RELEVÂNCIA
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Todo mundo
deseja ser considerado por alguém. Todos nós precisamos ter senso de
importância, de sermos especiais para alguém. Com esta pandemia monstruosa
muitos se sentem sem valor algum.
Olham para a
sua vida profissional e vêem a falência do seu negócio, o desemprego sem
perspectiva de mudança, a idade que impede a contratação, as limitações da
pandemia. Consultam o banco e não observam saldo. Não têm perspectiva alguma.
Então sentem-se irrelevantes. Dependem da esposa, do marido, dos filhos ou dos
amigos para não se tornarem indigentes. Que tristeza!
Olham para a
sua vida familiar e encontram a absoluta solidão. Confinados num apartamento de
três cômodos ou numa casa grande e vazia, convivem com uma ou duas pessoas
apenas. Isto quando não estão absolutamente sozinhos. Não vêem mais os filhos,
os netos, os parentes, os amigos. Não há mais encontros familiares, nem lazer,
nem passeios, nem viagens. Tudo o que têm é um contato etéreo com um vídeo, um
áudio, um telefonema e inúmeras futilidades no whatsapp ou no facebook. Quando
pensam que alguém deles se lembrou percebem que foi mais um compartilhamento de
algo interessante e completamente inútil. Anseiam por um telefonema e este nunca
chega. Esperam uma mensagem pessoal e esta nunca é escrita. Sonham com a
lembrança de si no coração de alguém a quem amam e isto jamais acontece. Quando
não, estão com sérios problemas de convivência com quem mora junto, um clima
altamente insuportável. E então desesperam-se de viver.
Olham para os
seus afazeres pessoais em casa e pensam: há tanto por fazer, mas não sei nem por
onde começar. E, se fizer, para quê será feito? Organizar armários? Cadastrar
bibliotecas? Arrumar o guarda-roupa? Tirar o mato do vaso? Limpar a vidraça?
Fazer backup do computador? Tudo é assaz importante. Mas qual a real
importância? Serei mais feliz? Produzirei mais alegria? As coisas importantes
ficam por fazer: pias repletas de louças, roupas sujas e sem lavagem, mato no
jardim, chão grudento da cozinha, banheiros fétidos, carros empoeirados. As
coisas simplesmente travam...
Olham para a
sua vida sentimental e contemplam os sonhos transformados em quimeras. O
casamento marcado foi cancelado e a noiva já dá sinais de exaustão nessa espera
sem fim. A festa, a viagem de lua-de-mel, as bodas de prata ou de ouro, a
formatura na faculdade, a inauguração de uma propriedade, a entrega de um
projeto, tudo tornou-se praticamente nulo. O amor que deveria ser desfrutado em
toda a sua plenitude tornou-se virtual e sem calor. Não há mais beleza em nada,
não há mais palavras a serem ditas. Tudo ficou desgastado.
Olham para a
sua vida espiritual e nada vêem senão promessas e bravatas. As inúmeras
mensagens bíblicas ou devocionais que recebem batem sempre na mesma tecla e não
tocam música alguma. Todos dizem muito sem dizer praticamente nada. Há uma
jactância posicional da fé, incompatível com a triste realidade vazia de uma
comunhão interrompida e quebrada. Igrejas inventam suas ceias à distância, sem
observar os ensinos do Novo Testamento. Cada um faz a sua própria ceia, na hora
que desejam, quantas vezes querem e com os elementos que escolhem. Convidam quem
querem, pois tudo não passa de algo meramente subjetivo e "a la carte", ao gosto
do freguês, ops, do crente. As igrejas passam semanas e meses nessas
intermináveis e intragáveis "lives", um misto de sons esganiçados, de frases de
efeito, de tentativa de normalidade eclesiástica e de trechos de outros cultos
selecionados. Mas a alma do crente geme e chora, se de fato é do rebanho.
Rebanhos não estão mais nos apriscos, mas esparramados nos lares, perdidos em
seus mundos de isolamento.
Pastores
gemem e choram também. Seus ministérios exigem que se faça alguma coisa, pois,
caso contrário as finanças sucumbirão e os crentes debandarão. Eles precisam
estar na mídia, senão a outra igreja tomará o horário nobre dos crentes sem
atividades. E eles não sabem mais o que fazer com tantas restrições. Têm visitas
a fazer, mas não podem. Têm aconselhamentos a dar, mas têm que usar a mídia. Têm
cursos, encontros, atividades planejadas, mas estão todas suspensas. Quantos
eventos foram cancelados e quanto prejuízo promocional aconteceu! Acabam sabendo
de gente que já debandou da igreja e que está se alimentando com tal mídia, com
tais obreiros e tais igrejas. Ele se sente só e abandonado, pois tem tanto que
dar e tão pouco a receber!
Mas estes
ainda estão melhores do que os pastores sem ministério. A pandemia os pegou em
trânsito, quando deixavam uma igreja e aguardavam a oportunidade em outra. Eles
deixaram de receber convites. Eles tornaram-se ignorados, absolutamente
descartados de qualquer processo, pois tudo parou. Os formandos, aqueles que
esperavam o início, não têm mais certeza de nada, pois também não pregam e não
servem em parte alguma. E os pastores aposentados? Tornaram-se peças de museu,
lembrados apenas pela memória dos que já envelheceram. Convites para pregar?
Pregar aonde? E se as igrejas abrem, o espaço não será deles. Nem dos pastores
sem ministério. Os titulares precisam garantir as suas
posições!
Nós temos
sede de relevância, de sermos importantes na vida de alguém. Experimente deixar
de mandar vídeos, áudios ou textos em mídias sociais e comunicadores virtuais.
Experimente silenciar. O resultado será o esquecimento de quase todos. Ninguém
está, de fato, se importando com ninguém. As pessoas publicam porque querem ser
importantes, querem ser lembradas, querem estar "no mercado". Elas assistem algo
de que gostam, escutam uma mensagem que lhes é agradável ou lêem uma notícia que
julgam importante e mandam. Mas assim: cruamente, sem um olá, sem um bom dia
pessoal. O máximo que mandam é um incômodo "emoji" essas figuras que fingem
representar algo, mas que não dizem nada. Quase tudo o que circula no whatsapp
náo é pessoal, é tudoum "recorta-e-cola". Silencie nas mídias, não mande mais
nada no whataspp e verá que ninguém mais lhe procurará, com raras exceções.
Estamos assim, num mundo com grandes volumes de material de comunicação, mas
vazio de relações pessoais. Temos um panelão a ferver no fogo, mas não há
comida, só há água e nada mais. Apenas movimento sem conteúdo. A panela ferve
sempre, a comunicação enche os nossos celulares; mas é quase tudo descartável,
impessoal.
Temos sede de
relevância, de sermos importantes para alguém, de sermos realmente considerados,
de sermos lembrados. Precisamos, porém, descobrir para quem vale a pena ser
importante. Ouso dizer que temos que encontrar 3 pessoas para as quais ter
relevância. Alistarei as três, sem com isso estabelecer hierarquia de
importância. As três são importantes.
A primeira:
RELEVÂNCIA PARA NÓS MESMOS. Se eu me vestir para os outros não encontrarei a
quem agradar ou não agradarei a todos. Se eu usar um perfume terei que gostar
dele. Se eu olhar a paisagem pela minha janela deverei celebrá-la comigo mesmo.
Fomos iludidos pelo excesso de mídia, julgando que temos que fotografar até um
prato de macarrão para mostrar para todo mundo. Nós nos tornamos incapazes de
fazer alguma coisa buscando agradar a nós mesmos. Temos necessidade de agradar
aos outros, de sermos aceitos, quando, na verdade deveríamos fazer as coisas
pelo prazer de fazê-las conosco mesmo. Somos as únicas pessoas que realmente
estão presentes 24 horas por dia e somos as que menos importância damos a nós
mesmos! Tenhamos auto-satisfação! Vejamos a paisagem e partilhemos conosco!
Ouçamos uma música e celebremos dentro de nós! Apreciemos uma comida e fiquemos
felizes por ter acesso a ela e saúde para digeri-la! O Senhor disse que
deveríamos amar ao próximo como "a nós mesmos". Que venhamos a nos amar
também!
A segunda:
RELEVÂNCIA PARA DEUS. Ele nos ama! Ele nos amou tanto que deu o Seu Filho
unigênito para por nós morrer e pagar o preço do nosso pecado. Ele nos salvou em
Cristo para uma nova vida, uma vida de prioridade, uma vida de relevância. Ele
deve ocupar a primazia de nossas atenções. Eu disse acima que devemos nos
agradar, nos amar. E a coisa que mais agrada a quem conhece a Deus é agradá-Lo e
fazer a Sua vontade! Nós nos vestimos para Deus, nos alimentamos para a glória
de Deus, fazemos as coisas para agradar a Deus! Se Deus não for a prioridade de
nossa vida não haverá felicidade, pois estaremos sempre adorando ídolos (ou nos
idolatrando) e tirando o lugar do Senhor de nossos corações. Ele nos vê mesmo
quando não postamos alguma coisa. Ele conhece tudo mesmo quando não tiramos
fotos dos eventos! Ele está presente mesmo quando o celular está desligado!
Ficamos desesperados quando o telemóvel está com a bateria por acabar, mas nem
percebemos que estamos com a nossa bateria de comunhão praticamente a desligar,
sem carga, sem conexão, sem esperança. Deus precisa receber a nossa principal
atenção.
A terceira:
RELEVÂNCIA PARA QUEM ESTÁ PRÓXIMO DE NÓS. Há pessoas que estão sempre próximas,
mas que, muitas vezes são ignoradas. Conheci uma família que chorou amargamente
a morte de uma empregada. Ela atravessara 26 anos trabalhando naquela casa, vira
os filhos crescerem e se casarem. Mas nunca fora convidada para uma festa, uma
celebração, uma viagem. Ela era sempre a funcionária, nada mais. Porém, quando a
tristeza batia, quando a doença chegava ou a necessidade imperava era a ela que
iam buscar para receberem ajuda e socorro. Ela morreu sem nunca ter sido
valorizada. Eles mandaram fazer um lindo túmulo, mas foi tarde demais. Seria
preferível um enterro simples e um reconhecimento em vida! Às vezes buscamos a
felicidade tão longe e ela está do nosso lado! Tentamos enxergar as coisas com
um binóculo, quando o que importa está a um palmo! Um pai, uma mãe, um irmão, um
tio, um cunhado, uma sogra, um vizinho, um colega, um amigo, um desconhecido.
Precisamos valorizar quem está próximo. Não adianta mandar dinheiro para a
caridade e deixar os seus à míngua! Não adianta pensar nos confins da Terra e
deixar a nossa Jerusalém sem evangelho!
Relevância.
Este é o segredo. Eu preciso ser relevante. Para Deus. Para mim. Para quem está
perto de mim. Isto realmente importa. Mesmo que todos me esqueçam. Mesmo que eu
não seja mais importante para ninguém. Mesmo que seja apenas eu só. "Mas não
estou só, porque o Pai está comigo." (Jo 16:32)
Wagner
Antonio de Araújo
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