quarta-feira, 14 de agosto de 2019

memórias literárias - 795 - UM PAR DE MEIAS

UM PAR
DE MEIAS

795
 
Ele estava sentado na calçada. Sentia frio. Seus pés estavam descalços. Seu nome era Aluísio. Não era um mendigo ou um andarilho. Era um homem triste e fracassado. Fazia um mês que estava na rua. Perdera o emprego, brigara com a esposa, foi agredido pelo filho e então, entristecido e acabado, decidiu sair de casa. Como sói acontecer, os amigos desapareceram. Sobrou-lhe a rua tão somente.
 
A menina estava com a mãe na loja de roupas. Olhou para o homem na calçada e disse:
 
- Mamãe, olhe aquele homem. Ele sente frio!
 
- Deixa pra lá, menina. Ele se arranja. Vamos comprar as roupinhas de frio. Venha...
 
Elas entraram e foram escolher suas roupas. Blusas, camisetas, calças, agasalhos, meias ... Meias? Sim, aqui estava algo que a menina poderia fazer.
 
- Mamãe, mamãe, posso pedir uma coisa?
 
- Sim, filha. O que é?
 
- Posso pegar um par de meias para aquele homem da calçada?
 
- Mas, filha, ele vai jogar fora! Eles não dão valor para nada. Depois alguém doa algum par de meias usadas. Pare de pensar nisso...
 
A menina não ficou feliz. Foi até a porta da loja e viu aquele homem cabisbaixo, na calçada, sujo e entristecido. E tremia de frio.
 
Voltou para a mãe, que estava no caixa.
 
- Mamãe, por favor, deixe-me levar um par de meias para aquele homem.
 
- Não insista, filha. Ele se vira.
 
- Por favor, mamãe, por favor, por favor..
 
- Está bem, está bem. Vamos logo. Pegue a mais barata.
 
- Mas, mamãe, ele sente frio. Deixa eu dar esta, é tão grossa e quentinha!
 
- Ai que menina!
 
Ela correu, pegou um par de meias bem grossas, pretas, correu para o homem e disse:
 
- Moço, moço!
 
- Oi, meu bem.
 
- Eu trouxe para o senhor esse par de meias. Espero que elas aqueçam os seus pés!
 
- Ô, minha filha, muito obrigado pelo carinho! Deus te abençoe!
 
- Eu espero que o senhor melhore e que as meias aqueçam também o seu coração.. Tchau!
 
E saiu correndo.
 
Aquelas palavras  mexeram com a alma de Aluísio. Aquecer o coração? Como ela poderia saber que o seu coração sentia frio? Ah, estava na cara! Ele não poderia estar bem naquela situação. Lembrou-se de tudo o que ficara para trás: sua esposa, seu filho, sua casa, seu carro, sua dignidade. Agora dormia na rua, com ratos e baratas, comia lixo e não tinha amigos. Ele precisava aquecer o coração.
 
Vestiu as meias. Elas imediatamente aqueceram os pés, que cortaram o frio do corpo. Sentiu-se melhor. Mas as palavras da menina fizeram-lhe enxergar que ali não era o seu lugar. Caminhou até o posto de combustível e deu-lhe duas notas de dois reais, pedindo ao frentista que lhe deixasse usar um telefone. Seria ligação local. O frentista, comovido, emprestou-lhe o próprio celular.
 
- Maria?
 
- Aluísio? Graças a Deus! Onde você está? Eu não aguento mais lhe procurar! O seu filho está doente, não foi mais à escola. Ele se culpa! Pelo amor de Deus, onde você está?
 
Bem, essa estória terminou assim:
 
Aluísio voltou para casa. O flho pediu-lhe perdão. A esposa o acolheu, deu-lhe um banho, colocou as suas boas roupas e em quinze dias ele encontrou um trabalho, não do jeito que queria, mas o que estava disponível. Em dois meses ele recolocou-se no velho ofício.
 
Tudo que usou na rua ele jogou fora; apenas guardou num quadro de vidro o par de meias grossas que ganhara da menininha de bom coração. Embaixo, nos dizeres da obra, estava escrito: "UM PAR DE MEIAS, PRESENTE DA MENINA QUE AQUECEU O MEU CORAÇÃO.
 
Wagner Antonio de Araújo

 

2 comentários:

  1. Que linda estória! Que benção se todos pudessem aquecer o coração de alguém!

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  2. Será que damos oque realmente aquece ou damos as sobras . SENHOR tenha misericórdia de nós, nos ensina a amar como JESUS amou.

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