segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

memórias literárias - 19 - ERA UMA VEZ PAULO, OU QUEM QUER QUE FOSSE...


19 - ERA UMA VEZ PAULO,
OU QUEM QUER QUE FOSSE...
Consolai,
Consolai o meu povo,
diz o vosso Deus!
(Isaías 40.1)

Eram duas da tarde e Paulo aguardava com expectativa a chegada do motoboy. Afinal, estavam prontos os convites para o seu casamento. Sítio alugado, serviço de "bufê", igreja grande, enfim, tudo. Agora era iniciar as visitas na casa de amigos e parentes. Como ele desejou esse dia! Na mesa o retrato de Angélica, ao seu lado, em trajes de banho, fazendo pose de apaixonada, na Ilha Bela, litoral paulista, em frente de São Sebastião. Que lindo!

Mas Paulo estava preocupado. Já era sexta-feira e ele só falara com Angélica na segunda à noite, e, ainda assim muito rapidamente. Ele tinha a impressão de que algo estava acontecendo.

Chega o motoboy e Paulo recebe os pacotes.

"Ah, tá'qui a minha felicidade. Ei, rapaz, leve um pra você, faço questão que você vá ao casamento". O rapaz agradeceu, recebeu o cheque da entrega e foi embora. Lá no corredor o diretor da empresa chega com um executivo e entra na sala de reuniões, mas Paulo está tão feliz que só tem olhos para a janela e para suas lembranças do futuro...

Toca o ramal. "Seu Paulo, Dna. Angélica na linha 2".

Todo feliz, Paulo diz:

- "Olá, amor! Que bom que você ligou! Chegaram os nossos convites! Ficaram lindos, do jeito que você queria! Passo aí hoje à noite pra você ver?"

Angélica, gaguejando um pouco, voz um pouco rouca, de quem chorara, diz, em tom sentido, mas firme:

- "Querido, é sobre isso que eu gostaria de falar. Queria lhe falar pessoalmente, mas vai ficar difícil, você sofreria muito mais. Sabe o Ferreira Júnior, aquele que namorou comigo faz uns três anos? Pois é, bem, eu o reencontrei num culto lá da igreja da minha mãe, a gente se falou, ele me convidou para tomar um suco, a gente conversou, se gostou de novo, e acho que pintou um clima. Eu lamento, amor, mas não posso enganar você: eu fiquei com ele e vou reatar meu namoro. Perdão, querido, perdão! Não fica triste, você vai achar a sua cara metade. Te amo também, mas vou tentar o Júnior. Tchau." Desligou antes que o Paulo pudesse dizer qualquer coisa.

O computador estava ligado, a figura do convite na tela, e o Paulo tremia, segurando-se na escrivaninha. Lágrimas incontidas saiam de seus olhos, e uma interrogação do tamanho do mundo aparecia: "Por que comigo? O que foi que eu fiz?"

Lá no corredor a sala de reuniões se abriu e o diretor saiu com o executivo sorrindo, fumando e falando alto. Entrou na sala do Paulo, como quem tem novidades.

- "Paulinho, tudo bem? Vim apresentar-lhe o Maurício Dantas, economista e administrador de empresas".

- "E aí, Dr. Maurício? Tudo bem? Prazer."

O diretor continuou:

- "Paulo, você se lembra quando lhe falei de que precisávamos de sangue novo aqui na firma? Pois é, é disso que a nossa organização precisa: garra, ousadia, criatividade! O Maurício veio pra trazer tudo isso. Mas tudo tem um custo, Paulinho. Infelizmente não temos condições de manter dois executivos no mesmo espaço. Passe no departamento pessoal e acerte tudo, pagaremos tudo o que você tiver direito. Valeu, você foi jóia pra nós. Certamente achará emprego fácil". E saiu, rindo e falando alto com o Maurício, que olhou para o Paulo com o olhar de quem diz "Sinto muito, cara, eu não sabia que ia dar nisso".

Paulo, abobado com o telefonema e o fim do noivado de dois anos, agora recebe demissão! A secretária entra correndo e diz:

-" Paulo, pelo amor de Deus, calma! Gente, ele está branco, tá suando e tremendo! Tragam uma água com açúcar, rápido!" Foi uma correria.

Paulo tomou a água com açúcar, ficou estático por uma hora, orou um pouco (ele era temente a Deus), mas a sua oração foi: "Senhor, sou humano. Preciso de consolo. Como faço? Não suporto tudo isso!"

Passou a mão no telefone e ligou para o Pastor da sua igreja. Ofegante, pediu para a esposa do pastor chamá-lo. "Sinto muito", disse ela, "ele viajou para o interior, para organizar o trabalho de nossa congregação, e o celular está fora de área. Posso ajudar?" Não, ela não podia. Não se sai por aí contando as tragédias para quem não se conhece muito bem, a gente precisa de pessoas íntimas, e o pastor, apesar de ser meio distante, certamente lhe ouviria, e não gostaria que sua esposa se aborrecesse com problemas de membros.

Então começou o seu martírio. Ele ia arrumando as coisas e lembrando de alguém: "Sim, Francisco! O 'tio' Francisco aconselha toda a juventude, ele vai me ajudar!" Ligou para o irmão Francisco. Do outro lado da linha o irmão diz: "rapaz, você não está com sorte. Só poderei conversar com você no domingo à noite, após o culto, estou saindo de viagem. Vou orar por você no caminho, certo?" Ah, Paulo, agora sentia-se só, sem um ombro para chorar!

Até tentou falar novamente com a "ex" noiva, mas ela insistia para que ele não ligasse mais. Tentou falar com o diretor, mas esse tinha ido embora, "tomar café" com o Maurício, apresentando-o para os vendedores. E agora? "Irmã Joana, não, se eu contar pra ela todo mundo fica sabendo. Irmã Glorinha ... não, ela ia dizer que não tenho fé; irmão Calixto, Deus me livre! Jamais! Ele diria que eu tenho idade para resolver os meus próprios problemas e que sou frouxo. Meu Deus, eu não agüento! Estou sem opção! É mole?"

Paulo não achou uma pessoa disponível: "Sinto muito, Paulo, estou saindo para a prova de Química"; "Paulo, ligue depois das onze, é a hora que eu chego da faculdade"; "Paulo, dá pra ser breve, porque estou no trânsito, compromisso inadiável"; "Paulo, agora estou brincando com meus filhos"; "Paulo, depois do jogo, ok? É o coringão e o Flu!"; "Paulo, estou orando, não posso confortar você"... "Meu Deus..." Carregando duas caixas de papelão até o carro, Paulo desabou em lágrimas.

Paulo era crente. Mas Paulo era humano também! Ele não estava agüentando o peso das duas caixas, não as de papelão, mas do papelão que fizeram com ele, terminando o noivado bruscamente e demitindo-o do serviço sem a menor piedade. Paulo precisava de um conforto, mas não encontrava.

Foi até a lanchonete da esquina, pateticamente chamada "Consolo's Bar". "Pede uma cerveja, Paulo!" Foi o que pensou. Mas, lembrando-se de que não bebia, pediu soda com limão e gelo. Chorava, bebia o refrigerante, pensava em algo, desesperava-se. Imaginava-se na igreja, a bênção do pastor, a assinatura no cartório civil, a viagem de lua-de-mel, os beijos, a maciez dos cabelos de Angélica, e agora os beijos que outro lhe roubava! Pensava em sua mesa de trabalho, sua secretária, seu carro, e agora a fila de seguro-desemprego, a humilhação de ter que começar tudo de novo!

"Não, eu não agüento mais isso! Deus, eu vou fazer uma besteira! Chega! Ninguém está aí pra mim! Não tenho um amigo, um irmão, um pastor que me acolha agora! Deus, não deixe que eu faça uma besteira, mas eu vou fazer porque cheguei ao meu limite! Me perdoe! " Eram 22 horas e Paulo estava próximo do Jaguaré, em São Paulo. Ele lembrou-se da Ponte da Cidade Universitária, que liga a USP à Praça Panamericana. Pensou no Rio Pinheiros. Pensou em jogar-se dali. Simularia um roubo, jogar-se-ia no rio, e tudo acabaria em duas ou três matérias de jornais, e pronto. "Não agüento mais! Deus, não me deixe fazer besteira! E me perdoe, porque não suporto mais!" E saiu correndo.

De fato ninguém estava disponível para o Paulo. Mas Deus amava o Paulo, e, ainda que ninguém olhasse por ele, Deus o amava e estava atento para sua dor.

Roberto, um velho amigo, de uma igreja próxima à dele, estava preso no trabalho naquele momento. Ele tinha tentado sair às dezoito, mas o carro estava com problemas e foi necessário chamar a seguradora. "Em dez minutos estaremos aí", chegaram às 15 pras 10... Problema simples, era só trocar o cabo do acelerador. Pronto. Roberto só queria chegar em casa, tomar um banho, jantar com a esposa, beijar os filhos e dormir! Roberto era um bom cristão. Pronto o carro, Roberto foi atravessar a Ponte do Jaguaré (trabalhava nas imediações), mas não se sabe por qual motivo (?) decidiu atravessar a ponte da Cidade Universitária. "Dá na mesma",pensou ele.

Ao chegar à curva da ponte, Roberto viu uma cena horrível: um rapaz de pé, em cima do carro, com a camisa rasgada, descalço, pronto para pular o rio."O que é isso, meu Deus?" Acelerou e foi chegando ao meio da ponte. Olhou bem para o carro e pensou: "Não é possível! Será que é o Paulinho? Não, deve ser alguém muito parecido. Peraí: é o Paulinho sim, o farol está quebrado no mesmo lugar!PAULINHO!!!" Gritou pro rapaz e parou imediatamente o carro.

"Paulinho, meu garoto, o que você está fazendo? Pelo amor de Deus, não se jogue!"

O Paulinho, rosto inchado, lágrimas nos olhos, cabelos desgrenhados, sentou-se no teto do carro e chorou copiosamente por um tempo. Roberto, ao ver o rapaz daquele jeito, orou ao Senhor, dizendo:"Senhor, se os teus anjos me guiaram até aqui pela Tua vontade, permita que eu o salve da morte! O que eu faço, Senhor?" Paulinho chorava.

- "Pode chorar, Paulinho. Chore mesmo. Vou ficar aqui com você." Paulo olhou  para Roberto, olhos espantados, saiu do teto, já um pouco amassado pelo seus pés, correu para os braços dele, e começou a chorar tudo o que queria ter chorado nos braços de tanta gente próxima a quem procurou, mas que não estavam disponíveis, que não tinham tempo para ele. Aos poucos a ponte foi enchendo de gente, e o guarda de trânsito chegou-se e perguntou: "Precisa de ajuda, cidadão?" Roberto disse: "Sim, policial: afaste todos daqui porque o meu amigo está precisando de mim, só de mim, não de curiosos ou repórteres." O guarda entendeu e manteve o trânsito numa só faixa. Paulo molhava o paletó de Roberto. Chorava como um menino. Chorava como uma criança. Abraçava como um filho ao pai, uma filha à mãe, um desesperado ao salvador, um moribundo ao médico, um carente ao benfeitor.

Roberto, depois de quarenta minutos, disse ao ouvido de Paulo: "Vamos lá pra casa, meu filho. Lá você pode chorar mais tranqüilo. E depois, se quiser, pode dormir, ou tomar chocolate quente. Eu vou estar com você".

Cada um entrou em seu carro e foram embora da ponte. Paulo só queria um ombro. Alguém que o acolhesse. Um colo de mãe e um abraço de pai. Só isso. Mais nada. Não fossem os anjos de Deus e os propósitos eternos do Altíssimo, Paulo estaria morto. Mas havia um Roberto, um simples Roberto que não sabia porque o carro enguiçara, um Roberto que mudara de trajeto de repente, um Roberto que não parou para condenar, para criticar, mas para acolher, para abraçar, para fazer silêncio, para ouvir o choro, para enxugar lágrimas, para estar presente.

Quantos Paulos me lêem agora! Quantos já precisaram de consolo e não encontraram! E quantos de nós deixaram para consolar amanhã, ou quando fosse possível, e deixaram os Paulos escaparem de seus ombros, talvez para sempre! Que justificativa terão diante de Deus, quando o Senhor perguntar: "Aonde estavas?"

Lembremo-nos do que diz a Bíblia: "Consolai, consolai o meu povo!" Somos agentes da consolação! Ainda que tenhamos que ser como o Bom Samaritano, que consolou a alguém que nunca mais iria ver, pagaria as despesas quando voltasse à hospedaria, valerá à pena consolar. Consolando é que somos consolados. Mesmo sem retornos materiais. Mesmo que nunca mais o vejamos.

Será que alguém da igreja se lembra do seu número de telefone para desabafar? Será que lhe procuram para conversar? Será que a sua companhia é um refrigério, um privilégio? Será que você é uma opção? Abra o coração. Coloque-se ao dispor dos outros, embale a criança nos braços, acolha o entristecido com um abraço, ganhe a confiança com um olhar meigo e sincero, que não ameaça e nem condena, mas perdoa e compreende! Faça silêncio para que o outro possa desabafar, atire lenços ao invés de pedras. Está na hora de consolar, consolar o povo de Deus!

"Oh, Deus, assim como muitos de nós já precisaram de consoladores e não encontraram, outros de nós conhecem bem de perto os "robertos" do caminho. Ajuda-nos a sermos consoladores presentes. E que um olhar nosso, um abraço nosso, um momento gasto com o nosso irmão ou com o nosso próximo possa fazer um grande milagre, o milagre do consolo! Em nome de Jesus. Amém".


Pr. Wagner Antonio de Araújo
Igreja Batista Boas Novas, Osasco, SP
bnovas@uol.com.br

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