segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

memórias literárias - 307 - ALMA INSATISFEITA


 

ALMA
INSATISFEITA

307
 
Nada agrada. Nada alegra. Nada parece fazer sentido. Sons de riso, de festa, de celebração. Lá dentro, entretanto, um grande vazio, um grande nada. Para o mundo o rosto mostra harmonia, equilíbrio, otimismo. No coração, todavia, a tristeza de uma grande farsa. A alma está insatisfeita.
 
Pensou em progredir. E até conseguiu. Estudou. Formou-se. Trabalhou. Graduou-se. Acumulou recursos, comprou imóveis e veículos. Conseguiu ajuntar dinheiro e possuiu prestígio. Mulheres o desejaram; homens o invejaram; invejosos o criticaram; novatos queriam imitá-lo. Mas dentro da alma encontrou um caos sobrevivente: nada disso satisfez. Não via sentido em nada, não encontrava valor algum permanente. A força da conquista terminava no instante em que conquistava. O desejo de comprar morria com a compra.
 
Pensou em viajar. E viajou. Conheceu cada canto e recanto que havia por conhecer. Viu as praias, viu os sete mares. Viu montanhas e vales, picos e cataratas, aldeias e metrópoles. Sentiu o calor das zonas equatoriais e o frio dos polos. Viu a aurora boreal e também a noite sem fim do inverno nos países baixos. Bebeu os vinhos europeus, comeu os chocolates suiços e o queijo dos Alpes. Conheceu cada rua de sua cidade e ainda assim não conseguiu conhecer a própria alma, que teimava em não sentir qualquer felicidade, qualquer alegria constante e verdadeira. Seu coração estava solitário e vazio.
 
Tratou-se com amores. Conquistou todas as mulheres que desejou. Perverteu os seus caminhos e não limitou-se ao mundo feminino. Praticou toda sorte de prazeres físicos de que se tinha notícia. Experimentou todas as drogas, todas as dores e todas as alegrias. Explorou todo o universo da sensibilidade. E descobriu-se mais pobre do que nunca, vazio de corpo (destruído) e de alma (insatisfeito).
 
Refugiou-se na religião. Converteu-se a vários credos. Vestiu-se como um devoto. Carregou uma cruz às costas e pagou suas promessas. Decidiu fazer meditação e explorou as religiões orientais. Cheirou incenso e foi para as comunidades. Saiu delas e entrou para os evangélicos. Queimou rosas secas e fez desafios em fogueiras santas. Pagou votos e peregrinou pelas montanhas de oração. Desiludido, entrou para o espiritismo. Tentou psicografar, fez terapia, hipnose e descobriu que nada disso tinha sentido. O que a alma queria era suicidar-se. Afinal, por mais que se corresse atrás de algo, nunca encontrava a felicidade desejada. Morrer seria o melhor.
 
A alma insatisfeita queria terminar a jornada. Morando em SP, chegou ao Viaduto do Chá. Era noite e iria atirar-se na avenida que passava por baixo (antes da reforma do Anhangabaú). Seria rápido e eficaz, talvez demorasse uns minutos para morrer, mas seria fatal. Subiu ao muro e deu um último olhar. Nisso aproximou-se dele um transeunte, que lhe perguntou:
 
- Se for perder a vida, por que não fazê-lo por Jesus? O senhor já tentou de tudo, mas ainda não tentou Jesus.
 
- Como? Que invasão é essa? Deixe-me em paz! E para o seu governo eu fui evangélico!
 
- Mas não perdeu a vida por Jesus. E agora irá perdê-la sem Jesus. Que desperdício!
 
- Homem, perder por perder, que diferença isso fará?
 
- Com relação a morrer, nenhuma. Mas definirá o que virá depois disso, creia o senhor ou não creia. Antes de pular poderia dar-me 5 minutos de atenção? Se o que eu lhe disser for válido o senhor desce daí e não se suicida. Se não, eu irei embora e o senhor fará o que quiser. Pode ser?
 
O homem da alma insatisfeita aceitou. Sentou-se no muro e passou a ouvir aquele desconhecido. Com palavras simples ele lembrou-se de que Cristo dissera: "aquele que amar a sua vida mais do que a mim, não é digno de mim". Contou para ele que Cristo viera para saciar a alma insatisfeita e que ele estava a um passo de destruir essa chance. Falou sobre si próprio, cuja vida era tão vazia quanto a dele, falou das mulheres, das drogas, do crime e do satanismo com o qual se comprometera. E convidou-o para fazer uma última tentativa, agora com Cristo, de verdade.
 
- Fale agora de coração a Deus, dizendo que sua alma está insatisfeita. Diga para Ele que eu lhe apontei Cristo como a solução. Pede para que Ele envie agora o Espírito Santo em seu ser, recebendo Jesus como Salvador e Senhor. E eu lhe garanto que algo irá mudar aí dentro. E sua alma insatisfeita será saciada. Que tal? Se não der certo, o senhor pode me condenar e se matar à vontade. Mas se der certo, o senhor terá oferecido a sua vida com um propósito e com uma recompensa. Que tal?
 
Aquele homem da alma insatisfeita fez isso. Ao iniciar a prece sentiu-se absolutamente solitário e desiludido. Ao terminá-la sentiu-se diferente, um certo alívio tomou conta do coração. Acompanhou o desconhecido ao bar da Rua São Bento e, enquanto tomaram um café reforçado, o desconhecido lhe falou do amor de Deus. E despediram-se, para nunca mais se verem (até hoje).
 
O homem da alma insatisfeita tornou-se feliz. Tornou-se um crente, estabeleceu-se na vida, formou família e ao longo de seus anos ajudou outros de almas insatisfeitas a acharem na cruz de Cristo a razão de suas vidas. Ele ainda deseja rever o evangelista que o livrou da morte, mas talvez só o reveja no Céu, quando estiver com Cristo.
 
"Alma cansada, não desespere, espera em Deus,
Que Ele vem, que Ele vem te socorrer,
Espera em Deus, espera em Deus e no seu amor!"
 
Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma? Ou que dará o homem em recompensa da sua alma? (Mt 16:26)
 
Mas Deus lhe disse: Louco! esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será? (Lc 12:20)
 
Porque aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, e quem perder a sua vida por amor de mim, achá-la-á. (Mt 16:25)
 
Mas aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede, porque a água que eu lhe der se fará nele uma fonte de água que salte para a vida eterna. (Jo 4:14)
 
Este texto foi inspirado numa história real.
 
Wagner Antonio de Araújo

11/01/2016

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