terça-feira, 4 de junho de 2024

memórias literárias - 1486 - AS CINCO VISITAS

 AS CINCO

VISITAS
1486
 
Levantei-me cedo, decidido a fazer meia dúzia de  visitas. A manhã estava fresca, convidativa a uma saída.
 
Rumei para o Clóvis Bevilácqua, a escola do bairro Vila Anglo-Brasileira, aqui em São Paulo. Cheguei no horário do recreio. Vi quando as classes gritaram e, pela escadaria desceram crianças afoitas. Muitas foram para a fila da merenda, que hoje era de brevidades, aqueles bolos doces que o estado manda. Mas havia uma cantina ao lado da quadra e a multidão de pessoinhas era grande, cada um pedindo o lanche de sua preferência: hambúrguer, cachorro quente, pizza, coxinha.
 
Encontrei-o a pagar pelo lanche.
 
- O que você pediu?
 
- Pedi bolonhesa com guaraná.
 
Bolonhesa era um pão de cachorro quente com muito molho de tomate e dois ou três pedacinhos de salsicha.
 
- Quanto você gastou?
 
- Vinte centavos. Mamãe me dá uma moeda dessas todo dia. Dá pra comprar uma bolonhesa, um guaraná e uma paçoquinha.
 
- Sentamo-nos no banco de concreto em frente a quadra.
 
- E o que você está estudando agora?
 
- Verbos. A professora me ensinou todo o modo indicativo. Mas ela é muito brava.
 
- Sério? Como assim?
 
- Ela manda a gente conjugar de memória lá na frente. Se erramos ela dá um bofetão.
 
- E você, errou?
 
- Errei. Ganhei um tabefe!
 
- E ficou aborrecido?
 
- Na hora sim. Mas estudei muito e agora ela me chama todo mês pra tomar guaraná com rosquinhas na casa dela!
 
Eu sorri, dei-lhe um abraço e disse:
 
- Deus te abençoe, menino!
 
Segui a minha jornada. Fui para a Vila Souza, na zona norte. Eu estava na oeste. Cheguei na igreja batista local. Um barracão de moradia na frente e um salão pequeno ao fundo. Ao lado uma construção com tijolos à vista e uma porta aberta. Entrei. Achei o jovem pastor com meia dúzia de livros abertos sobre a mesa.
 
- Olá, pastor. O que faz aqui a esta hora?
 
- Eu dou plantão. Se precisarem de mim é só chegar. E enquanto aguardo preparo os estudos da escola dominical e os sermões que pregarei. Quer ver o título do que estou preparando?
 
- Claro!
 
"A IGREJA INDIGESTA"
 
- Este sermão é sobre o que?
 
- Sobre a igreja de Laodicéia. Encontrei informações muito boas sobre as expresões de Apocalipse 3. Estou aqui preparando o acabamento.
 
Dei-lhe um abraço afetuoso e disse:
 
- Deuus te abençoe, jovem pastor!
 
Saí dali e decidi ir até o aeroporto de Guarulhos. O trânsito não estava ruim e cheguei no horário do almoço. Encontrei-o na fila do check-in.
 
- Olá, pastor! Para onde está indo?
 
- Acredita que vou para Portugal?
 
- Sério? Como foi isso?
 
- Eu nem sei explicar direito. Eu só sei que coloquei os meus textos nessa tal internet e um deles, "ENCONTREI O MEU NOME" foi parar no computador do pastor da igreja batista de Coimbra. Ele gostou tanto que publicou no boletim da igreja e agora quer que eu pregue no aniversário de sua congregação!
 
- Rapaz, que legal! Está feliz?
 
- Ah, nem me fale! Eu imagino os meus ancestrais, que há 120 anos deixaram Portugal para virem ao Brasil. Acho que quando eu chegar a Lisboa vou beijar o chão!
 
Eu ri muito, chamei-o de papa e lhe disse, num afetuoso abraço:
 
- Deus te abençoe, jovem conferencista!
 
Almocei no aeroporto e rumei para Carapicuíba. Essa é uma cidade colada em Osasco e em São Paulo. Cheguei até uma construção imensa, no fim de uma praça sem saída. Quando entrei assustei-me: cinco caminhões e um grande trator, recolhendo rochas imensas e colocando-as nas caçambas.
 
- Pastor, que obra gigantesca! Por que tudo isso?
 
- Sabe, era pra ser apenas a construção de uma plataforma sobre a qual os americanos ergueriam uma capela, aquelas que eles costumam doar. Mas quando fomos mexer no terreno achamos uma rocha gigantesca. Dois tratores quebraram enquanto tentavam romper a rocha! Já saíram 31 caminhões de pedra e eles dizem que há outros dez para encher!
 
- E tem gente suficiente para congregar aqui, pastor?
 
- Não tem agora, mas com uma capela linda como ela há de ser, havemos de ter muita gente a servir a Deus conosco! Já posso imaginar o estacionamento, o gabinete pastoral, tudo!
 
Eu sorri ao ver as esperanças deste pastor de meia idade. Sonhar é bom. Dei-lhe um abraço e disse:
 
- Deus te abençoe, meu caro pastor sonhador!
 
E saí. Estava entardecendo. Eu tinha uma última visita a fazer. Desta vez seria no Tucuruvi, na zona norte de São Paulo, na casa de um pastor que há décadas estava servindo a Deus.
 
Ao me deparar com a casa, assustei-me!
 
Era a minha própria casa...
 
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Wagner Antonio de Araújo
04/06/2024

Um comentário:

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