FRIEZA
838
E, por se
multiplicar a iniqüidade, o amor de muitos esfriará. (Mt
24:12)
Nunca as
comunicações foram tão imediatas e nunca estivemos tão distantes uns dos
outros.
São raras as
famílias que não possuem um grupo social onde se comunicam uns com os outros.
Contudo, exceto pela tonelada de futilidades ali postadas, estas pessoas não se
falam, não se vêem, não se visitam e não se amam. O amor se esfriou na proporção
da ilusão da proximidade.
Lembro-me dos
meus doze anos. Minha prima Neusa Pagani morava em Maringá, Paraná. Ela ajudou a
me criar quando pequenino. Eu tinha um grande afeto por ela. Como aprendi a ler
e a escrever cartas fazia questão de escrever-lhe uma por semana. E ela me
respondia. Como nós nos sentíamos próximos. Hoje estamos no whatsapp e a
comunicação pessoal inexiste.
As amizades
demandavam visitas, ligações telefônicas, viagens, almoços, encontros em lugares
comuns. Hoje as amizades são meramente nominais, geralmente movidas por
interesses comuns. Vencida a pauta que os une a relação torna-se mais uma
estrela apagada na constelação dos inúmeros contatos dos quais nos gabamos. Às
vezes uma notícia de falecimento aparece e a nossa tendência é simples: deletar
o contato dos envios que fazemos e "vida que segue".
Filhos e pais
também demonstram como nunca o esfriamento das relações. A "síndrome do ninho
vazio", tão comum de pais que vêem seus filhos saírem de casa para formarem as
suas famílias, agrava-se com o império das mídias sociais. Passávamos o Natal
juntos, ou o ano novo, ou festejávamos aniversários em comunhão. Hoje nos
restringimos a uma linha de comunicação, uma figurinha alegre, um som de
parabéns à distância. Quanto às festas familiares sempre temos uma boa desculpa:
"este ano não dá"; "tenho que atender a outros interesses"; "fica pro próximo".
E cada ano nos distanciamos um século das pessoas amadas.
Amizades de
igreja não são diferentes. Antes, com o contato contínuo, desfrutávamos de
interesses comuns, de prosa e refeições. Depois, quando não ocupamos mais cargos
comuns aos amigos, ou quando nos separamos de congregação, o relacionamento
arrefece e aos poucos a frieza congela o amor. Na vida pastoral isso é
extremamente evidente. Pastores que encerram o ministério perdem o contato comum
e os membros, antes tão afeiçoados, aos poucos se esquecem dos seus ministros
anteriores. "Rei morto, rei posto". Pastores entre si também não são diferentes.
Em épocas de necessidade de uma das partes os contatos aumentam, os telefonemas,
as comunicações. Após a solução da vacância, um novo ministério, por exemplo, a
relação ou diminui ou simplesmente desaparece. Não era afeto verdadeiro; eram
relações pragmáticas e necessárias.
E ainda
ousamos dizer que amamos a Deus! Ousamos dizer que somos um em Cristo Jesus!
Muito teatro na hora do cântico de confraternização, muitos beijinhos, abraços,
apertos de mão e até lágrimas, e um coração congelante que não é afetado pela
vida do próximo! E dele temos este mandamento: que quem
ama a Deus, ame também a seu irmão (1Jo 4:21). Se alguém diz: Eu amo a Deus, e
odeia a seu irmão, é mentiroso. Pois quem não ama a seu irmão, ao qual viu, como
pode amar a Deus, a quem não viu? (1Jo 4:20)
Que mundo é
esse, meus leitores? Que tempos são esses onde as pessoas não valem nada umas
para as outras? Que época é essa em que estamos tão próximos com a tecnologia e
tão distantes no relacionamento pessoal?
São os dias
do fim. Esses aparelhos eletrônicos, tão úteis para a comunicação (talvez eu
esteja sendo lido em um deles!) tem sido usado por Satanás para nos
manifestarmos como os seres mais mesquinhos, mais egoístas e mais aproveitadores
da criação. Só nos relacionamos quando precisamos. E isto não é bom. O número de
suicídos e de crimes cresce na mesma proporção em que substituimos o amor
pessoal pelo amor virtual.
Eu também
tenho que falar sobre a relação entre nós e Deus. Ela é a fonte de toda essa
frieza. A nossa relação com o Pai é, não raras vezes, por mero interesse: para
pedirmos a bênção, a cura, a solução de problemas, a prosperidade, um novo
emprego, um casamento, uma graça. Vencida a pauta guardamos Deus na nossa
caixinha de quinquilharias ou no estojo de primeiros socorros, para usá-lo
quando necessário se fizer. Isso não é amor. Isso é impiedade. Longe se vai o
tempo em que homens e mulheres de Deus investiam a atenção na leitura da Bíblia,
na oração e no culto doméstico! Nem nos lares pastorais isso tem existido
mais...
"Deus,
nosso Pai, quebra o gelo de nosso coração e ensina-nos a amar com o mesmo amor
manifestado por Ti em Jesus. Que Te amemos mesmo quando não há pautas para
apresentar. E que amemos aos nossos famíliares, irmãos em Cristo, amigos e até
inimigos com o coração voluntário, cheios de interesse pelo próximo, ainda que
nada venhamos a receber. Em nome de Jesus. Amém."
Wagner
Antonio de Araújo
Nenhum comentário:
Postar um comentário