quinta-feira, 28 de junho de 2018

FLORESCENDO NO DESERTO - 04 - QUE SAUDADES!

 

04 - QUE
SAUDADES!

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No bairro onde cresci havia um atendente prático de farmácia. Há cinquenta anos ele era o farmacêutico. Vestia um uniforme branco, andava com uma pastinha de injeções e remédios, visitava os lares, indicava tratamentos. Ele tinha orgulho do que fazia. E era especialista; nunca cursara a faculdade, mas formara-se e doutorara-se na missão que escolheu para si. Sinto saudades!
Também fui aluno de Dona Hermelinda, professora veterana, que em 1974 já estava perto dos seus oitenta anos. Lecionou na minha segunda série. Sua metodologia era antiga, ainda do tempo da palmatória. Contudo, jamais em toda a minha vida conheci alguém que falasse tão corretamente e que ensinasse a conjugação de verbos com a mesma clareza que ela. Lembro-me de ter sido publicamente disciplinado numa chamada oral, como tantos outros. A disciplina foi tão produtiva que me tornei o seu melhor aluno da turma e costumeiramente ia à sua casa ouvir suas histórias e aprender mais sobre gramática e ortografia. Ela era uma professora de primário!
Por fim, lembro-me do João da televisão. Ele era primo do meu pai. As televisões eram a válvula, antigas, muito pesadas. Geralmente quebravam. E, quando tal acontecia, todos sabíamos a quem chamar: o João da televisão. Ele, de óculos pesado e uma pasta preta repleta de peças, abria o aparelho, testava as peças, descobria onde estava o defeito e só deixava a nossa casa depois de ver a tevê em perfeitas condições. Ele era um prático. Prático e especialista. Que falta faz!
Hoje tudo é diferente. Um farmacêutico é especialista de futebol. Um médico torna-se um político. Um professor vira militante político e um técnico entende mais de UBER do que da área onde atua. São tempos de confusão. O que deveria ser intrínseco à missão e à profissão de alguém torna-se raro e exótico. "Olha, aquele padeiro sabe fazer pão! Como pode? Por que ele não aperta o botão da máquina e deixa que ela faça por ele?"; "Professor que ensina a fazer conta a caneta? Por que ele não ensina a usar a calculadora?"; "Encontrei um açougueiro que entende tudo de boi, galinha e peixe; esse homem está no lugar errado, deveria abrir uma loja!" E assim seguimos, aceitando o óbvio como bizarro ou inédito, e engolindo a mediocridade como natural.
É uma pena que nas igrejas e nos ministérios pastorais vivemos coisa semelhante. Pastores são muito mais vendedores do que guias espirituais. Entendem tudo de auto-ajuda, de animação de auditórios, de terapias psicológicas e são exímios técnicos de futebol. Mas são analfabetos de bíblia, possuem olhos secos que jamais choraram por um membro que sofria ou não sabem o que é privar com Deus de uma autêntica hora de comunhão. Igrejas também perderam a característica. Em lugar do culto temos um show nos moldes dos programas de auditório televisivos. Em lugar do Espírito Santo temos energia e vivacidade. Em lugar da pregação temos palestras de esportes, de negócios ou de análises filosóficas. Em lugar de fé temos resignação ou feitiçaria (levamos objetos mágicos para suprir a falta de Deus). Os crentes, que deveriam ser testemunhas de Jesus na salvação dos povos tornaram-se membros de um bom clube de entretenimento, cujo crescimento e alegria é tudo o que procuram.
Quanta saudade de um mundo decidido, onde cada um fazia bem o seu papel, sem desejar o papel do outro! Um mundo do "SOU O QUE SOU" e não do "O QUE SOU NÃO IMPORTA".
Queira Deus que eu, na missão de pastor, de pai de família, de crente, de cidadão e de escritor, busque fazer o melhor nas áreas em que o Senhor vocacionou-me e delegou-me. Queira Deus que encontremos padeiros que saibam fazer pão, professores que saibam falar o português e farmacêuticos que entendam de remédios. E crentes que conheçam Deus de verdade!
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