150 -
ENCONTRO
SECRETO DE
UM
PASTOR
crônica urbana de um ministro
religioso
Um pastor escreveu, em
seu diário, o seguinte texto, retratando um encontro secreto que manteve numa
tarde de primavera:
"Eu precisava
daquele encontro. Era fundamental. Não era possível adiá-lo, sob pena de manter
e aumentar a tormenta.
Cancelei os
compromissos da agenda, desliguei o telefone celular, fechei o computador e saí
com o meu carro. O trânsito estava pesado. O sol ainda brilhava forte no
horizonte e a noite custaria umas três horas para chegar. Assim, conseguiria o
meu encontro sob a luz do sol.
Cheguei ao pé
do parque. Estacionei o carro e calcei o tênis. Peguei a minha bíblia e
coloquei-a na mochila. O cantil estava amarrado na cintura e uma toalha envolvia
o meu pescoço. Até o topo do monte levaria uns vinte minutos e a caminhada seria
bem cansativa.
Coloquei-me a
subir. O caminho era bom, bem pedregulhado, ladeado por árvores frondosas e
relva verde. Nos galhos das árvores ouvi o canto de diversas espécies de
pássaros. Eles sempre estiveram ali sem se importarem com a crise política, a
cotação do dólar ou as insatisfações urbanas e a estiagem severa. Um parque
protegido, irrigado e com vegetação tão densa tornara-se o melhor habitat para
eles.
Enquanto
subia, pensava na vida. Pensava no ministério pastoral, nas diversas pessoas que
buscavam a igreja para ouvir-me, domingo após domingo, quarta após quarta.
Pensava nas famílias e nos seus dilemas, nas pessoas e nas suas escolhas.
Imaginava o que estariam fazendo naquele momento, com quem estariam falando, o
que compartilhavam no facebook ou no whatzapp. Pensei nos relacionamentos
juvenis nas faculdades, nas prosas das vizinhas do bairro ou nas conversas dos
amigos do trabalho. Seriam todos cristãos realmente ou apenas se disfarçavam
para ter onde congregar? Seriam verdadeiros, honestos e reais, ou não passavam
de religiosos de fachada?
O coração
batia forte em meu peito e o suor descia copioso por meus cabelos, rosto
e peito. A toalha servia para limpar os olhos e a boca. A água serviu-me de
lenitivo para a longa subida. Percebi que não estava em forma, que precisava
continuar a caminhar. Pensei na vida sedentária que assumira. Quão diferente
haviam sido os dias antigos, quando caminhar fazia parte do meu menu de
atividades diárias! Mas também a numeração cronológica de minha idade não era
avançada como hoje. O tempo amadurece mas cobra uma fatura
cara.
Agora eu
enxergava o topo. E a subida tornava-se mais íngreme. Talvez uma ponta de
arrependimento aparecesse ali devido ao cansaço da caminhada, mas o motivo que
me levava àquele local era mais precioso e importante. Ofegante e cansado,
olhava para o topo, ganhando coragem, motivação e força. Talvez tenha sido isso
que me fez continuar o ministério pastoral. Tantas vicissitudes, tantas
dificuldades, tantas lutas e decepções, mas o topo era o meu ideal. Sim, o topo!
E como o topo mudou de perfil nos últimos anos!
Sim, quando
comecei o ministério o topo seria pregar como Josué Nunes de Lima ou Timofei
Diacov. Imitar seus trejeitos e maneiras de falar logo mostraram-se um desastre.
Aprendi que Deus criou um Josué, um Timofei e um Wagner e não nos criou em
série, mas com particularidades e identidades diferentes. Tive que entender que
Ele me amava como eu era e que deveria ter o meu próprio estilo. Foi difícil
encontrá-lo num mar de imitações baratas! Enfim, descobri-me no meio das
fantasias. Eu era autêntico finalmente. Então o topo passou a ser o sucesso na
igreja: um grande rebanho de irmãos, um grande poderio financeiro, um grande
grupo de pastores associados, um nome bem grande pendurado na placa da igreja.
Que desastre! Cheguei a ver o crescimento do trabalho numa base acima de 100% em
um ano e meio, mas vi brotar nessa lavoura toda sorte de ervas daninhas e enfim
perdi tudo, deixando o trabalho pior do que havia começado! Foi difícil entender
que o sucesso não está no progresso numérico, financeiro ou de popularidade, mas
em ter fidelidade, estabilidade e ser conhecido no Céu. Descobri que pessoas
tornam-se grandes amigas do cargo promissor que assumimos, mas não estão nem aí
para nós, que os ocupamos. Aprendi que somos descartáveis. Então entendi que o
topo que precisava atingir era o coração de Deus, tornando-me como Daniel, um
"homem mui desejado, estimado, amado" pelo Céu. Isto sim faria toda a diferença.
Porque, se para os homens somos descartáveis, para Deus não!
Cheguei,
enfim, ao topo. Não havia ninguém, só as várias árvores e a vista espetacular de
uma grande parte da cidade. Os três bancos colocados pelo parque para os
corajosos caminhantes estavam vazios, do jeito que eu gostaria de encontrar. Vi
os aviões sobrevoarem minha cabeça, passando perto, aprumando a rota de descida
para o aeroporto. Ouvi o burburinho dos carros lá embaixo, como que tão
distantes, quase que em outra dimensão. Ali o vento, os pássaros, as nuvens e a
relva faziam-me companhia.
Lavei o rosto
na torneira d'água, enxuguei-o com cuidado, tirei o tênis, peguei a minha
bíblia, abri-a no meu texto preferido ("Eu sei que verei a bondade do Senhor na
terra dos viventes"), e dobrei os meus joelhos. Eu fora ali para orar. Não, não
fora "orar no monte", fora orar "num lugar quieto, a sós com Deus". Por incrível
que pareça é extremamente difícil encontrar locais assim em casa, na rua, e, não
raras vezes, na própria igreja. No meu caso, o ruído dos pedreiros a trabalharem
na construção impedem qualquer momento reflexivo ou encontro privado de
qualidade com o Criador. E, não raras vezes, locais muito comuns afastam o
coração do verdadeiro motivo do encontro. Como não encontrei um vale disponível,
escolhi esse parque público.
E então pude
fazer o que deveria ter feito há muito tempo: dobrei os meus joelhos e chorei.
Ah, como chorei! Chorei gostosa e sofregamente aos pés do Senhor, que não estava
no monte, mas no meu coração. Aliás, imanente como é, está em todos os lugares.
Mas ali, especialmente, era o meu Moriá, o meu Sinai, o meu Jardim das
Oliveiras, o meu Jaboque! Eu precisava disso! Eu precisava sentir-me criança no
colo do Pai, menino abraçado com o seu progenitor, o servo prostrado aos pés do
seu Senhor. Lágrimas que caíam quentes na grama verde, num misto de dor,
alegria, saudade, tristeza, desespero e calma, um verdadeiro turbilhão de
emoções!
Passei a
falar com o Pai, orando com a mente e com o coração, não só com a emoção. Um Pai
Pessoal como Deus mantém com os Seus uma comunhão pessoal inteligente e
racional, por isso nós o amamos mais e mais! Ele nos entende! Ele nos acolhe!
Ele nos lê! Ele nos sente! Eu sei que Ele estava o tempo todo disponível em
qualquer lugar. Eu é que não estava disponível com completo quebrantamento. Eu
precisava de silêncio, não apenas o exterior, mas principalmente o silêncio
interior!
Nesta hora
que passei diante dEle fui tratado na alma simbolicamente com um bálsamo curador
vindo do próprio Céu! Havia ofensores que me magoaram profundamente, de forma
maligna, grosseira e sem piedade. O meu coração estava cheio de ressentimento e
amargura. Lembrei-me de que precisava perdoá-los, ainda que eles nunca se
arrependessem. Foi isso que o Mestre ensinou-me na cruz ao perdoar os seus
algozes. Muitos problemas na igreja careciam de solução e eu sentia o peso de
cada um como um impotente sugeridor, nada mais do que isso. Como curar uma
enfermidade, dar um emprego, reconciliar um casal, disciplinar um pecador
escondido, alinhar um filho rebelde? Naquele momento, diante do Todo-Poderoso
senti como que uma confiança profunda no Deus que tudo pode, no Senhor em quem
nada é impossível, e a convicção completa de que Ele é soberano, de que nenhum
fio de cabelo cai de nossas cabeças sem Sua permissão e que para tudo há um
propósito. Pensei na minha falta de dinheiro para quitar os débitos, pagar as
contas, trazer o suprimento para as contas da igreja, realizar os desafios
propostos, e a completa incapacidade de conseguir as verbas. Então senti o
arrepio completo em meu corpo, lembrando-me de que Ele é quem veste o lírio do
campo e supre as aves do Céu, e de que é capaz de fazer o maná matar a fome e
suficiente para dar o pão de cada dia, bastando, de minha parte, confiar em Seu
amor. Por fim, pensei no futuro. Cabelos embranquecendo, pele enrugando, pernas
falhando, o coração apresentando deficiências, e lembrei do túmulo. Foi como um
presente receber na alma o refresco das promessas da vida eterna, da gloriosa
ressurreição, das moradas na Casa do Pai e do reencontro com aqueles que se
foram e que deixaram enormes saudades. Senti que as minhas raízes na Terra
estavam grandes demais, e pedi ao Senhor para tornar-me um homem com raízes
aéreas, cujos nutrientes não vêm deste mundo e nem do que no mundo há, mas da
glória que há de ser viver no Reino de nosso Pai! Exultei e chorei, agradeci e
intercedi. Lancei sobre os pés do Senhor cada um dos meus amigos, e também dos
inimigos, pois sem desejar-lhes o bem eu não poderia ser cristão. Orei e
agradeci.
Depois desse
encontro, remocei e me renovei. Vi, debaixo de uma moita, uma linda rosa
desabrochando. Fui até lá e a colhi, apertando-a nas páginas brancas de minha
bíblia. Depois de desidratada com o tempo, será um lindo enfeite e uma linda
lembrança do meu encontro secreto com o Senhor.
Quando desci,
quase ao anoitecer, estava leve. Sentia que o meu fardo ficara para trás. Não no
monte, mas nos pés do Senhor. Não no pico da montanha, mas no altar do meu
coração.
Obrigado,
Senhor, pelo encontro."
Bem, pode ser que esse
encontro tenha sido apenas literatura edificativa. Mas, que tal se o fizesse
real para você? A mim inspirou. Pastores, leigos, obreiros, ministros, não
importa. Cristãos. O monte está lá, na mente e no coração, podendo ser até o
local onde esse texto está sendo lido. Que tal?
Wagner Antonio de
Araújo,
madrugada de 11 de outubro
de 2014
LINDO TEXTO..PASTOR...FOI DEMAIS...EU PRECISAVA LER ISSO ESSA MANHÃ....PRECISO MIM ENCONTRAR COM JESUS..
ResponderExcluirPrezado irmão: obrigado pela leitura. Espero que o seu encontro com o Senhor seja maravilhoso e que a sua alma encontre a leveza da doce comunhão. Orarei por isso. Pr. Wagner Antonio de Araújo
ResponderExcluir