TRATAMENTO
MÉDICO
921
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No.
53
- Sou
eu!
- Pois
não, senhor. O doutor lhe espera. Consultório 5.
Ele
segue, bate à porta, recebe permissão e entra.
O médico,
de óculos, ergue-se, cumprimenta-o e lhe dirige a
palavra.
- Pois
não. Em que posso ajudá-lo?
- Doutor,
eu sou crente.
- Há
quanto tempo?
- Mais ou
menos quinze anos.
- Certo.
E como foi criado?
- Fui
criado numa boa igreja. Ouvia bons sermões e o povo era sério. Havia boa
comunhão e muito respeito.
-
Correto. E qual é o problema?
- Sabe,
doutor, de uns tempos para cá eu deixei de sentir a presença de Deus.
- E desde
quando isso ocorre?
- Mais ou
menos cinco anos.
- Sabe me
dizer o que aconteceu à época? Como estava a sua igreja? O que aconteceu com
você?
- A
igreja passou por um processo difícil de sucessão pastoral. Houve bastante
conflito. Vários amigos saíram. Depois chegou um pastor muito legal, moderno,
abriu a igreja para um monte de coisas que antes não podiam
acontecer.
- Que
coisas?
- Bom,
ele deixou a gente beber socialmente, não considerou pecado uma ou outra transa
entre namorados, tatuou-se e sugeriu que o pessoal ficasse livre para fazer o
que quisesse com o corpo. Eu fiz essa aqui no braço. Olha
só...
- Certo.
E o que aconteceu com a igreja?
- Ah,
doutor. Ela cresceu. Nunca entrou tanta gente, tanto dinheiro e nunca a igreja
ficou tão conhecida como hoje. Até elegemos dois vereadores, gente boa, quer
dizer, eram, até a eleição...
-
Correto. E então, se tudo está indo tão bem, por que sente esse
problema?
- Sabe,
doutor, tudo é permitido e a gente faz o que gosta, vive do jeito que quer. Mas,
estranhamente, algo aconteceu na igreja. O pessoal não se trata mais como
antigamente.
- Como
assim?
- Antes a
gente era irmão de verdade, se considerava. Também orávamos uns pelos outros e
tínhamos temor de pecar. A gente se vigiava, se ajudava. Costumávamos
evangelizar, distribuir bíblias, essas coisas.
- E
agora?
- Agora a
gente faz parte de uma empresa. A igreja está na mídia. A gente tem seguidores,
aparece na TV, tem um monte de funcionários, o culto tem efeitos fantásticos:
fumaça, estrobos, luzes coloridas e espelhadas, som da hora, grupo musical
qualificado.
- E não
está bom?
- Pra
falar a verdade, não.
- O que
falta?
- Falta
relevância.
- Como
assim?
- A gente
perdeu o fundamento, o parâmetro. Antes a gente estava na igreja porque ia
buscar a face de Deus, andar em seus caminhos e se ajudar mutuamente, levando
amor ao próximo e a mensagem de salvação para outros.
- E
agora?
- A gente
vive pela igreja, pela empresa, pela entidade. A gente se trata como peças de
uma organização, não como família. E buscar a Deus é coisa de cena, de foco, de
câmera. Acredita que tem um ponto na orelha do pessoal de palco onde o diretor
diz pra dar uma chorada enquanto a mensagem é emotiva ou na hora de uma
oração?
- Hum...
- o médico abaixou a cabeça, pensou, e em seguida
falou:
- Quer
fazer um tratamento?
- Sim,
doutor. Eu preciso de uma solução. Estou ficando depressivo. Teria aí um remédio
tarja preta pra me arrumar? Talvez um sonífero ou um estimulante emocional? Eu
não queria ficar desse jeito. Perdeu a graça.
O médico
levantou-se, lavou as mãos na pia do consultório, foi até a estante, tirou três
caixas fechadas e trouxe-as à mesa.
- Se você
quiser sarar terá que fazer esse tratamento tríplice. Essa rotina tem que ser
tripla e terá que ser feita por pelo menos trinta dias sem interrupção. Estaria
disposto?
- Claro,
doutor. Estou disposto sim.
- Vamos
ao primeiro medicamento.
Ele abriu
cuidadosamente a caixa. Havia um papel bonito que embrulhava um objeto. Retirou
as proteções, abriu o pacote. Retirou um volume preto, com bordas douradas. Era
uma Bíblia Sagrada.
- Este
remédio será fundamental para o seu tratamento. Trata-se da Bíblia, a Palavra de
Deus. Aqui você vai encontrar a voz que se calou no meio de sua igreja. Aqui
você vai ouvir quem há tempos silenciou enquanto você ouvia a voz dos homens.
Aqui você escutará novamente a mansa e suave voz do Bom Pastor. Terá que lê-la
com vagar, com atenção, com reverência e com disciplina. Três vezes ao dia.
Antes de sair para o trabalho, após o almoço e antes de deitar-se. Estaria
disposto?
- Sim,
doutor. Estaria sim. Estou farto de ouvir tanta auto-ajuda, tanta opinião, tanta
coisa dita apenas para atrair gente, conseguir ofertas e não espantar a
juventude. Eu topo.
- Ok, se
fizer isso terá um terço do problema resolvido. Mas terá que adicionar a isso o
outro remédio.
Ele abriu
a outra caixa. Também estava com um embrulho cuidadoso. Mas tinha outro formato.
Abriu-a, desdobrou-a e esticou-a. Era uma esteira.
- O que é
isso, doutor?
- Isto
aqui é uma esteira. Você irá usá-la para orar. Essa prática você não tem há
muito tempo. O que tem feito é falar de si para si próprio, algo que não tem
valor nenhum. Para falar com Deus você vai se ajoelhar e, se possível, se
prostrar. Você não vai falar de si para si, mas de si para Deus, que lhe ouvirá.
Você não disse que há muito não escuta a voz dEle?
-
Sim!
-
Certamente o diálogo foi interrompido faz tempo. Agora você terá que procurá-lo
novamente. Foi assim que Moisés foi orientado no dia em que Deus falou com ele.
Enquanto você estiver ereto e cheio de si não encontrará o Deus a quem deve
orar.
- Mas a
esteira é indispensável, doutor?
- Não.
Ela apenas lhe diz que você deve se dobrar. Jesus disse para fechar a porta do
seu quarto e orar ao Pai que está nos céus. Em Apocalipse o povo vencedor se
prostrava diante do Rei dos Reis, do Cordeiro de Deus. Se você cair aos pés de
Cristo começará bem. E poderá abrir seu coração sem reservas. Está
disposto?
- Estou
sim, doutor. Quantas vezes por dia?
- No
mínimo três. O número não é o importante, mas a atitude e a firmeza. Se possível
ore pela manhã, ore à tarde e ore à noite. De si para Deus, Ele é real e Se
deixa encontrar quando O buscamos de todo o nosso
coração.
- Está
bem, doutor. E qual é o terceiro remédio?
O médico
abriu o terceiro pacote. Era um hinário antigo, tradicional, hinos clássicos,
escritos em lágrimas e de joelhos pelos heróis da fé nas gerações passadas.
Hinos antigamente cantados e atualmente descartados.
- Aqui
está o terceiro remédio: louve ao Senhor. Cante. Cante baixinho, faça as
afirmações destas poesias centenárias. Confesse a sua fé, a sua confiança, o seu
amor por Cristo.
- Mas e
os nossos sucessos nas plataformas digitais? As nossas músicas de trabalho, os
nossos shows?
- Se você
quiser sarar terá que usar estas aqui. Com o tempo perceberá a diferença. Quem
come um bolo feito pela confeitaria real aqui da cidade sabe a diferença do bolo
feito pela indústria que vende toneladas, dizendo que é a mesma coisa. Assim
também estas canções. Quem canta as canções escritas por quem pagava o preço,
por quem tinha comunhão com Deus, terá também o mesmo gosto e o mesmo prazer
espiritual que eles tiveram.
O rapaz
folheou o hinário e foi destacando vários que eles cantavam quando a vida na
igreja era melhor.
- Você
fará este tratamento por trinta dias e retornará aqui. Veremos o
resultado.
Soubemos
do resultado há alguns dias. O rapaz é outro. Sua casa é outra. Sua confiança é
outra. O brilho em seu olhar é outro. Soubemos que várias pessoas de sua igreja
foram influenciadas e agora há um forte movimento de santidade naquela igreja
mundana.
Quem sabe
nem tudo está perdido ainda?
Wagner
Antonio de Araújo
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