quinta-feira, 24 de setembro de 2020

memórias literárias - 924 - OS SEUS SAPATOS

 OS SEUS

SAPATOS
 
924
 
Um pastor muito querido havia falecido. Ele deixara uma farta biblioteca, inúmeras pregações filmadas, gravadas, publicadas em livros. Fora um exemplo para todos os crentes. E agora a viúva, depois de refeita do luto, decidiu doar os seus bens. Afinal, na nova casa onde iria morar, pequenina e modesta, não haveria possibilidade de manter os ítens que tão úteis foram enquanto o seu esposo servia ao Senhor.
 
Ela ofereceu a sua biblioteca aos pastores que eram considerados íntegros pelo seu esposo. Ela sabia que a sua biblioteca não interessaria aos seminários modernistas, aos calouros em teologia repletos de novidades ou aos meros estudiosos que não agiam conforme as Escrituras. Doou os livros aos pastores dedicados a Deus e aos jovens pregadores que seguiam as sendas do velho mestre.
 
As roupas também foram para quem as utilizaria bem. Os ternos serviram na medida para colegas que tinham a estatura dele. As camisas foram úteis a alguns familiares. Roupas de baixo foram doadas à caridade. E as blusas foram para a campanha do agasalho.
 
Sobraram à viúva os escritos pessoais, as cartas, as fotografias, os vídeos, os áudios e apenas um ítem do vestuário. As irmãs mais próximas perguntaram-lhe por qual razão não queria doar o seu velho par de sapatos. Aliás, porque não desejou jogá-lo fora, visto que estava extremamente gasto, furado e com marcas irreformáveis por causa do uso. Suas palavras foram épicas:
 
- "O meu marido está com Cristo, aguardando a santa ressurreição. Ele está feliz, ao lado de Jesus e dos santos que o precederam. Ele não está mais doente, cansado, idoso ou limitado, como nos últimos tempos. Pelo contrário, tem um corpo lindo e jovem, temporário, aguardando o dia em que, com Jesus, voltará e ressuscitará, tornando-se completo na redenção. As suas lembranças são doces e seletivas. Ele sabe o que Cristo fez por ele e qual foi o preço da salvação. E vive a santa alegria dos salvos pela graça de Jesus".
 
- "Este par de sapatos velhos, desbotado pelo muito uso e carcomido pelo tempo, pelas águas, pelo desgaste natural, eu quis guardar comigo. Não para me servir de lamúrias, de murmuração contra a vontade de Deus. Ele sabe o que faz e levou o meu amado esposo na hora e no tempo em que julgou adequado. Mas estes sapatos são especiais. Digo que, para mim, se tornaram os sapatos mais importantes de toda a minha vida."
 
- "Neles eu vejo o quanto o meu marido serviu a Deus e o quanto amou a Jesus. Cada desgaste das solas testemunha os muitos lugares por onde foi, levando a Palavra de Deus, o testemunho de Jesus, o consolo do Espírito Santo e a redenção aos pobres pecadores inconversos. Quantos hospitais, quantas vielas, quantas casas, casebres, mansões, ruas, avenidas, estradas, edifícios, quantos lugares o meu marido não foi com este par de sapatos! E o destino sempre foi o mesmo: ir onde Deus o mandava! Disto eu não tenho dúvidas!"
 
- "Com estes sapatos o meu marido orou com os convertidos. Com eles levou a muitos pelo caminho da salvação. Foi calçado com eles que conduziu cestas básicas a lares tão carentes. Seus sapatos foram testemunhas de horas e horas de solene estudo bíblico e preparação para os seus sermões. Também o aqueceram nas noites de inverno, quando caminhava pelas ruas e congregações, levando o evangelho. Quantas vezes o sustentaram enquanto ele, ereto e em êxtase do Espírito Santo, pregava com poder e sabedoria a mensagem salvadora de Jesus no púlpito de nossa igreja, nas conferências que realizou, nos congressos onde pregou e nas reuniões que assistiu?"
 
-"Estes sapatos nunca pisaram a estrada da mentira, do engodo, da falsidade. Estes pés nunca precisaram de uma reprimenda para não caminhar no caminho dos pecadores, pois o meu marido de fato andava com Deus. Quantos homens hoje podem dizer o mesmo de si? Quantas esposas podem afirmar isso sobre seus maridos? Pois eu posso, minhas irmãs! O meu marido andou com Deus de verdade e eu sou grata ao Senhor por tamanha dádiva! A beleza dele nunca foi física, nunca foi econômica ou social. Para mim ele era belo, era rico e era uma dádiva no convívio com os nossos queridos. Mas a maior riqueza que ele tinha era a sua integridade. Eu não tenho dúvida alguma e sinto gratidão por isso!"
 
- "Com estes sapatos o meu marido andou com Deus. Os seus pés foram formosos, como os de João, o Batista, como os pés de todos os que anunciaram boas-novas ao longo da história e como espero que sejam os pés dos novos servos do Senhor que tomam para si a responsabilidade de pregar a Palavra de Deus!"
 
- "Por esta razão, minhas irmãs, eu quero ter este par de sapatos comigo. Quando eu partir podem dá-los a um jovem obreiro que palmilhe a mesma senda de fidelidade que o meu marido trilhou. Que lhe sirva de inspiração, de estímulo, de testemunho e de fortalecimento, passando a mensagem de que vale a pena andar nos caminhos do Senhor e ser fiel até a morte. O meu marido, exemplo de homem de Deus, foi assim. Por isso estes sapatos continuarão comigo, para que eu sempre me inspire e caminhe com Cristo como o meu marido caminhou, até que me una ao Senhor, partindo para o Céu, como ele também o fez."
 
Que palavras santas! Que palavras inspiradoras! Depois de ouvi-la eu olho para os meus sapatos e digo: será que a minha esposa poderá dizer o mesmo de mim um dia? Será que os meus filhos e os que me conhecem poderão afirmar o mesmo a meu respeito? Olhe para os seus sapatos. Por onde eles têm ido? Quais os caminhos que o leitor tem trilhado? Terá também a integridade que este velho pastor teve? Poderá deixar à esposa e aos filhos o mesmo testemunho de vida reta, digna, de sempre estar a andar sempre de acordo com a Palavra de Deus?
 
Ainda é tempo. Limpe os seus sapatos ou compre um novo par. E diga para si: de hoje em diante serei também digno de deixar os meus sapatos para quem eu amo, quando partir. E poderão orgulhar-se da vida que vivi. Os meus pés também serão formosos e serei um semeador de boas-novas.
 
Quão formosos os pés dos que anunciam o evangelho de paz; dos que trazem alegres novas de boas coisas. (Rm 10:15)
 
Wagner Antonio de Araújo

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