terça-feira, 19 de abril de 2016

memórias literárias - 332 - O PASTOR SIQUEIRA MORREU


O PASTOR SIQUEIRA
MORREU
332
"Como? O Pr. Siqueira morreu? Meu Deus! Tão jovem, tão ativo! Que tragédia!"
"Não! O Pr. Siqueira? Não é possível! Ele pregou domingo à noite e estava cheio de planos! O que aconteceu? Ataque cardíaco? Jesus amado..."
Aos poucos os irmãos ligavam uns para os outros. A notícia chegou à ordem de pastores e estes também repercurtiam a notícia.
"Ah, Senhor, que tristeza! Um homem tão experiente, tinha tanto para dar, agora recolhido às mansões celestiais! Estamos empobrecidos!"
"Como eu queria ter tido tempo para beber de sua sabedoria, enriquecer a minha alma, infelizmente os afazeres do dia a dia me impediram de um contato mais longo..."
Chegou a hora do culto da saudade, culto fúnebre. Igreja cheia, lágrimas, dor, mas gratidão pela vida do obreiro. Familiares se revezavam nos cuidados para com os presentes, pastores teciam elogios, enfim, tudo muito bem feito e participativo.
O cortejo acompanhou o caixão até o cemitério. Mais um culto, hinos e, enfim, o sepultamento propriamente dito. Aos poucos todos se despediram, cada um tomou o seu lugar nos automóveis e ônibus e acabou a celebração. No cemitério apenas a terra revolvida e o jovem caixão com o Pr. Siqueira.
Ele deixara a vida para entrar na história, como diria Getúlio Vargas. Mas deixara a igreja terreal, os amigos, os irmãos, os familiares, os vizinhos, os bancos, a receita federal, tudo. Ele agora era um nome no obituário, não na lista telefônica.
Com os dias e meses as pessoas percebiam o quanto perderam tempo e oportunidade. "Ah, como eu gostaria de ter conversado mais com o Pr. Siqueira!"; "Sinto falta dos seus conselhos"; "Como me lembro de suas prédicas, sempre bem feitas e planejadas!"; "Que falta faz a sua administração!"; "Sinto falta de papai; eu poderia ter dito que o amava, mas não o fiz!"; "Perdi tanto tempo na cozinha ou comigo mesmo, e agora sinto que poderia ter vivido melhor o nosso casamento!".
O mundo evangélico também sentia. As revistas cristãs queriam ouvir a opinião daquele querido pastor, tão bíblico e tão equilibrado; mas agora era tarde. Eles lembravam-se de quantas vezes ele os procurara para publicar algum sermão ou artigo, mas nunca lhe deram a oportunidade. A denominação à qual pertencia ressentia-se de não ter oferecido oportunidades melhores para o obreiro, mesmo percebendo que ele sempre estava presente, disposto a cooperar e possuia um carisma profundo e grande temor do Senhor. A igreja que pastoreou sentia falta de seus sermões; muitos que faltavam à Escola Bíblica Dominical, cultos noturnos ou de oração, agora lamentavam-se, dizendo: "tivemos tantas chances de ouvi-lo e agora lamentamos e sentimos falta de seus sermões..."
E assim família, igreja, mundo cristão e a sociedade em geral descobrem-se pobres, terrivelmente pobres, convictos de que eram ricos e não deram o devido valor ao Pr. Siqueira. Se o tempo pudesse voltar, certamente ouviriam mais o querido pastor, dariam a ele maior atenção, desfrutariam de sua preciosa companhia e publicariam suas preciosas mensagens, tão caras e tão bíblicas. Mas o tempo não para e no Rio do Tempo os que saem não regressam mais, senão no dia do grande julgamento. Uma vida que se vai é uma página que se vira na agenda da existência.
Enquanto escrevo muitos estão a imaginar: quem era esse Pastor Siqueira? De onde era, que igreja pastoreava, quando morreu?
E eu digo: o Pastor Siqueira pode ser qualquer um dos pastores que estão nos púlpitos a pregar, nos gabinetes a atender, nas casas a cuidar das famílias, nas denominações a participar de suas atividades. Estes obreiros, talvez por manterem pouco interesse político não brilham como outros. E o brilho dos demais não significa que não possuam algo precioso, importante, "sui generis". Eles só não são percebidos. Muitas vezes os membros de suas igrejas deixam de ouvi-lo nos cultos, faltando nas atividades, porque sabem que domingo após domingo poderão encontrá-lo lá, pronto a pregar, a ensinar e a aconselhar. Deixam essas oportunidades para mais tarde. Muitos familiares, principalmente filhos e netos, mantém como prioridade a sua própria geração, relegando a atenção ao velho obreiro apenas aos dias especiais ou a momentos em que estejam com a agenda vazia. Muitos estão tão seguros de que tal pessoa sempre estará presente, que o confundem com um móvel, um patrimônio, uma árvore. Mas móveis se deterioram; patrimônios se perdem; árvores morrem. E pastores não duram para sempre.
Lembrem-se dos velhos obreiros que cuidaram de suas igrejas. Lembrem-se de suas esposas. Por onde andam? Lembrem-se dos pastores idosos que frequentam a igreja; como estão? Há um poço de conhecimentos e uma fonte de grande sabedoria numa boa prosa e numa boa conversa com eles. As novas gerações poderiam beber de sua longa experiência de vida. A família poderia valorizar-lhe mais, amar-lhe mais, torná-lo mais especial e presente, não um estorvo ou algo secundário no dia a dia da casa.
Vamos dar maior valor aos nossos pastores veteranos. Eles morrem. Eles partem. Eles um dia deixarão de pregar. Ouvi-los no púlpito ou nos cultos domésticos é algo que podemos fazer agora, mas isso um dia terminará. Lê-los e poder discutir seus textos com eles é um privilégio dos contemporâneos, não dos futuros leitores. E dar oportunidade para que falem, publiquem, escrevam, deve ser algo atual para as editoras e rádios, mesmo ceder o próprio púlpito para os pastores idosos; deixar tudo isso para amanhã é perder para sempre. E essa perda jamais será compensada.
Que tal dar mais valor ao seu Pastor Siqueira enquanto ele está vivo?
Pr. Wagner Antonio de Araújo

20/04/2016

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