o mundo". Voltei de um hospital na semana passada, onde não conseguiram ressuscitar um bebê de dois meses! Os médicos lutaram por uma hora e com lágrimas nos olhos tiveram que desistir, pois o coração não queria bater. E por que faziam isso? Porque a vida é uma dádiva e um dom de Deus.
 
Subitamente o telefone tocou novamente. Era Bernadete:
 
- "Pastor, pastor, pastor, pastor, pelo amor de Deus!..."
 
- "Irmã, não estou entendendo nada! Fale devagar! O que houve com o menino? Faleceu?"
 
- "Não, pastor! A médica errou a pasta e deu o diagnóstico de um outro bebê sofredor! Os exames do meu estão bons! Não era o meu bebê, pastor! Não era o meu bebê! Meu Deus, o meu bebê está bem! Aleluia!"
 
Samuel, perplexo, começou a chorar. Presenciar a alegria da mãe ao telefone, festejando a vidinha de seu filho e ver a foto da outra mãe feliz com berços velhos e consertados, fora muito para o seu coração. Resolveu orar de joelhos e em voz alta, quase gritando de emoção:
 
- Oh, Deus bendito, perdão! Perdão, Senhor! Como fui injusto! O Senhor me abençoou tanto e eu não enxerguei! Tenho um quarto limpo e confortável, boas roupas, emprego, comida e uma tia que cuida de mim. Tenho uma boa igreja onde congregar e saúde para viver! E vejo tanto sofrimento neste bebê que sofre e luta pela vida! Vejo tanta pobreza e uma mãe e tia que festeja cinco berços velhos! E eu querendo dar cabo da minha vida! Senhor, isto não é justo! Se eu sou Teu, então viva em mim e faça de mim um homem grato! Perdão, Senhor! Quero viver até o dia em que Tu achares adequado e Te peço que a minha vida tenha sentido, ao menos na história de alguém! Usa-me, Senhor! Em nome de Jesus, amém!
 
Então o pastor, em lágrimas, também orou:
 
- Oh, Deus eterno e todo-poderoso, eu Te agradeço, pois aprouve ao Senhor conceder a bênção desta noite! Um bebê que se recupera, uma mãe e tia que festeja os bercinhos e um irmão que reencontra o verdadeiro sentido do cristianismo, o serviço para Deus e pelo próximo! Senhor, usa o Samuel nas Tuas mãos e providencia para ele a alegria de ser útil em Tuas mãos. Oro também pelo bebezinho cujo diagnóstico é ruim; que o Senhor o cure e o restaure também. Em nome de Jesus, amém!
 
Aquela noite foi festiva. Samuel solicitou, como bom paulistano, duas boas pizzas numa cantina do Bixiga (bairro de São Paulo). O pastor terminou a visita com alegria e felicidade. Em três meses Samuel tornara-se um visitador de criancinhas órfãs e em seis estava a namorar uma linda cristã. A última notícia que recebi foi que o casamento está marcado para o fim do ano e que Deus transformara a vida deste jovem.
 
"Eu era triste porque não tinha sapatos; até que encontrei alguém que não tinha pés..."
 
Samuel descobriu que "o choro pode durar toda uma noite, mas a alegria vem pela manhã".
 
E entendeu o que aquele texto dizia:
 
"Eu sei, ó, Senhor, que não cabe ao homem escolher o seu caminho,
Nem ao que caminha o dirigir seus passos" (Jeremias 10.23)
 
Você, que leu esta estória, estaria também pensando em dar cabo de sua vida? Inspire-se nesta experiência e diga como Paulo: "vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim". Certamente a vida terá um novo significado. A vida é um dom de Deus e só a Ele cabe contar os nossos dias. Vivamos intensamente cada um deles e busquemos no amor do Senhor o verdadeiro sentido de tudo!
 
Que Deus lhe abençoe.
 
Pastor Wagner Antonio de Araújo
28/10/2016
 

obs: ficção baseada em diversos fatos reais.

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