quinta-feira, 6 de junho de 2024

memórias literárias - 1488 - A FÁBULA DO APAGÃO

 A FÁBULA

DO APAGÃO
 
1488
 
O mundo evoluira e todo o conhecimento encontrava-se nas mídias eletrônicas, nas nuvens de dados, na inteligência artificial, nos hds de computadores potentes, nos celulares e telemóveis esparramados pelas mãos dos homens. Nenhuma informação era difícil. A eletrônica traduzia textos, preparava estudos, desenvolvia teses, encontrava o conhecimento e o disseminava na medida das necessidades humanas. Os livros? Eram todos eletrônicos. As bíblias? Só em aplicativos das mais variadas versões. As impressões? Praticamente só existiam para colocar selos, estampas, caixas de papelão de supermercados e etiquetas de marcas e preços.
 
Um dia, desses dias que separam as épocas, houve uma forte explosão solar. BUM! Ninguém ouviu, ninguém viu e nem percebeu. Mas, cinco minutos depois uma hecatombe elétrica assolou o planeta: os satélites se desligaram, os computadores apagaram e as mídias, os tais conhecimentos acumulados eletronicamente não podiam mais ser acessados. Aliás, nem se sabia se estavam preservados, pois algo acontecera com a eletricidade: ela não funcionava mais.
 
As comunicações instantâneas acabaram. As consultas do conhecimento pela inteligência artificial desapareceram. Os professores ficaram sem materiais para as aulas. Os alunos não possuíam mais as matérias para o aprendizado. Os rádios, os sites, os celulares, tudo emudeceu.
 
O mundo regrediu na sua tecnologia. Conquanto motores mecânicos funcionassem, não havia meios de fazer a eletricidade ser produzida ou conduzida. A humanidade precisou reinventar-se.
 
E agora? Onde buscar o conhecimento? Será que há ainda livros para consulta e para o aprendizado?
 
Foram atrás dos sebos, das poucas livrarias que existiam, dos colecionadores que tinham bibliotecas particulares.
 
Ah, aqueles livros velhos, amarelados, empoeirados, gastos e relegados aos porões das casas e das instituições, tornaram-se da noite para o dia os grandes chafarizes de conhecimento para a humanidade órfã. Os livros foram redescobertos!
 
Como não conseguiam fazer a eletricidade funcionar, as poucas gráficas mecânicas que existiam imprimiam às correrias os livros mais básicos para as necessidades: cartilhas de alfabetização, livros de história, matemática e, pasmem, bíblias!
 
Sim, estas estavam desaparecidas das igrejas, das faculdades teológicas. A demanda era tanta que passaram a escrever cópias à mão. Um livro teológico tornou-se tesouro e era emprestado com muita rapidez e grande cuidado. Aos poucos o mundo foi se readaptando à nova realidade mecânica e manual, não mais eletrônica.
 
Uma geração inteira passou, com formação em velhos e empoeirados livros. As músicas eram tocadas por músicos que se especializaram sem o auxílio de máquinas. Produziram-se novamente lindas melodias. As poesias tornaram-se humanas, reminiscentes ou futuristas. E os cultos a Deus transformaram-se em adoração única e absolutamente celebrada, pois não podiam ser gravados ou replicados. Alguns, que tinham boa redação, escutavam a mensagem e escreviam o que podiam guardar, com lápis, caneta e papel. E depois copiavam e distribuíam.
 
Ah, que geração lutadora e feliz! A qualidade do mundo tornou-se fantástica! Até que, num dia inesperado a eletricidade simplesmente voltou. BUM! As velhas máquinas, do apagão vintenal ligaram e a eletricidade retornou. Que festa! Que dia feliz! O mundo novamente comunicou-se entre si e as máquinas, obsoletas em vinte anos, tornaram-se preciosas!
 
Mas a lição do apagão eletroeletrônico cravou profundamente na humanidade. JAMAIS deixaram que uma energia não confiável ceifasse o esforço humano e o acúmulo mecânico e físico do conhecimento. Ao lado da eletrônica a versão física do conhecimento sempre estaria presente. Os livros impressos, ah, estes monumentos de informação e conhecimento retornaram ao centro da educação e da informação.
 
Fim.
 
Wagner Antonio de Araújo
 

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