SOU O QUE
ESCREVO?
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Nós, que escrevemos não o
fazemos apenas para receber os parabéns dos leitores. Aliás, a nossa sociedade
não lê mais; ela é analfabeta funcional. As pessoas hoje assistem vídeos, ouvem
podcasts e leem coisas alusivas a 5 áreas principais do pseudoconhecimento:
críticas religiosas, críticas políticas, fofocas, esportes e futilidades.
Qualquer texto que fuja ao padrão imediatista dos textos, inclusive que tenha
mais de 10 linhas de redação é deixado para nunca mais ser
consultado.
Dito isso quero testemunhar o
dissabor obtido com a busca por um autor.
Como estou recadastrando a
minha biblioteca de livros em papel tenho encontrado livros das diversas áreas
do saber. Quando me interesso por um título vejo o autor e busco informações
sobre a sua vida. Os meus estão geralmente mortos, pois são livros antigos. Mas,
de vez em quando algum livro mais moderno aparece.
E foi assim que identifiquei
um livro com vastas informações sobre a fundação da cidade de Salvador, de São
Paulo e os primórdios do Brasil-colônia. Achei sensacional a redação do autor, a
elegância do livro e o conteúdo composto das informações. Num ímpeto instintivo
fui buscar sobre o autor as informações, principalmente se ele estava vivo
ainda.
Que decepção! Que tragédia!
Não apenas está vivo como é exatamente o oposto da elegância literária de suas
páginas em papel. Ele é uma pessoa com linguagem chula, participa de múltiplos
podcasts, fala promiscuidades, tem posições políticas mutantes e agride os seus
questionadores com palavras de baixo calão.
Olhei bem para o livro, olhei
para a cara do autor nos vídeos publicados e pensei: esse autor não corresponde
ao que está escrito. Ele é um blefe!
Muitos de nós somos também um
grande blefe. Blefamos na igreja, quando oramos, quando cantamos, quando
erguemos a mão em compromisso para algum chamado ou algum compromisso e, no dia
seguinte, em nosso ambiente de leveza e de desprendimento agimos completamente
ao contrário do que mostramos na igreja! Alguns de nós blefam diante das
câmeras, pregando algo que não vivem. Outros de nós, no afã das promoções e das
graduações em mestrado, doutorado e afins, nos valemos de serviços pagos, de
copia-e-cola, de frases que arrumamos aqui e ali e, em consequência das demandas
obtemos os certificados, papéis e títulos vazios de uma mentira acadêmica.
Hoje um artigo religioso, nas
publicações denominacionais, pelo menos na minha, se não tiverem uma informação
de 15 linhas das graduações e dos títulos do articulista não podem figurar na
publicação. Conheço muitos destes, que não valem a tinta que usam, ou melhor, o
editor de textos onde escrevem seus artigos.
Mas, como sói acontecer, viro
a mesa, olho-me no espelho e me pergunto: Wagner, seria você um blefe também?
Você é o que prega, o que escreve, o que fotografa, o que filma, o que publica?
Você material autêntico ou não passa de mais um ser esperto e mascarado das
mídias?
Esse tipo de pergunta é
desconfortável. Não somos perfeitos. Não somos o que deveríamos ser. Mas há algo
que pode nos separar dos blefes e dos autênticos.
Os blefes não estão
preocupados com a verdade. Eles mentem sem qualquer pejo, fingem, blefam,
afirmam num artigo ou vídeo e se desmentem no outro, dependendo dos benefícios
que acreditam obter. Eles são camaleões: uma cor, uma linguagem, uma roupa e uma
mensagem para cada público, para cada mídia, para cada auditório, para cada
interesse.
Os autênticos são o que são:
a mesma coisa nas telas, nos podcasts, nos vídeos e nos textos. Nem mais e nem
menos. Simplesmente eles mesmos.
Quanto a mim, se eu escrever
algo que não corresponde ao que creio, ao que vivo ou ao que defendo, então
sequer publico. O meu pejo não permite. Eu tenho vergonha na cara. Eu tenho
caráter e honro o nome que recebi de meu pai. Além disto eu não suportaria
enxergar-me a falar e me contradizer ao mesmo tempo. Até para participar de
alguma atividade pública em algo com o que não concordo sinto-me desconfortável.
Há alguns dias tive que me retirar de um evento, pois tudo o que ali acontecia
era antagônico ao que eu cria.
Um dia, diante do JUSTO JUIZ
seremos desmascarados. Alguns de nós ficarão envergonhados por serem vistos como
realmente são: hipócritas, atores, fingidos. Outros tantos, e espero
sinceramente encontrar-me entre estes, não terão máscaras para tirar.
Responderão pelos seus atos e manterão firmes as posições que abraçaram, quer
tenham sido felizes ou não. Assumirão a responsabilidade e dirão: "Bendito seja
Deus, eu estava certo.", ou "Me perdoe, meu Deus, eu estava
errado.".
Por fim, eu iria cadastrar
este livro como História do Brasil. Mas ele não merece, não pelo conteúdo, mas
pelo demérito do autor. Então recebeu o selo "diversos", e isto pela minha
complacência, não pela dignidade de quem escreveu.
E tenho
dito.
Wagner Antonio de
Araújo
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