REALITY
SHOW
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Às vezes eu
me pergunto: "Por que a política, a arte e os conflitos invadem a nossa mente
com tanta frequência e força?" Parece que um político, ao dar um espirro, tem
que nos ouvir a dizer: "Saúde". Temos a impressão de que precisamos seguir as
pessoas passo a passo, desde quando acordam até quando se deitam. O mesmo
acontece com os jogadores de futebol, os artistas prediletos e o mercado
financeiro. Nesta crise de coronavirus queremos saber se algum médico na
Inglaterra insinuou que houve sucesso com a vacina ou se um remédio está dando
resultado nas tentativas da China ou se o número de mortos diminuiu um por
cento. A nossa mente tornou-se platéia de um grande "reality show". Nós não
temos mais privacidade e nem admitimos viver sem ela.
Não há nada
de mal em mostrarmos uma foto familiar ou um vídeo de um momento alegre, desde
que com cuidados de privacidade. Mas a pública exposição das instituições ou a
nossa falta de pudor familiar tem levado ao caos a
sociedade.
Até nas
igrejas tem sido assim. Queremos que tudo seja transmitido, que tudo seja visto,
que tudo seja testemunhado. Vivemos o fantasma da pouca repercursão de um vídeo
transmitido ou buscamos meios de fazer a transmissão atingir centenas ou
milhares de curtidas. Vivemos de público, de assistência, de popularidade, de
ibope. As grandes redes de comunicação investem nos espetáculos de artistas
diretamente de suas casas, pagando milhões em patrocínio, pois descobriram que
se assim não fizerem não terão mais audiência.
Como as
coisas eram diferentes antigamente! Quem era informado lia pela manhã o jornal
impresso, comprado na banca ou entregue pela editora. As notícias eram
comentadas, analisadas, feitas com mais cuidado, reflexão e análise. Ou então
ouvíamos o noticiário matinal e nos informávamos das principais coisas que
haviam acontecido ao longo do dia anterior. À noite assistíamos um noticiário e
nos inteirávamos dos acontecimentos do dia. Mas era algo informativo, não
tóxico. Não tínhamos acesso a salas de reuniões dos outros, à cozinha alheia e
ao dia a dia dos famosos. Quem queria isso comprava revistas inúteis que se
dedicavam a tais alfarrobas.
Hoje tudo
mudou. Somos expectadores da vida alheia. Somos lançados em reuniões como se lá
estivéssemos assentados e como se pudéssemos resolver as coisas à distância.
Infundem-nos a impressão de que, quando contrariados poderemos bater panelas ou
ir até a avenida berrar, xingar e mostrar as massas nervosas, como se a vida não
passasse de uma caixa acústica que repercute. Usamos as redes para fomentar
mentiras, para disseminar ódio, para compartilhar a nossa
contrariedade. Assistimos cheios de volúpia e lascívia o que acontece nas casas
de confinamento de gente sem moral, que se despe, se xinga, se ilude e se mata
diante das câmeras, ávida por um prêmio milionário que não chegará às nossas
contas bancárias. E no caso das igrejas queremos assistir a reunião da diretoria
onde houve conflito, ao atendimento privado do pastor e às suas reprimendas, aos
detalhes dos cultos, vendo quantas lágrimas tal irmão derramou ou se o seu
"glória a Deus" foi verdadeiro ou não!
Leio em minha
bíblia: Bebe água da tua fonte, e das correntes do teu
poço. (Pv 5:15); Sejam para ti só, e não para os estranhos contigo. (Pv
5:17). O texto fala sobre a vida conjugal e a privacidade de um
casal. Hoje eu vejo nas redes mulheres crentes a exibirem barrigas nuas para
mostrar a gravidez, quase desnudas, com maridos apaixonados agarrados e sem a
menor lembrança de que essas coisas são PRIVADAS, não PÚBLICAS! Vejo cristãos
que se vestem e se despem sem pejo e que depois reclamam do assédio dos que
assistem ou das piadas que fazem de seus corpos. Jogaram a água de suas fontes
na bacia das massas e depois reclamam que invadiram as suas fontes!
Vejo reuniões
de igrejas onde há conflitos a serem expostos com socos, xingamentos e pontapés,
só para que se tenha assunto a se comentar na roda dos escarnecedores de muitos
grupos de comunicação virtual. Vejo gente que envia política, fotos, vídeos e
lives de análises dos mestres graduados em escola alguma, que muito falam e nada
dizem, que falam do que não sabem, que acusam aquilo de que não têm prova, que
são grandes técnicos de tudo, mas péssimos exemplos de virtude, de sucesso ou de
seres humanos. Não são raras as vezes em que votamos em quem a tudo critica e
depois nos arrependemos, pois não apenas fazem o mesmo que criticavam, mas
destróem a tudo e a todos ao seu redor.
Vejo pastores
que fazem questão de orar para que os outros vejam. Choram, gritam, falam as
línguas estranhas da mentira e gemem para mostrar serviço, poder e
espiritualidade. Sabe o que o Mestre afirma sobre isso? E, quando orares, não sejas como os hipócritas; pois se comprazem
em orar em pé nas sinagogas, e às esquinas das ruas, para serem vistos pelos
homens. Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão. (Mt 6:5).
O exibicionismo atingiu tamanha eficiência que hoje até a macumba, o
candomblé, a umbanda, a mesa branca, o kardecismo e a mediunidade tornaram-se
espetáculos para serem vistos em casa, sentados com uma bacia de pipocas nas
mãos! As redes de televisão católica zombam de sua própria fé quando colocam
roupas apertadas de cowboy em seus padres, os deixam mostrar todo o seu
mundanismo nos bailões, enquanto as suas imagens de escultura ficam expostas
diante da orgia mundana! A religiosidade virou apenas bibelô de enfeite na sala
dos nossos shows! Os cultos viraram programas de auditório e as pessoas deixam
pregações e louvores rodando nas mídias enquanto estão no banheiro a fazer
necessidades! E disse: Não te chegues para cá; tira os
sapatos de teus pés; porque o lugar em que tu estás é terra santa. (Ex
3:5). A reverência mostrada por Jesus ao dobrar os joelhos no falar
com o Pai, ou ao erguer os olhos no abençoar dos alimentos, ou em ordenar que se
orasse em privado diante do Pai, ou com respeito ao fazê-lo publicamente, estão
longe da maioria dos cristãos!
Enquanto
assistimos o "reality show" da política, dos artistas e das religiões a nossa
família e a nossa vida estão abandonadas. Os pais celebram a vitória da
personagem da novela, a derrocada do político do qual não gostam e o prêmio do
único que resistiu a ser expulso de uma casa de confinamento, e não olham para o
filho ou a filha que estão trancados no quarto, ou absorvidos por um celular, ou
em relacionamentos libidinosos com os seus namorados, ou a usar drogas junto com
os amigos, ou a atravessar uma depressão profunda por se sentirem sós. Cuidamos
tanto da vida dos outros e deixamos a nossa em ruínas. Bem, talvez vá servir
como espetáculo num programa policial de baixa qualidade, quando as câmeras
virem à nossa casa mostrar onde foi que alguém se matou ou que matou a
outrem...
Voltemos à
privacidade de nossos corações! Limitemos o acesso às nossas intimidades! Não
sejamos expectadores da intimidade de outrem! Oremos pela política e auxiliemos
no que estiver ao nosso alcance, mas não nos deixemos enlouquecer por colocar a
vida deles como uma sequência da nossa! Tornemos a mensagem do Senhor pública em
nossas igrejas, levando pregações e hinos evangelísticos ao povo, mas não
transmitamos as nossas reuniões privadas e as nossas orações íntimas ao Senhor.
Quem tem que saber de nossas preces é o Senhor, não o auditório! E que não
lavemos mais as roupas sujas em público, mas que o façamos no privado de nossas
relações. Que não exibamos mais os nossos corpos ou o corpo de nossos cônjuges.
São nosso patrimônio e não devem servir de inspiração sexual ou piada para
ninguém!
Não
erreis: Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso
também ceifará. (Gl 6:7)
Wagner
Antonio de Araújo
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