EM TEMPOS DE CRISE
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Experimentamos uma crise
político-econômica sem precedentes na história recente do Brasil. A sensação que
temos é de estar à porta da U.T.I., acompanhando a luta de um paciente terminal.
Alguns torcem pela sua plena recuperação; outros pelo seu falecimento. Cada um
tem os seus motivos. Este escritor também tem a sua própria opinião bem formada,
que não fará parte desta reflexão.
Isto me faz lembrar as
histórias que ouvia de minha mãe, de minha avó, do Pr. Timofei Diacov e de
outros remanescentes de outras crises. Contavam-me que na época da segunda
guerra mundial as pessoas entravam em filas que viravam quarteirões, para
comprar um pão duro feito com farelos de farinha e de gosto horrível. Não era
possível comprar dois. Não havia gasolina para os carros; inventaram um sistema
alternativo, um tanque à parte para os poucos veículos. Tudo era racionado.
Sobre a revolução de 1964 contaram-me os que viveram naquela época da
dificuldade de transitar fora do horário normal, do medo de aglomerações e dos
desaparecimentos.
Eu também vivi crises em meus
cinquenta anos de vida. Em minha época as crianças trabalhavam desde cedo,
prática que, conquanto criticada pela mentalidade de hoje, fez-me muito bem. Aos
doze anos vendia maçãs-do-amor no Museu do Ipiranga. Fui jardineiro, lavador de
vasos em floricultura, entregador de remédios e balconista de farmácia, vendedor
de fresas, office-boy de banco, de empresa de computadores, datilógrafo,
teletipista (operador de telex), vendedor de chocolates, corretor de seguros, de
imóveis, vendedor de sorvetes na porta de fábricas, fui operador de
computadores, programador, contabilista prático etc. Vivi o desemprego de 1982,
de 1986, vivi cada crise e cada plano mirabolante de recuperação e nova
deterioração da economia. Na década de 90 com o confisco das contas bancárias eu
conheci gente que se suicidou, que perdeu tudo da noite para o dia. Eu vi
famílias despedaçadas e nunca recuperadas! Vivi o apogeu de um bom salário,
quando por méritos fui promovido na USP, onde servia como técnico na área de
contabilidade, e os vexames de sequer receber prebenda pastoral em alguns meses,
por amor à Causa do Senhor, já como pastor de tempo integral.
A Bíblia é um livro escrito
em meio às crises. As experiências nela expressas não são as de épocas áureas ou
de grande prosperidade, exceto as do tempo do império davídico ou salomônico.
Escreveu-se em meio aos cercos dos inimigos, em meio à fome das cidades e dos
campos, em meio às invasões dos filisteus, sírios e outros povos; escreveu-se na
escravidão do Egito ou na deportação de Babilônia. No Novo Testamento
encontramos os evangelhos escritos no meio das perseguições contra os cristãos,
nas perseguições judaicas contra Paulo, Silas e Barnabé, nas prisões dos crentes
e nos exílios, como o de João na Ilha de Patmos. Neste ambiente repleto de
crises ouvimos o Apóstolo Paulo dizer com absoluta convicção e sem utilizar-se
de falsa modéstia: "Não vos declaro isso por estar necessitado, porquanto
aprendi a viver satisfeito sob toda e qualquer circunstância. Sei bem o que é
passar necessidade e sei o que é andar com fartura. Aprendi o mistério de viver
feliz em todo lugar e em qualquer situação, esteja bem alimentado, ou mesmo com
fome, possuindo fartura, ou passando privações. Tudo posso naquele que me
fortalece. …(Filipenses 4.11-13).
Se hoje o Brasil, o Oriente
Médio, a Índia, os países africanos e grande parte da Europa atravessam crises,
sejam para toda a população local ou para parte dela (como no caso dos
refugiados sírios), a receita para atravessá-la continua sendo a mesma de todos
os séculos no coração daqueles que confiam no Senhor de todo o seu coração.
Para os crentes cristãos legítimos as crises fazem parte da vida: "No mundo
tereis aflições; mas tende bom ânimo: eu venci o mundo" (João 16.33). Nós, os
que cremos no Senhor, sabemos que o nosso lar não é aqui e que o príncipe deste
mundo e deus deste século está julgado. Não nos enganamos com mensagens de que
"o Brasil é do Senhor Jesus", pois o mesmo Senhor afirmou: "o meu reino não é
deste mundo". Também não nos iludimos com falsas promessas de prosperidade e de
paz, pois "quando vos disserem: paz e segurança, sobrevirá repentina
destruição". Os nossos olhos estão fitos em Deus, nos céus, onde o Pai mora e
onde teremos novos céus e nova Terra.
Isto não significa furtar-nos
ao dever cívico de defender o país das ditaduras impiedosas, das forças
políticas corruptas e dos ludibriadores das massas populares. Este escritor tem
sua posição política bem pontuada e, como um cidadão brasileiro que paga
impostos e que cumpre a lei, sabe manifestar-se nos lugares e nas oportunidades
legais, fazendo valer a sua liberdade de opinião. Aliás, o próprio apóstolo
Paulo dizia isso aos escravos da época: "Foste chamado sendo servo? não te dê
cuidado; e, se ainda podes ser livre, aproveita a ocasião." (1Co 7:21).
Furtar-se do dever democrático de apoiar a justiça e condenar o crime é algo que
não consta do ideário de crentes conscientes. Mas tal liberdade não pode dar
lugar nem à carne, nem ao pecado, nem à violência, nem à quebra dos valores que
norteiam a vida cristã, pontificados no Sermão da Montanha, na Oração do Pai
Nosso e nos Dez Mandamentos. Participação política não é salvo-conduto para
quebrar valores de vida e de fé.
Crises se enfrentam com
coragem, com opinião, com o voto, com a presença física nas manifestações
ordeiras e com a palavra ponderada e posicionada sobre a verdade, a justiça e os
valores sobre os quais uma nação, uma economia e uma história devem centrar-se.
Esta coragem forja heróis. Estes heróis, se cristãos, honram as palavras com uma
conduta que dignifica o que é dito. Pregam e praticam a justiça e a moralidade,
não apenas alardem bravatas eleitoreiras ou amotinadoras. "Falai de tal maneira
e de tal maneira procedei, como havendo de ser julgados pela lei da liberdade."
(Tiago 2.12). Um bom crente idealista não tem um discurso público elegante e uma
linguagem chula em diálogos particulares.
Crises se enfrentam com
oração. Foi assim que diversas vezes os hebreus ganharam as batalhas, algumas
vezes sem mover uma única espada. Deus atua com seus anjos, atua com a confusão
no campo do inimigo, atua com as ações das forças da natureza, atua com o fim da
vida no coração de quem tem sido inimigo do Reino de Deus. A oração sincera,
particular secreta, de quarto fechado; a oração em família, de joelhos, no culto
doméstico; a oração em igreja, em vigílias, nos cultos ao Senhor; a oração dos
crentes de todo o país, unidas pelo propósito de suplicar a intervenção divina
nas irracionalidades dos líderes políticos e econômicos. Sim, muito pode a
oração dos justificados, quando feitas em nome do Senhor Jesus Cristo, em
contrição, em submissão e com absoluta fé.
Crises se enfrentam com
trabalho e com estudo. Deus nos quer a ganhar o pão com o suor do próprio rosto
e não com os benefícios de ajudas sociais. Porém, quando não há trabalho e
quando a economia está travada, temos que nos ajudar e nos apoiar mutuamente,
desejando-nos em honra uns dos outros, repartindo o pouco que temos com os
domésticos da fé que têm menos do que nós. Temos que olhar para o próximo e
procurar suprir a sua necessidade (e não os seus caprichos). Temos que expressar
nosso amor e carinho em atitudes práticas de quem ajuda a carregar o fardo e não
como os que proclamam suas críticas em cima dos que estão caídos. Ao mesmo tempo
investir no conhecimento, no estudo, nas soluções, no conhecimento, no
crescimento pessoal. Enriquecer o vocabulário, enriquecer o conhecimento naquilo
em que militamos profissionalmente, tornarmo-nos os melhores em nossas
atividades. Isto trará progresso e bons resultados, além de prover, num futuro
próximo, quando as crises diminuirem, oportunidades e recolocações
melhores.
Crises se enfrentam com
perseverança. São épocas propícias para ensinar o valor da persistência, da não
desistência, da continuidade, da fé. Fé que não se baseia em homens, fé que se
baseia na certeza da presença de Deus em nossas dificuldades. Este escritor tem
glorificado ao seu Criador por dar-lhe persistência no ministério pastoral que
exerce, mesmo que enfrente por vinte anos crises e mais crises. A persistência
tem levado a existência de uma igreja, de uma capela, de um terreno e de um povo
que, se não tivesse havido perseverança, não existiriam como tais. Uma lição
aprendida e ensinada por mais de vinte anos. Quantos pais de família, mães
honradas, estudantes dedicados, trabalhadores consagrados, não me lêem agora,
pareados e enfileirados com este escritor, na persistência de sua dedicação
incondicional? Uma canção sertaneja diz que o carreiro de bois, ignorante,
iletrado, ganhando pouco e vivendo por décadas pelas empoeiradas estradas do
campo, foi o responsável em colocar um diploma de doutor nas mãos do filho.
Perseverou com tão pouco, venceu de forma tão bela! Jamais me esqueço de uma
visita feita à Igreja Batista em Pinheiros, SP, quando Juca, um querido irmão
dali, mostrou-me uma senhora que vendia cocadas após o culto: viúva e com filhos
pequenos, aprendera a fazer os quitutes; com os tais, construíra 4 casas, uma
para cada filho e agora terminava a construção da sua própria moradia.
Perseverança, mesmo que com sofrimento, gera a vitória!
Crises se enfrentam com
esperança. As dificuldades não duram para sempre. Pessoas más e políticos
corruptos, conquanto possam nunca atravessar um julgamento humano devido aos
seus relacionamentos com os poderosos, terão que enfrentar o juízo de Deus um
dia. E, fatalmente, falecerão por enfermidades ou por idade. Políticos não duram
para sempre. Partidos não continuam para sempre. UDR, UDN, ARENA, quem se lembra
dessas siglas? Talvez os mais velhos, talvez os estudantes de história; mas
essas siglas eram poderes monstruosos na história deste país. O mesmo se
sucederá com os corruptos partidos e agremiações que destruíram a nossa
política, a nossa economia e a propriedade particular dos brasileiros: eles
também passarão! Minha esposa contou-me uma fábula muito interessante: um rei
possuia um sábio conselheiro; num ápice de felicidade e prosperidade o rei
indagou qual a opinião do sábio. "Isto passará", resposta que indignou o rei.
Dentro de pouco tempo uma crise sem precedentes abateu o seu império e o sábio
foi novamente consultado. A resposta não tardou: "Isto também passará". Faz-me
lembrar o que Deus diz em Sua Palavra: "E o mundo passa, e a sua concupiscência;
mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre." (1Jo
2:17)
Enfim, crises se enfrentam
com malas prontas. Sim, malas prontas não para fugir e pedir asilo num país
remoto ou próximo. Não para fugir da responsabilidade ou da presença naquilo que
a Pátria solicitar. Não para deixar de cumprir com a obrigação perante Deus,
abandonando a igreja, as contribuições ou o testemunho. Não para fugir do
trabalho, dos estudos, da perseverança ou perder a esperança. As nossas malas
devem estar sempre prontas para ir ao Céu, lugar dos que crêem, lugar onde toda
lágrima será enxugada, onde todo idoso recobrará a juventude, onde todo enfermo
receberá saúde perfeita, onde todo injustiçado receberá a compensação, onde todo
pobre será enriquecido, onde todo pecador encontrará a salvação completa e
perfeita de sua alma! Diz um velho e relevante hino: SOU FORASTEIRO AQUI, EM TERRA ESTRANHA ESTOU, DO REINO LÁ DO CÉU, EMBAIXADOR EU SOU, MEU
REI E SALVADOR VOS MANDA EM SEU AMOR
AS BOAS-NOVAS DE PERDÃO! (Flora Cassel,
hino 207 do Cantor Cristão). Outro afirma: DA LINDA PÁTRIA ESTOU MUI LONGE,
TRISTE EU ESTOU. EU TENHO DE JESUS SAUDADE, QUANDO SERÁ QUE VOU? PASSARINHOS,
BELAS FLORES, QUEREM ME ENCANTAR; OH! VÃOS TERRESTRES ESPLENDORES, NÃO QUERO
AQUI FICAR! (Stephen C. Foster, hino 484 do Cantor Cristão).
Que o Brasil tenha nos
crentes em Cristo Jesus um grupo que ganha as suas batalhas com participação
democrática ordeira e de alto nível moral, que ganhe as lutas de joelhos em
oração, que seja perseverante no trabalho, nos estudos, nos projetos, que seja
movido por esperança e que tenha os olhos fitos no Céu, nossa Pátria eterna e
definitiva!
Pr. Wagner Antonio de
Araújo
07/03/2016
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