quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

memórias literárias - 150 - ENCONTRO SECRETO DE UM PASTOR


150 -
ENCONTRO
SECRETO DE UM
PASTOR
crônica urbana de um ministro religioso
 
Um pastor escreveu, em seu diário, o seguinte texto, retratando um encontro secreto que manteve numa tarde de primavera:
 
"Eu precisava daquele encontro. Era fundamental. Não era possível adiá-lo, sob pena de manter e aumentar a tormenta.
 
Cancelei os compromissos da agenda, desliguei o telefone celular, fechei o computador e saí com o meu carro. O trânsito estava pesado. O sol ainda brilhava forte no horizonte e a noite custaria umas três horas para chegar. Assim, conseguiria o meu encontro sob a luz do sol.
 
Cheguei ao pé do parque. Estacionei o carro e calcei o tênis. Peguei a minha bíblia e coloquei-a na mochila. O cantil estava amarrado na cintura e uma toalha envolvia o meu pescoço. Até o topo do monte levaria uns vinte minutos e a caminhada seria bem cansativa.
 
Coloquei-me a subir. O caminho era bom, bem pedregulhado, ladeado por árvores frondosas e relva verde. Nos galhos das árvores ouvi o canto de diversas espécies de pássaros. Eles sempre estiveram ali sem se importarem com a crise política, a cotação do dólar ou  as insatisfações urbanas e a estiagem severa. Um parque protegido, irrigado e com vegetação tão densa tornara-se o melhor habitat para eles.
 
Enquanto subia, pensava na vida. Pensava no ministério pastoral, nas diversas pessoas que buscavam a igreja para ouvir-me, domingo após domingo, quarta após quarta. Pensava nas famílias e nos seus dilemas, nas pessoas e nas suas escolhas. Imaginava o que estariam fazendo naquele momento, com quem estariam falando, o que compartilhavam no facebook ou no whatzapp. Pensei nos relacionamentos juvenis nas faculdades, nas prosas das vizinhas do bairro ou nas conversas dos amigos do trabalho. Seriam todos cristãos realmente ou apenas se disfarçavam para ter onde congregar? Seriam verdadeiros, honestos e reais, ou não passavam de religiosos de fachada?
 
O coração batia forte em meu peito e o suor descia copioso por meus cabelos, rosto e peito. A toalha servia para limpar os olhos e a boca. A água serviu-me de lenitivo para a longa subida. Percebi que não estava em forma, que precisava continuar a caminhar. Pensei na vida sedentária que assumira. Quão diferente haviam sido os dias antigos, quando caminhar fazia parte do meu menu de atividades diárias! Mas também a numeração cronológica de minha idade não era avançada como hoje. O tempo amadurece mas cobra uma fatura cara.
 
Agora eu enxergava o topo. E a subida tornava-se mais íngreme. Talvez uma ponta de arrependimento aparecesse ali devido ao cansaço da caminhada, mas o motivo que me levava àquele local era mais precioso e importante. Ofegante e cansado, olhava para o topo, ganhando coragem, motivação e força. Talvez tenha sido isso que me fez continuar o ministério pastoral. Tantas vicissitudes, tantas dificuldades, tantas lutas e decepções, mas o topo era o meu ideal. Sim, o topo! E como o topo mudou de perfil nos últimos anos!
 
Sim, quando comecei o ministério o topo seria pregar como Josué Nunes de Lima ou Timofei Diacov. Imitar seus trejeitos e maneiras de falar logo mostraram-se um desastre. Aprendi que Deus criou um Josué, um Timofei e um Wagner e não nos criou em série, mas com particularidades e identidades diferentes. Tive que entender que Ele me amava como eu era e que deveria ter o meu próprio estilo. Foi difícil encontrá-lo num mar de imitações baratas! Enfim, descobri-me no meio das fantasias. Eu era autêntico finalmente. Então o topo passou a ser o sucesso na igreja: um grande rebanho de irmãos, um grande poderio financeiro, um grande grupo de pastores associados, um nome bem grande pendurado na placa da igreja. Que desastre! Cheguei a ver o crescimento do trabalho numa base acima de 100% em um ano e meio, mas vi brotar nessa lavoura toda sorte de ervas daninhas e enfim perdi tudo, deixando o trabalho pior do que havia começado! Foi difícil entender que o sucesso não está no progresso numérico, financeiro ou de popularidade, mas em ter fidelidade, estabilidade e ser conhecido no Céu. Descobri que pessoas tornam-se grandes amigas do cargo promissor que assumimos, mas não estão nem aí para nós, que os ocupamos. Aprendi que somos descartáveis. Então entendi que o topo que precisava atingir era o coração de Deus, tornando-me como Daniel, um "homem mui desejado, estimado, amado" pelo Céu. Isto sim faria toda a diferença. Porque, se para os homens somos descartáveis, para Deus não!
 
Cheguei, enfim, ao topo. Não havia ninguém, só as várias árvores e a vista espetacular de uma grande parte da cidade. Os três bancos colocados pelo parque para os corajosos caminhantes estavam vazios, do jeito que eu gostaria de encontrar. Vi os aviões sobrevoarem minha cabeça, passando perto, aprumando a rota de descida para o aeroporto. Ouvi o burburinho dos carros lá embaixo, como que tão distantes, quase que em outra dimensão. Ali o vento, os pássaros, as nuvens e a relva faziam-me companhia.
 
Lavei o rosto na torneira d'água, enxuguei-o com cuidado, tirei o tênis, peguei a minha bíblia, abri-a no meu texto preferido ("Eu sei que verei a bondade do Senhor na terra dos viventes"), e dobrei os meus joelhos. Eu fora ali para orar. Não, não fora "orar no monte", fora orar "num lugar quieto, a sós com Deus". Por incrível que pareça é extremamente difícil encontrar locais assim em casa, na rua, e, não raras vezes, na própria igreja. No meu caso, o ruído dos pedreiros a trabalharem na construção impedem qualquer momento reflexivo ou encontro privado de qualidade com o Criador. E, não raras vezes, locais muito comuns afastam o coração do verdadeiro motivo do encontro. Como não encontrei um vale disponível, escolhi esse parque público.
 
E então pude fazer o que deveria ter feito há muito tempo: dobrei os meus joelhos e chorei. Ah, como chorei! Chorei gostosa e sofregamente aos pés do Senhor, que não estava no monte, mas no meu coração. Aliás, imanente como é, está em todos os lugares. Mas ali, especialmente, era o meu Moriá, o meu Sinai, o meu Jardim das Oliveiras, o meu Jaboque! Eu precisava disso! Eu precisava sentir-me criança no colo do Pai, menino abraçado com o seu progenitor, o servo prostrado aos pés do seu Senhor. Lágrimas que caíam quentes na grama verde, num misto de dor, alegria, saudade, tristeza, desespero e calma, um verdadeiro turbilhão de emoções!
 
Passei a falar com o Pai, orando com a mente e com o coração, não só com a emoção. Um Pai Pessoal como Deus mantém com os Seus uma comunhão pessoal inteligente e racional, por isso nós o amamos mais e mais! Ele nos entende! Ele nos acolhe! Ele nos lê! Ele nos sente! Eu sei que Ele estava o tempo todo disponível em qualquer lugar. Eu é que não estava disponível com completo quebrantamento. Eu precisava de silêncio, não apenas o exterior, mas principalmente o silêncio interior!
 
Nesta hora que passei diante dEle fui tratado na alma simbolicamente com um bálsamo curador vindo do próprio Céu! Havia ofensores que me magoaram profundamente, de forma maligna, grosseira e sem piedade. O meu coração estava cheio de ressentimento e amargura. Lembrei-me de que precisava perdoá-los, ainda que eles nunca se arrependessem. Foi isso que o Mestre ensinou-me na cruz ao perdoar os seus algozes. Muitos problemas na igreja careciam de solução e eu sentia o peso de cada um como um impotente sugeridor, nada mais do que isso. Como curar uma enfermidade, dar um emprego, reconciliar um casal, disciplinar um pecador escondido, alinhar um filho rebelde? Naquele momento, diante do Todo-Poderoso senti como que uma confiança profunda no Deus que tudo pode, no Senhor em quem nada é impossível, e a convicção completa de que Ele é soberano, de que nenhum fio de cabelo cai de nossas cabeças sem Sua permissão e que para tudo há um propósito. Pensei na minha falta de dinheiro para quitar os débitos, pagar as contas, trazer o suprimento para as contas da igreja, realizar os desafios propostos, e a completa incapacidade de conseguir as verbas. Então senti o arrepio completo em meu corpo, lembrando-me de que Ele é quem veste o lírio do campo e supre as aves do Céu, e de que é capaz de fazer o maná matar a fome e suficiente para dar o pão de cada dia, bastando, de minha parte, confiar em Seu amor. Por fim, pensei no futuro. Cabelos embranquecendo, pele enrugando, pernas falhando, o coração apresentando deficiências, e lembrei do túmulo. Foi como um presente receber na alma o refresco das promessas da vida eterna, da gloriosa ressurreição, das moradas na Casa do Pai e do reencontro com aqueles que se foram e que deixaram enormes saudades. Senti que as minhas raízes na Terra estavam grandes demais, e pedi ao Senhor para tornar-me um homem com raízes aéreas, cujos nutrientes não vêm deste mundo e nem do que no mundo há, mas da glória que há de ser viver no Reino de nosso Pai! Exultei e chorei, agradeci e intercedi. Lancei sobre os pés do Senhor cada um dos meus amigos, e também dos inimigos, pois sem desejar-lhes o bem eu não poderia ser cristão. Orei e agradeci.
 
Depois desse encontro, remocei e me renovei. Vi, debaixo de uma moita, uma linda rosa desabrochando. Fui até lá e a colhi, apertando-a nas páginas brancas de minha bíblia. Depois de desidratada com o tempo, será um lindo enfeite e uma linda lembrança do meu encontro secreto com o Senhor.
 
Quando desci, quase ao anoitecer, estava leve. Sentia que o meu fardo ficara para trás. Não no monte, mas nos pés do Senhor. Não no pico da montanha, mas no altar do meu coração.
 
Obrigado, Senhor, pelo encontro."
 
Bem, pode ser que esse encontro tenha sido apenas literatura edificativa. Mas, que tal se o fizesse real para você? A mim inspirou. Pastores, leigos, obreiros, ministros, não importa. Cristãos. O monte está lá, na mente e no coração, podendo ser até o local onde esse texto está sendo lido. Que tal?
 
 
Wagner Antonio de Araújo,
madrugada de 11 de outubro de 2014
 


2 comentários:

  1. LINDO TEXTO..PASTOR...FOI DEMAIS...EU PRECISAVA LER ISSO ESSA MANHÃ....PRECISO MIM ENCONTRAR COM JESUS..

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  2. Prezado irmão: obrigado pela leitura. Espero que o seu encontro com o Senhor seja maravilhoso e que a sua alma encontre a leveza da doce comunhão. Orarei por isso. Pr. Wagner Antonio de Araújo

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