sábado, 11 de maio de 2024

memórias literárias - 1480 - TÃO GRANDE, TÃO VAZIA ...

 TÃO GRANDE,

TÃO VAZIA...
1480
 
Era uma igreja de bairro. Tinha um bom pastor que pregava a Bíblia, fazia visitas, atendia em gabinete e administrava bem. O povo era unido, possuiam grande amor uns pelos outros. Atendiam aos carentes, festejavam as alegrias, choravam as dores e eram queridos no bairro. O templo tinha cara de igreja: órgão de um lado, piano do outro, púlpito no meio, batistério ao alto, quatro cadeiras para os dirigentes, bancos do coral e um berçário ao fundo, onde as mamães podiam cuidar dos filhos e ainda escutarem a mensagem.
 
Eles não tinham muito, mas nada faltava. Eram generosos e amavam ao Senhor. Os seus cultos eram encontros com Deus. Choravam na hora da oração, alegravam-se na hora dos cânticos, eram unidos nas campanhas missionárias e abriam congregações em bairros que ainda não estavam alcançados pela mensagem do evangelho ou com igrejas cristãs.
 
Deus os abençoou. A fama de ser uma igreja cheia do Espírito Santo correu e várias pessoas pediam ingresso na membresia. O estacionamento tornou-se pequeno e alugaram um terreno vazio ao lado. O pastor, sentindo a necessidade de repartir tarefas apresentou à igreja uma proposta para um ministro auxiliar. Os membros novos, com direito a voto forçaram a vinda de um pastor com espírito diferente. Era moderno, cheio de cursos, mas vazio do Espírito Santo. Vestia-se secularmente, mas atraía muita gente, inclusive gente de dinheiro. O pastor submeteu-se à decisão da assembléia da igreja e repartiu funções com o tal ministro. Em pouco tempo o auxiliar levou a igreja a demitir o veterano ministro e a convidar um colega, invertendo as posições.
 
A primeira coisa que fizeram foi jogar fora o hinário tradicional da igreja, implantando música contemporânea de péssima teologia, de origem duvidosa e que atendia em cheio ao desejo de transformar o culto num misto de emocionalismo e celebração mundana. Os bancos do coral foram arrancados e o regente, que há vinte anos cuidava com amor paternal do coral, foi desconvidado. O coral morreu.
 
Então tiraram o púlpito e montaram uma plataforma, colocando luzes coloridas, fumaça e câmeras com gente secular contratada. O auditório lotou de pessoas de todas as procedências, que eram aceitas como membros sem profissão de fé, sem batismo e sem compromisso de discipulado. Os crentes antigos, estranhando aquilo tudo tentaram propor nas assembléias o retorno ao primeiro amor, à posição de igreja de bairro, pautada nos evangelhos. Mas agora foram votos vencidos e não eram mais os donos da casa. As uniões de treinamento acabaram e a escola bíblica dominical foi transformada em um misto de encontros de empresários, pequenos grupos por interesse e eventos sociais.
 
Os obreiros, empodeirados, decidiram demolir o templo e comprar os 3 terrenos do lado. Dinheiro não faltava, pois a gente que atraíram tornou-se financiadora daquilo tudo. Montaram um salão de eventos para mil e quinhentas pessoas. Coloraram 2 telas gigantescas à frente e um púlpito com parede de vidro. Um contrassenso, pois depois tiveram que tapar com panos pretos, senão ninguém enxergava quem estivesse à frente dirigindo as atividades. O teto tornou-se preto, juntamente com as paredes. Assim como nos cinemas a parte de cima estava cheia de quadrados, luzes apagadas que acendiam ao ritmo das músicas. Fumaças saíam das colunas e quem se sentava ao fundo enxergava tudo distante, quase sem nitidez.
 
Em lugar dos introdutores piedosos à porta colocaram leões de chácara , gente de segurança mal encarada para cuidar da entrada e da saída. Ninguém mais se conhecia. Cada um chegava, fazia a sua algazarra religiosa, ouvia uma série de mensagens de auto-ajuda, empoderamento, política e de mobilização financeira para aumentar o patrimônio da instituição. Quem ali chegava podia comparar o lugar como uma grande casa de shows, em nada devendo para as mesmas. Talvez até melhor.
 
E lá está a igreja. Grande, preta, cheia de carros ricos, gente endinheirada, mas sem Cristo e sem a sua essência. Deixou de ser igreja; tornou-se um centro de espetáculo.  Era um lugar de esperança; hoje uma casa de ostentação.
 
Um irmão, antigo crente, que já não via mais nem Deus e nem o Espírito Santo no meio do povo orou em lágrimas, dizendo: "Senhor, como as coisas mudaram! Eu queria tanto que o Senhor voltasse para aquela igreja!" Enquanto orava ele escutou em seu ouvido uma voz que dizia: "Eu também..."
 
Pr. Wagner Antonio de Araújo
MINISTÉRIO ESSÊNCIA CRISTÃ
 

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