sábado, 8 de agosto de 2020

memórias literárias - 906 - SAUDADES DE MEU PAI ...

SAUDADES DE
MEU PAI...
 
na foto:
Wagner (7anos),
 Antonio, o pai (41 anos),
Daniel ao colo, 2 anos
906
 
Eu queria sentar-me ao lado de papai e conversar longamente com ele, admirando o pôr do sol. Ele teria 88 anos, enquanto eu estou prestes a fazer 55. Eu o ouviria falar sobre a roça, sobre sua mãe, sobre o cavalo com o qual cavalgava, sobre o fardo de lenha que trazia toda tarde para o fogâo da sua mãe. O ouviria falar de sua fuga para São Paulo a pé, rota que a maioria dos irmãos também fizeram, vindos de Cambuí, Minas Gerais. Ele me falaria da rede de esgotos que ajudou a fazer na Vila Brasilândia e do prédio onde se empregou nos serviços gerais. Falaria do professor que lhe pagou escola e da indicação que fez para que trabalhasse de contínuo no Banco do Brasil. Ele me contaria que iniciou a faculdade de engenharia, tolhido, infelizmente por uma enfermidade impeditiva. Me contaria sobre o terreno que comprou ao lado da propriedade de seu pai na Rua Bica de Pedra, em Vila Anglo Brasileira, onde morou com sua irmã iria. Falaria da moça bonita, irmã da noiva de seu irmão Roque, que pedira em casamento. Falaria do casório em 1960 e do meu nascimento em 1965. Ele me falaria das latas de concreto que ele e mamãe carregavam no barranco e que, aos poucos, transformou-se numa casa de 4 andares, num escadão bem grande. Foi onde nasci. E da grande realização de ter sido pai de dois rapazes, eu, em 1965, e Daniel, em 1971.
 
Ele tomaria um copo de café com leite e comeria um bauru. E me falaria da longa enfermidade que sofrera, diabetes da mais severa e gangrena no dedo do pé. Falaria sobre as aplicações de laser nos olhos e da triste cegueira que o afetou. Ele também me contaria o quanto Jesus mudou a sua vida desde que o aceitara como Salvador. Falaria com prazer da Igreja Batista em Sumarezinho, onde ia toda terça-feira ajudar a evangelizar com a equipe de voluntários. Depois da ajuda que dera à Igreja Batista de Vila Mirante, adquirindo a velha bancada da igreja da Vila Pompéia e doando-a para a sua congregação. E me falaria da felicidade de ter comprado a nossa casa atual em Vila Pompéia, onde moramos desde 1972.
 
Ele então me pediria para ler um pouco a bíblia, principalmente naqueles textos apocalípticos dos quais tanto gostava. E depois iria deitar-se para descansar.
 
Ah, meu velho pai! Quantas saudades, Antonio Paulino de Araújo!
 
Eu percebo uma coisa. Há tanta gente que tem fotografias com o mundo todo, que detém vídeos de toda espécie com toda sorte de gente, mas dificilmente se vê fotografado com o próprio pai ou a conversar com ele. Gente que entrevista todo mundo, que está com todo mundo, mas que não tem interesse algum em ser registrado ao lado daquele que lhe propiciou a existência. Alguns têm motivos: pais ausentes, pais perigosos, pais que nunca mostraram interesse. Outros, contudo, o fazem porque é moda dar valor às pessoas de fora e ignorar os pais que possuem. Todo mundo é inteligente, todo mundo é importante, todo mundo é interessante, mas os pais não entram nesta lista. Então vem a morte, ceifa os pais e estes jovens crescem. Eles se tornam pais e, em determinado momento descobrem a bogagem gigantesca que fizeram. Eles dariam tudo para ter o pai de volta, para agirem diferente em determinadas situações críticas; fariam as coisas com maior paciência e com mais tolerância. Mas o tempo é um rio cujas águas não param e os seus pais já saltaram na margem anos atrás. Hoje é muito tarde. E a fatura, os seus próprios filhos, chega, com posições invertidas: agora são eles que são desprezados pelos seus...
 
Eu sinto falta de meu pai. Sinto tanto por não ter câmeras à época onde pudesse registrar estes momentos com ele! Mas as poucas fotos que colecionei, aliás as únicas que tínhamos, guardam para mim um significado profundo. Eu tenho saudades! Eu hoje o compreenderia tão bem!
 
Filhos que me lêem, que têm os pais vivos: os seus pais não são menos importantes do que aqueles para quem vocês dão toda a atenção. Eles não merecem menos de vocês. Fotografem-se com eles; filmem-se com eles; guardem as suas vozes, celebrem os momentos preciosos, mesmo que eles sejam ranzinzas ou encrenqueiros. Amanhã sentirão falta até das brigas bobas que tinham! Se eles são idosos não os deixem morrer no asilo! Quantos filhos que perderam pais pelo COVID 19 e não puderam estar ao lado deles, sofrem horrores por não terem se despedido! Amem os seus pais! Amem-nos apesar de tudo o que justifique a distância!
 
Escrevo estas linhas com o rosto banhado por lágrimas. Escrevo-as com imensa saudade. Papai se foi em 1991, quando eu tinha 26 anos de idade. Daqui a 4 anos eu terei a idade que papai tinha ao morrer. Será que chegarei lá? Eu não sei. Só sei de duas coisas.
 
A primeira: um dia eu o reencontrarei no céu. Sei que ele estará diferente, pois estará não será nem doente, nem velho e nem terá o corpo marcado pelas tempestades da vida.  Ele terá um corpo glorificado. Ele não merece isso, como eu também não mereço. Mas ambos entregamos o nosso coração para Jesus Cristo e por causa disso nós estaremos lá.
 
A segunda: hoje eu também sou pai. Eu quero que os meus filhos tenham boas memórias sobre mim. Por isso eu me filmo com eles, fotografo-me ao lado deles e tento com todas as forças ser o melhor pai que posso. Eu os amo mais do que tudo, exceto Jesus Cristo. Eu os amo como amo a minha esposa. E por causa disso os ensino a amar a Jesus. E poderei dizer com convicção: "EU SEI QUE O MEU REDENTOR VIVE'. Eles também o dirão. E espero que eles lembrem-se do grande amor que o seu pai teve por eles.
 
Feliz Dia dos Pais 2020!
 
Pr. Wagner Antonio de Araújo,
filho de

ANTONIO PAULINO DE ARAÚJO

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