CARTA AO
PASTOR
HEREGE
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Querido Pastor Batista
Famoso:
Já faz algum tempo que tenciono
escrever-lhe. Hoje tive essa oportunidade e sinto-me feliz.
Escrevo-lhe para agradecer-lhe do
fundo do coração tudo o que tem ensinado a todas as pessoas através de seus
textos e de seus sermões. Assisto a todos eles na internet e leio tudo o que o
senhor escreve. Confesso que no início eu tinha restrições. Mas como o senhor é
batista (eu também sou) e como muitas organizações denonimacionais e a pessoas
inteligentes lhe devotam grande consideração e respeito, entendi que o senhor
era mesmo uma pessoa relevante e passei a lhe ouvir. Minha vida mudou.
Eu lhe agradeço, pastor, por ter me
ensinado que Deus é promíscuo. Achei brilhante a sua análise, dizendo que Deus
diz ao povo de Israel que eles eram um povo exclusivamente dele, mas que ele não
era um deus exclusivo deles. O senhor foi brilhante. Incluiu toda e qualquer
adoração, todo e qualquer culto, toda e qualquer filosofia religiosa como
válida. Como fui ignorante! Eu pensava que Deus era exclusivo de quem o adorasse
em nome de Jesus e do jeito que a Bíblia ensina. Hoje a minha mente compreende
que qualquer adoração sob qualquer nome pode ter relevância para esse Deus que
só é fiel ao seu amor! E daí que ele é polígamo espiritualmente?
Também lhe agradeço por me fazer
enxergar a cena nada santa entre Jesus e a mulher samaritana. Aquela conversa ao
pé do poço era, de longe, muito suspeita. Mas quando o senhor disse que Jesus
deu uma palavra insinuante para ela, convidando-a para um relacionamento e que
ela topou, e que, depois disso Jesus direcionou a conversa para um lance de
espiritualidade, aquilo foi o máximo. Passei a imaginar os apóstolos atônitos ao
verem o seu mestre quebrando todos os tabus e virando todas as esquinas,
buscando incluir a todos debaixo de seu amor, independentemente dos métodos ou
das fórmulas. Foi fantástico verem-nos quase abandonando a Cristo, cheios de
moralidade. Que bom que o resultado foi a confissão de que Jesus seria o
salvador do mundo, e não apenas o rei de Israel, conforme os bitolados
discípulos declararam através de Natanael!
Pastor, sou tão grato pela mensagem
que colocou Hitler e Herodes na mesa do Céu! Eu nunca os aceitaria partilhando a
mesa do reino de Deus. Eu sempre acreditei que os pecados hediondos que eles
praticaram eram grandes demais. Mas quando o senhor falou que o cordeiro de Deus
tirou o pecado do mundo e que isso fez Deus olhar para todos os homens
independentemente de pecarem ou não, de se arrependerem ou não, isso me
transformou! Espero ver no céu não apenas esses dois, mas Mussolini, Jezabel,
Caim e até Satanás. Afinal, a vontade de Deus é que ninguém se perca; nem o
próprio Satanás. Espero até que crentes lá estejam, por mais retrógrados que
sejam!
Também agradeço aquela mensagem
onde o senhor diz que Jesus subiu ao Céu para livrar os próprios discípulos dele
mesmo. Sim, porque senão eles não iriam amadurecer. Jesus já tinha feito tudo o
que podia e agora era hora de cortar essa ligação de dependência e caminhar para
uma maturidade individual sem ele. Puxa, um Deus que cansou de fazer milagres e
que espera que os próprios humanos façam a sua parte! Isso me transformou! Antes
eu vivia na dependência da oração e da manifestação de Deus; mal sabia que Deus
já havia liberado para mim toda e qualquer experiência e que não interviria
quase nunca!
Aliás, também fico muito feliz
porque quebrei todos os meus tabus. Eu considerava o homossexualismo um pecado
muito grave, bem como o aborto. Mas o senhor mostrou-me que são apenas visões
diferentes da nossa sexualidade e que cada um de nós faz a sua. Mostrou que,
conquanto assumamos certos conceitos, todos têm direito de ter os seus e viverem
plenamente a sua humanidade, e isso não significa pecado. Puxa, pastor, como eu
era crítico! Hoje eu nasci de novo com tamanha transformação conceitual! Muito
obrigado! Que bom que o Inferno é um conceito retrógrado e que superamos essa
besteira, fruto de má interpretação dos textos gregos!
Por fim, quero lhe agradecer porque
através de suas mensagens eu deixei a igreja. Sim, porque sinto maior sintonia
com tudo o que o senhor prega aqui fora, no mundo exterior, onde Jesus se
sentiria plenamente feliz, ao lado de prostitutas e de gente descolada. Sinto-me
bem nas baladas, na bebedeira e nas casas noturnas, nos clubes de esporte e nas
torcidas organizadas. Hoje estou plenamente realizado e não me sinto responsável
em pregar nada pra ninguém, porque, no final, estaremos todos na mesma mesa do
reino de Deus. Deus é um pai amoroso e gosta que seus filhos curtam a vida,
independente de seus conceitos, vida espiritual e moral. Hoje eu sou muito
feliz! Claro, preciso maneirar nas drogas, na bebida e na orgia, mas eu chego
lá!
Obrigado por tamanha transformação,
querido pastor!
Do seu leitor e
admirador
Incauto Volúvel Rolando da
Rocha
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obs: Este texto é irônico e
fictício. Foi construído em cima das prédicas de um popular pastor batista
paulista, que figura nos programas de TV, nas livrarias ditas cultas e no
burburinho da comunidade teológica. Seus conceitos estão ligeiramente expressos
aí. Ele nos brindou nos últimos dias dizendo que "água viva", no conceito da
mulher samaritana, era uma cantada de Jesus para transar com essa mulher. Água
viva seria sinônimo de sêmen.
Para ele o meu lamento. E a
lembrança do que a Bíblia diz sobre os escândalos:
E rogo-vos, irmãos, que noteis os
que promovem dissensões e escândalos contra a doutrina que aprendestes;
desviai-vos deles. (Rm 16:17)
Wagner Antonio de
Araújo
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