Na entrada do
restaurante o recepcionista acolhe com um sorriso:
- Bem-vindos,
amigos! Mesa para dois?
Felix, o
marido, responde imediatamente:
- Não, mesa
para um só. Eu sento e minha esposa fica de pé!
- Pára com
isso, Felix! Viemos aqui para relaxar, não para brigar!
Seguiram para
a mesa, sentaram-se e pegaram o menu. Outro garçon aproxima-se e
fala:
- Vão
almoçar, senhores?
- Não, viemos
jantar ao meio dia, não gostamos de almoçar a esta hora!
- Felix, eu
já avisei! Se continuar assim largo-lhe sozinho aqui!
Felix não era
um homem mau, mas estava no limite. Tudo era motivo para se aborrecer. Não
perdoava nada! Acabava sendo grosseiro com suas respostas prontas e imediatas.
Três casos foram inesquecíveis.
O primeiro
foi na igreja. O pastor mandara que todos se dividissem em duplas. O irmão que
se aproximou dele perguntou:
- Posso orar
pelo senhor, irmão Felix?
- Não, não
pode. E se orar eu grito!
O segundo foi
no estacionamento. O funcionário o viu andando pelos corredores e
gritou:
- Procurando
uma vaga, patrão?
A resposta
veio certeira:
- Não, estou
desfilando com o meu carro para fazer inveja aos demais! Tire uma
foto!
O terceiro
foi perigoso. Estava para entrar no banco. O sensor apitou quando tentou passar.
O segurança falou com autoridade:
- Tem objetos
de metal no bolso?
A resposta
não tardou:
- Não, é que
os meus ossos são de titânio e o meu punho de aço; quer
experimentar?
O segurança
sacou de um revólver e com muito custo foi que o gerente apaziguou a situação,
exigindo que Felix fosse embora.
Maria, a
esposa, já não suportava mais. Não casara com um homem grosseiro assim. Ele era
gentil e educado, polido e calmo. Foi justamente a sua elegância e educação que
o atraíra para ela. Eram jovens, ele ainda servia o exército. O que teria
acontecido? Resolveu agir e deu-lhe um ultimato:
- Felix, se
você não procurar ajuda eu vou lhe deixar. Prefiro viver sozinha do que passar o
resto da vida ao lado de um cavalo que só dá coices. Quero que vá procurar o
Pastor Pedro. Ele é um bom conselheiro e diz sempre que ora por nós. Quero que
vá falar com ele.
- Sim, vou
procurá-lo. Mas será para dar-lhe um tapa na orelha, porque não admito que
ninguém se meta na minha vida.
- Então está
bem. Estou indo embora.
E Maria não
estava brincando. Foi ao quarto e começou a tirar as roupas do guarda-roupa.
Felix, a princípio, pensou que se tratava de encenação. Contudo, quando viu o
táxi parado na porta e as malas sendo carregadas,
assustou-se.
- Você está
blefando, não é, Maria? Só porque não vou falar com o pastor você está querendo
me deixar?
- Não, Felix.
Eu só não quero mais estar ao lado de um homem que irá explodir a qualquer
momento, que me faz passar vergonha em público e que não consegue mais
relacionar-se com ninguém. Ou você conversa com o pastor ou eu estarei indo
embora, e não voltarei mais.
Felix
ponderou, pensou, refletiu. Maria não era mulher de voltar atrás no que dizia.
Aliás, foi isso que o atraiu a ela, seu caráter, sua decisão, sua personalidade
marcante e profundamente decidida. Maria era mulher temente a Deus. Fora ela que
o levara à igreja, quando ainda não era convertido. Se para ela significava
tanto procurar ajuda com o pastor, então não lhe restava
alternativa.
- Está certo.
Mas será uma vez só, e já vou avisando: não trará nenhum
resultado.
Maria aceitou
a proposta. Ligou para o pastor, marcou o horário e foram à igreja. Chegado o
momento o pastor abriu a porta e Felix entrou. Sentaram-se e o pastor olhou
firme para Felix, em absoluto silêncio.
- O reverendo
não vai me dizer nada?
- Quem me
procurou foi o senhor, Irmão Felix, não eu. Quem quis conversar comigo foi o
senhor. Estou aqui para lhe ouvir.
- Não fui eu
quem lhe procurou; foi minha mulher. Quer que eu a chame para que ela converse?
Afinal, se ela marcou, ela deve ter assunto; eu não tenho.
O Pastor
Pedro, que já estava bem preparado para os atos de "tolerância zero" do Felix,
apenas olhava para ele, sem dizer nada. Encarava-o com seriedade, mas sem
pressa. Felix, depois de alguns minutos, ficou sem jeito e não sabia para onde
olhar. Às vezes olhava para o teto, outras para os objetos na mesa, outras para
as mãos que não paravam de se movimentar.
Algo em
especial chamou-lhe a atenção. Um vaso de cactus, ao lado do
computador.
- Que planta
é essa, pastor?
- Ah, esse
cactus. Foi um presente de minha mãe.
- E por que
está desse jeito?
O vaso estava
embrulhado com borracha. A planta, que media uns 20 centímetros, estava envolta
com uma rede de arame, e algumas agulhas o espetavam na parte de cima. Seus três
galhos estavam amarrados com arame farpado.
- É que eu
fui espetado por um cactus quando era criança. Estava brincando, caí sobre um,
creio que devo ter sido espetado por uns 50 espinhos. Desde então tenho pavor
dessa planta. Como foi mamãe quem o deu, recebi-o, mas quero ter certeza de que
não irá me machucar mais.
- Pastor,
isso é loucura! O senhor está espetando o cactus com agulhas! Ele não é culpado
pelo seu tombo e pelos espinhos que lhe feriram!
- E daí? Não
é um cactus? Acho que todo cactus deveria ser espetado para ver o quanto nos
machuca.
- Bom,
pastor, acho que o senhor é louco. Me perdoe, mas isso não é
normal.
- Tem
certeza, irmão Felix?
- Claro!
Nunca ouvi falar de alguém que espeta cactus por vingança ou por
precaução!
- Eu
ouvi.
- Ah, é? E
quem, além do senhor?
- Você, irmão
Felix!
Felix
levantou-se veemente e gritou:
- Eu, pastor?
Como pode dizer uma besteira destas?
- Sente-se,
Felix. Você está em meu escritório.
Felix, já
alvoroçado, sentou-se.
- Felix, você
faz isso com todo mundo! Que sentido há em brigar com o garçon, com o segurança
do banco ou com quem quer que lhe pergunte alguma coisa? Ninguém é culpado de
você ter sido injustiçado, ou maltratado, ou agredido em algum momento do
passado. Mas você, para não sofrer mais, para não apanhar mais, bate em todo
mundo e agride a todo mundo. Você trata a todo mundo como eu ao meu cactus!
Portanto, você também está fazendo uma loucura!
Felix não
esperava essa resposta. Felix gostava muito de plantas e até cultivava um jardim
em casa. Não podia entender como alguém fazia uma plantinha sofrer. E foi
justamente por isso que caiu na armadilha do pastor: ele estava sendo cruel
também, não com as plantinhas, mas com as pessoas.
- Pastor, eu
já fui muito humilhado! O sargento que comandava a nossa companhia zombou de mim
e todos riram, no quartel. Eu virei motivo de piadas. Quando saí do serviço
militar, na porta da estação, não percebi que haviam colocado cascas de banana e
me fizeram cair, e todos riram muito. Fui um palhaço para as esposas dos
soldados e dos seus filhos. Fui humilhado. Fiquei sem dormir várias noites até
que decidi que ninguém mais riria de mim.
- Felix, meu
caro irmão. Ah, Felix! As outras pessoas não são culpadas! Nem todo mundo estava
lá e nem todo mundo quer ferir a você! Maltratá-las por antecipação ou
espetá-las com respostas ácidas não trará a sua salvação daquele fato do passado
e nem lhe protegerá de novos fatos no futuro. As pessoas não podem pagar pelos
erros que cometeram contra você. Mas gostaria de fazer um
trato.
- Que trato,
pastor?
- Se você
orar agora, pedindo ao Senhor que lhe ajude a perdoar quem lhe ofendeu no
passado, conforme Jesus nos ensina, e se você implorar a Deus para ajudá-lo a
controlar-se e não descontar sua ira e vingança nos outros, então eu vou tirar
as agulhas, os arames e a borracha do meu cactus, deixando-o livre para
desenvolver-se, sem sofrimento. Que tal?
Felix estava
vermelho e emocionado. Um misto de raiva, de ira, mas também de arrependimento e
de dor.
Resolveu
aceitar o desafio.
- "Senhor,
não tenho sido justo com as pessoas ao meu redor. Estou descontando nelas o que
fizeram comigo no quartel. Elas não têm culpa, Senhor! Ajuda-me a tratá-las bem,
e, acima disto, ajuda-me a perdoar os meus algozes do exército. Que eu consiga
perdoá-los por completo. E também ajuda o pastor a parar com a insanidade de
ferir a plantinha que não lhe fez nada... (nisto Felix chorou)... Em nome de
Jesus, amém".
Após uns
minutos recobrando-se, Felix ergueu-se e disse:
- Trato
feito, pastor. Obrigado pelo conselho.
- Felix,
poderia me fazer um favor?
- Diga,
pastor!
- Leve esse
cactus e cuide dele para mim. Sei que você tem jeito com isso e ele estará mais
seguro com você.
Felix não
titubeou. Pegou o cactus e imediatamente libertou-o das agulhas e do arame
farpado. Saiu do escritório, tomou sua esposa, pegou o seu carro e foi para
casa.
Não foi uma
mudança imediata, mas dia após dia Felix recuperou a doçura, a elegância e a
postura que tanto encantara a Maria. Na igreja tornou-se um companheiro e em
toda parte onde ia passou a ser benquisto.
O cactus?
Está lindo e até floriu. Ele não foi culpado pelos espinhos do pastor. Agora é
bem tratado, tanto quanto são bem tratadas as pessoas ao redor de Felix. (que
não se diga nada ao Felix, mas o pastor havia preparado aquele cactus para
receber o Felix. Não mentira sobre ter sido presente da sua mãe, mas as agulhas
tinham sido espetadas pouco antes da entrevista...)
Não te deixes
vencer do mal, mas vence o mal com o bem (Rm 12:21)
Não julgueis,
e não sereis julgados; não condeneis, e não sereis condenados; soltai, e
soltar-vos-ão. (Lc 6:37)
O homem se
alegra em responder bem, e quão boa é a palavra dita a seu tempo! (Pv
15:23)
Wagner
Antonio de Araújo
28/09/2014
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