SOBRE A DESISTÊNCIA
E A RETOMADA
Um dos custos de um serviço público é a
publicidade da função. Em se tratando de um ministério cristão, a exposição é um
caminho necessário e difícil. A privacidade fica comprometida; porém, se
caminharmos à luz do Evangelho, o testemunho torna-se eficaz, glorificando ao
Senhor que nos chamou e capacitou.
Desde muito tempo Ele convenceu o meu
coração, através de um chamado cercado de evidências internas e externas, de que
separava-me para servi-Lo com exclusividade. Dentre as várias áreas de atuação
nas igrejas do Senhor, direcionou-me a ser ministro do evangelho, pastor
batista. Lá se foram 35 anos de vida cristã, iniciada em 24 de fevereiro de
1980, quando entreguei-me a Cristo e por Ele fui convertido a uma nova vida, num
culto realizado na Igreja Batista em Sumarezinho, SP, tendo por pregador o
Pastor Timofei Diacov. Naquele mesmo ano e pelo mesmo ministro, fui batizado
biblicamente (por imersão em água e após profissão de fé) em 27 de abril. Tendo
exercido funções de serviço na igreja local (professor de adolescentes,
presidente da mocidade, evangelista, corista, cantor em conjuntos locais) fui
estudar teologia para atender ao chamado do Senhor. Em 03 de agosto de 1991 fui
examinado pelo concílio requisitado pela Igreja Batista em Vila Souza, onde
servia ao Senhor na época. Ali estiveram presentes Manoel Gonçalves de Oliveira
(que presidiu), Edélcio Augusto Costa, Paulo Lopes Barbosa, João Rodrigues dos
Santos, Ernane Aquino Costa, José Olah Filho, Carlos Gomes Cardoso, Jairo
Cavalcante Ávila, Albino Faustino, Jessé Geraldo Cerqueira, Jeremias Ribeiro dos
Santos, José Salustiano da Costa, Timofei Diacov, Dorival Cardoso Lima, Rodrigo
de Souza Pereira, Augusto Victorino, Neilson Xavier de Brito, Osvalnir Ferreira
da Costa e Sérgio Medeiros. Aprovado pelo mesmo, fui consagrado pela imposição
de mãos pelo mesmo presbitério, acrescido de outros pastores, em 13 de outubro
de 1991, em cerimônia realizada nas dependências da Igreja Batista em Vila
Brasilândia, São Paulo.
Exerci o pastorado da Igreja Batista em
Vila Souza (onde já servia ministerialmente na prática desde 1987 com as
limitações peculiares, isto é, sem celebrar as ordenanças), de 1991 a 1993.
Pastoreei a Igreja Batista Boas Novas do Jardim Brasil nos anos de 1993 e 1994.
Transferi-me para a Igreja Batista em Bela Vista, na cidade de Osasco, tendo
exercido o seu ministério entre 1995 e 1996. E em 07 de novembro de 1996, com
outros 32 irmãos, iniciamos a Missão Batista Boas Novas, sob a direção da Igreja
Batista Betel de Itapevi, onde era ministro o amado e querido Pastor Walter
Roosch. Permanecemos como congregação pelos quatro anos que se seguiram, até que
em 04 de novembro de 1996 a Igreja Batista Betel nos organizou como igreja (até
então éramos uma congregação). Durante todos esses 19 anos vivemos de forma
nômade, pois não tínhamos imóvel onde erguer o nosso templo. Entre 1996 e 1997
estivemos embaixo de uma granja na Av. Novo Osasco, no Bairro Novo Osasco. De lá
seguimos para o imóvel do irmão Manoel Melo, na Rua Boaventura Valério de
Miranda, onde permanecemos até o ano de 2003. E naquele ano transferimo-nos para
a Av. Internacional, no bairro Santo Antonio, no mesmo município de Osasco,
tendo permanecido até 2010, quando, pela falta de recursos financeiros e pelo
aumento do preço do aluguel, decidimos não alugar mais nada, permanecendo nas
casas dos membros até que Deus nos mostrasse um imóvel. Congregamos na garagem
da casa da família Curcino, também na casa dos Nieves, até que Deus nos concedeu
a graça de adquirir o imóvel no município vizinho, Carapicuíba, no bairro
limítrofe de Novo Horizonte, junto ao Rodoanel Mário Covas. Encontramos 2
casinhas pequenas, sendo que a de número 1 nos servia de salão de cultos e a
número 2 de sala social. Em 2013, desafiados pelo Pr. José Vieira Rocha,
decidimos buscar ajuda com o Pr. Arídio Pinto Barreto, que representava
americanos que possuíam capelas para a doação. Conseguida a capela, contratamos
uma empreiteira para tirar as toneladas de pedra que haviam e construir uma laje
sobre a qual fixaríamos a capela. Em junho de 2014 a laje foi concretada e a
capela erguida. De lá para cá o grande desafio tem sido completar o que faltou,
isto é, dar eficiência às dependências, acabamentos nas áreas e erguer o que
faltava. Neste rol encontram-se: gabinete pastoral, berçário, sala infantil,
quarto-dormitório para pernoite, banheiros, salão social, rampa de acesso,
grades e fachada estilizada. Enquanto a crise financeira não se evidenciava
conseguíamos manter a construção com cewrta regularidade. Em vindo a falência do
país, cessaram também os volumes de ofertas e ficamos sem condições de
conclusão.
Estar na Igreja Batista Boas Novas do
Rodoanel durante todo esse tempo não foi consequência de não ter outras
oportunidades de trabalho. Pelo contrário, durante as duas décadas acredito ter
recebido duas dezenas de convites para pastorear excelentes igrejas, algumas de
membresia volumosa, tanto na cidade quanto no estado de São Paulo e em outros, e
uma em Portugal. Aceitar tais convites muito me honraria, além de trazer-me
finalmente uma estabilidade que até hoje não conheci (templo pronto, gabinete
montado, salário condigno, vida normal sem desafios de sobrevivência). Um fator
impeditivo fez com que eu dissesse não a todos os convites: a certeza de que
deveria "completar a carreira", pelo menos naquilo em que havia me comprometido
diante de Deus e diante da pequenina igreja. Muitos convites vieram antes de
comprarmos um terreno. Eu não poderia deixar a obra inconclusa. Não porque seria
insubstituível. Jamais! Há gente muito melhor do que eu, não tenho dúvida. Mas
foi o meu nome que eu escutei ser convocado para esta tarefa. O ministro que me
sucedesse deveria ter desafios dele, contando com o trabalho do antigo pastor
concluído. Depois, quando já adquiríramos o terreno, também não aceitei
convites, pois fora desafiado a construir uma casa de oração adequada para o
bairro, para a congregação, para servir ao povo. Não bastava apenas prover uma
capela. Era necessário ter salas de apoio. Banheiros limpos e adequados, salão
social para os encontros, boas salas de Escola Dominical, estacionamento para os
carros etc. Então nos pusemos a fazer este trabalho.
Um pastor escreveu-me, dizendo que sua
igreja nunca pedira um tostão que não fosse para a igreja local. Respondi-lhe
que sua igreja lhe fora confiada depois que alguém, antes dele, tomara todas as
providências para adquirir terreno e construir o seu templo e que lhe entregara
tudo pronto, diferentemente da obra que o Senhor a mim confiara. Lembrei-me de
Manoel Avelino de Souza, autor de vários hinos do Cantor Cristão, que solicitava
ofertas para todas as igrejas que visitava em seu tempo, para construir o grande
templo da Primeira Igreja Batista de Niterói (fato que ficou no esquecimento
quando do ministério do último pastor famoso que por ali esteve). Lembrei-me do
Pastor João Filson Soren, que batalhou por 28 anos para conseguir recursos aqui
no Brasil e nos Estados Unidos da América, para comprar o belíssimo terreno e
construir o grande templo da Primeira Igreja Batista do Rio de Janeiro. Um dia
ouvi alguém dizer que um pastor destes grandes templos pregara que não era
prioridade da igreja construir templos, mas investir em vida. Respondi à pessoa
que era muito fácil dizer isso debaixo de um teto e uma construção gigantesca,
conseguida com suor, sangue e lágrimas pelos predecessores; que dissesse isso a
uma igreja sem terreno e sem templo no meio de uma praça pública e então eu
daria algum crédito para sua prédica. Geralmente quem não se esforça com uma
obra, mas a toma pronta não costuma dar valor às conquistas, e, não raras vezes,
desvaloriza o esforço. Jamais em toda a minha vida pedi um centavo que fosse
destinado a mim ou à minha família. Nunca precisei e jamais precisarei fazer
isso. Porém, para a obra de Deus, tive que perder a vergonha e saí com o pires
na mão. Não é algo fácil, nem característico, nem que me traz felicidade. Os que
me lêem e estão abrigados em templos prontos e acabados, que dêem graças a Deus
pelos que trabalharam antes. O custo de pedir pela obra, num mundo tão perverso
como o nosso, repleto de vizinhança evangélica falsa e neopentecostal, que pede
dinheiro para manter a vida nababesca de seus líderes, nos deixa com as saias
curtas, de rosto enrubecido, porque somos confundidos com esses grupos. Mas quem
conhece o nosso ministério e conhece a minha vida em particular, sabe que o
dinheiro em minha mão, o meu dinheiro, costuma ter destino certo: a obra do
Senhor. E que prefiro não receber o que é justo do que ter um único centavo que
não me pertença. Quem congrega comigo há vinte anos sabe do que falo. Aliás,
poucos são os pastores com vinte anos num só lugar. Alguns não aguentam as
pressões, as dificuldades, as críticas, os desafios, e deixam os ministérios com
obras inconclusas. Estou há vinte anos lutando e nunca
desisti.
Nesta semana eu iria desistir. Sem dar
fama nem ao acontecido e nem a quem provocou o desgosto, novamente me vi sob os
ataques do inimigo. Cansado, fragilizado, com um restante de obra a fazer e sem
as condições indispensáveis, adoeci emocional e fisicamente. Quando vemos nossa
vida, família, ministério e conduta debaixo de ataques, o coração se entristece
muito. Então apresentei a causa ao Senhor nosso Deus. No dia de ontem, 22 de
outubro de 2015, busquei sozinho a presença do Pastor da Igreja, enquanto
visitava a Igreja Batista Sinai. Derramei-me diante de Jesus e disse de minha
dor, das agressões e do intenso desejo de desistir. Enquanto orava, um irmão,
cujo nome não declinarei, sem que se tivesse qualquer expectativa deste contato,
chamou-me pelo messenger facebook e afirmou-me que Deus falara ao seu coração
para que eu não desistisse. Disse-me para não importar-me com a língua ferina e
com as dificuldades. Além disso, reprisou a oferta que fizera no dia anterior,
duplicando sua contribuição. Em lágrimas, agradeci ao Pai. Ao chegar em casa,
dois irmãos de nossa igreja, Dival e Serginho, procuraram-me para, da mesma
forma, expressarem solidariedade e grande confiança no Senhor, instando para que
eu não considerasse as agressões recebidas. E hoje um outro irmão da igreja,
Shiro, instou-me com II Crônicas 15.7. Mas esforçai-vos, e não desfaleçam as
vossas mãos; porque a vossa obra tem uma recompensa.
Eu contabilizei o valor necessário para
terminar o que está começado e iria ajuntar o necessário, pagar os compromissos
e encerrar a construção. Eu faria isso até que alguém desejasse assumi-la por
sua conta e risco, talvez outro ministro. Contudo, após diversas expressões de
amigos queridos e destes em especial, o Senhor deu-me fôlego para mais uma vez
não desistir. Não sei como, não sei de que forma e não sei com que recursos
darei sequência. Mas vou continuar com a obra. Ela não é minha. Ela não é
ostentativa. Ela não é feita para lazer ou para entretenimento. Ali é uma igreja
de Deus. Ali os novos convertidos serão reunidos para servirem a Deus e ganharem
outros para Jesus. A igreja existe, é viva e agora com poucas adaptações teremos
o nosso quartel-general para a obra de evangelização que está prestes a ser
deflagrada no bairro. Mais uma vez o Senhor ergue e manda caminhar. Ainda terei
que sair com o pires na mão. Ainda terei que me expor dessa forma tão incômoda,
pois se não houver comunicação como se saberá de tudo o que se precisa? Mas
tão-logo essa construção termine o pires será guardado diante do Senhor e não
mais ocupará o meu noticiário particular, pois o resto será responsabilidade da
igreja local. Antes, porém, enquanto se conclui a construção, eu desejo
continuar a contar com o amor, o apoio e o apreço dos verdadeiros
amigos.
Desejei gastar este e-mail para contar
tudo isto. Fiz do ministério pastoral a minha vida. E concluir a construção da
Boas Novas o meu desafio. A glória não será minha, nem da igreja local e nem dos
que com ela cooperam. Será de Cristo, que faz convergir para Ele todas as
coisas. Quem ama a igreja do Senhor e reconhece honestidade no que fazemos
desejará ver o nome do Senhor louvado e glorificado. E não solicitará gloria
para si, mas glória para Deus em Cristo Jesus.
Obrigado por lerem este texto. É fruto
de oração, de lágrimas, de súplicas, de revoltas íntimas contra o dedo de
Satanás e também fruto da confiança de que "aquele que começou a boa obra" há de
terminá-la para a glória do nome dEle.
Obrigado.
São Paulo, Brasil, 23 de outubro de
2015
Pastor Wagner Antonio de
Araújo
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