ONDE
ESTAMOS?
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Laboratório
de exames clínicos. Estou com a minha esposa, prestes a ter bebê. Há exames
urgentes a fazer. Estamos com pouco tempo, pois há o rodízio de automóveis e é o
nosso dia. Além disso a nossa filha Rute sairá dentro de duas horas da
escolinha. Somos encaminhados para uma sala cheia de gente. Eles aguardam pelo
exame.
Olho para as
pessoas. Há meia dúzia de crianças, umas quinze mulheres, uns dez homens. Uma
tevê ligada num programa de auditório do canal mais popular do país, com as
futilidades e vulgaridades típicas. Mas ninguém assiste. Estão todos com um
celular na mão. As crianças olham e apertam o ecrã nos joguinhos carregados. Os
adultos assistem vídeos. As mulheres conversam pelos aplicativos. Outros digitam
avidamente textos com quem está do outro lado. Alguns estão com fones de ouvido,
fora da realidade.
Fora da
realidade estavam quase todos. Estavam de corpo presente e de mente ausente. Uma
porção de zumbis alienados, presentes num lugar e com as mentes a vagar no mundo
etéreo virtual. Eu pensei algumas coisas.
1) Ninguém se
olha. As pessoas sentam-se nas cadeiras e sequer pedem licença a quem está ao
lado. Para elas os outros inexistem. Acredito que nem elas existem para si, pois
o mundo está dentro desta caixinha alucinante. Se pudessem mergulhariam na tela
do celular.
2) Ninguém se
escuta. Eles ouvem o que sai do celular. Eles ouvem os fones de ouvidos. Eles
não ouvem a voz do próximo, eles não se conversam. Eles sequer atentam para quem
está do lado. Por isso o som da senha chamada é gritante, para chamar a atenção
dos zumbis que aguardam os exames.
3) Ninguém se
ama. As pessoas não estão sensíveis às necessidades do próximo ou as dores
alheias. Para elas o que importa é suprirem a necessidade própria e sairem para
as suas vidas sem sentido. Parafraseando Vandré, elas aprendem a força da
comunicação virtual e vivem isoladas e sem razão em seus cérebros
alienados.
4) Não há
mais alternativa. O mundo está exatamente como já previa aquele filme "1984"
onde o "Grande Irmão" (Big Brother) estava a vigiar a todos até nos banheiros.
Só há uma diferença: lá era obrigatório; aqui é voluntário. E as próprias
pessoas iniciam os seus filhos nos celulares. Um menino que não contava mais de
dois anos ficou mais de quinze minutos fissurado num celular que os pais lhe
deram enquanto navegavam pelo google! O que poderia acontecer para mudar isso?
Uma explosão termonuclear que colocasse fim a todas as conexões eletrônicas e
encerrasse todo contato virtual? Isso é improvável. A tendência é piorar muito,
a ponto de ninguém ser capaz de sobreviver neste mundo sem uma caixinha maldita
destas, que será a chave para se comprar ou vender, para ser alguém ou ser
inexistente. Um 666 real que cresce a passos largos.
Sinto
saudades do meu tempo de criança. Sinto saudades das pessoas. Sinto saudades dos
telefonemas dos amigos. Sinto saudades das cartas pelo correio. Sinto saudades
dos almoços e cafés com parentes. Sinto saudades de viajar para encontrar a quem
se ama.
Tempos
solitários...
Wagner
Antonio de Araújo
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