terça-feira, 25 de junho de 2013

memórias literárias - 91 - CORAGEM

91 - CORAGEM

Quando eu era pequeno meu pai não era cristão. Apesar de ser um honrado pai de família, supridor de todas as nossas necessidades materiais, a quem sou e serei perpetuamente agradecido, ele não tinha muito tato para tratar com seus filhos.


Todas as noites, antes de dormir, meu pai me obrigava a pedir "perdão e bênção". Eu peço a bênção e ensino os jovens a fazê-lo, também peço perdão pelas coisas erradas que eventualmente venha a fazer; mas aquilo já era demais: eu tinha que ajoelhar-me, implorar, e, se eu ameaçasse sair da sala ou do quarto dele, levava um tapa na orelha, um puxão de orelhas ou mesmo uma surra. Desconheço dias, quando pequeno, em que deitei sem derramar algumas lágrimas de tristeza e aflição, para dormir.

Como sói acontecer, isso causou-me problemas imensos: meu comportamento escolar sempre foi tímido e defensivo, sem me expor, amedrontado de tudo e de todos. Fugia das brigas, pagava para não ter desentendimentos com ninguém, pois já vivia de forma difícil em meu lar.

Lembro-me do trauma que tenho até hoje de bola de futebol. Estávamos na roça. Meu pai estava no bar, "jogando conversa fora" com seus amigos de infância. No campinho de várzea, os filhos deles, contemporâneos meus, estavam jogando uma pelada (jogo de futebol). O campo estava cheio de lama, resultante da chuva que caíra uma hora antes. Eu não sabia jogar bola, pois meu pai, além de não jogar, me proibia de estar com outros garotos da rua. Vivia trancado em casa. Assim, jogar bola não era comigo.

Então, no bar, surgiu a conversa sobre a virilidade dos garotos. Os amigos do meu pai gabavam-se dos filhos que se chutavam lá no campo, imundos na lama. Meu pai, que não queria ficar para trás, chamou-me dizendo: "- Vá jogar bola já!". "Mas, papai, o senhor disse que isso é coisa pra marginais, eu nunca joguei!" Meu pai deu-me um tapa no rosto e gritou: "Cala a boca, vá jogar bola, senão eu quebro você aqui mesmo!"

Chorando e tremendo, eu fui para o campinho. Os garotos, rindo, receberam-me no time sem-camisas. Meu Deus, que dia infeliz! Eu não sabia chutar, não sabia passar, não sabia driblar, não sabia absolutamente nada! Quando a bola chegava, eu me desesperava. Como eu só fazia coisas erradas, apanhei como um cão viralatas naquele campo. Rolei na lama, fui xingado, agredido, foram os 20 piores minutos da minha infância (tinha 9 anos). Quando terminou, o meu pai foi até o campinho, e, na frente dos outros garotos, surrou-me como nunca, pois os comentários eram que eu não passava de um perneta.

Cresci. Aos quatorze anos entreguei a minha vida para Cristo! Como diz o hino do Cantor Cristão,
"Ditoso o dia em que aceitei do meu Senhor a Salvação! A grande paz que eu alcancei perdura no meu coração". Tudo mudou. A covardia oriunda de uma criação acuada e violenta transformou-se em coragem para servir a Deus e enfrentar a vida, pois o nosso Salvador é capaz de transformar tragédias em vitórias, tristezas em alegrias, problemas em soluções, solidão em companhia, perdição em salvação. Com Cristo tudo mudou para mim! Deus transformou-me numa nova criatura, usando as coisas que me aconteceram como base na formação do meu caráter. Como sou grato a Deus! Como bendigo ao Senhor por tudo que já me aconteceu nesses 36 anos de existência! Como agradeço a Deus também pelo meu pai, de saudosa memória, ele, que já está com Jesus, pois morreu regenerado por Cristo! Aleluia!

Tu és fiel, Senhor, Tu és fiel, Senhor
Dia após dia, com bênçãos sem fim!
Tua mercê me sustenta e me guarda!
Tu és fiel, Senhor, fiel a mim!

Aprendi a ter coragem.

Coragem para enfrentar as limitações. Não serei nunca o melhor, mas não precisarei ser o pior. Posso melhorar. Posso enfrentar as minhas limitações e procurar superar as dificuldades. Não preciso ter vergonha de dizer "não sei"! Mas posso muito bem querer saber e buscar aprender! Contento-me com as coisas pequenas! E o melhor lugar para mim é o centro da vontade de Deus.

Coragem para assumir as coisas que digo. Enquanto muitas pessoas são covardes, escondendo-se atrás dos que vão à frente, vão à luta, que assumem posições e colocam a cabeça a prêmio, o meu sofrimento deu-me base para nunca mais, em tempo algum, ter medo de ser quem sou, de assumir uma postura, assumir um parecer, colocar com educação a minha opinião. Ter coragem não significa ser mal educado, mas ter a educação de dizer sim para algumas coisas e não para outras. Ter coragem é não ser morno, indefinido, mas ter identidade daquilo que se crê, daquilo que se ensina, daquilo que se vive. E essa coragem eu sempre quero ter, na graça e misericórdia do Senhor.

Coragem para pedir perdão e dizer "eu estava errado; me perdoe". Durante um tempo deixei de pedir perdão ou desculpas, pelo excesso de pedidos que fizera no tempo de criança (era o que eu pensava). Contudo, quando aceitei a Cristo, o Espírito Santo tornou-me alguém que valoriza o bom relacionamento com o próximo e a comunhão com o Senhor. Diz a bíblia que, no possível, eu deveria ter paz com todos os homens. Também diz que, se eu for ofertar no altar do Senhor, e perceber que meu irmão tem algo contra mim, deverei deixar a oferta no altar e buscar a reconciliação. Errei? Assumo o meu erro e peço perdão. É vergonhoso? Não, é "dignificante"! É melhor dizer "errei", do que manter um erro até o fim, destruindo a possibilidade de consertar uma situação. A humildade é uma chave que abre as portas mais difíceis!

Coragem para trabalhar. A vida não foi feita para a preguiça, para a contemplação, para a inatividade. Há muito o que fazer. Somente com o trabalho digno, trabalho honrado, é que podemos construir algo duradouro. E Deus tem sido tão bondoso para conosco, dando-nos um corpo perfeito e oportunidades de progresso! Há tantos que têm muito menos do que nós, e são produtivos e felizes!

Coragem para morrer. Se alguém não sabe viver, também não saberá morrer. Temos que estar preparados para a morte. Cristo nos prometeu vida eterna, prometeu-nos uma morada no Céu, garantiu-nos o perdão dos pecados. É imprescindível estarmos prontos para a morte. É claro, ninguém fica aguardando a morte, como um louco. Contudo, se ela chegar, deveremos acolhê-la com resignação, entregando a Deus o nosso espírito.

Nestes últimos dias, como resultado de uma das crônicas de dezembro, tenho recebido e-mails maravilhosos, de congratulações. A esses eu agradeço. Também tenho recebido mensagens de discordância, às quais eu também agradeço. Mas aos caluniadores e difamadores, aqueles que dizem inverdades da forma mais dura que se possa imaginar, eu respondo com toda a firmeza aquilo que creio, para que possam saber que em Cristo Jesus somos feitos soldados do Senhor, corajosos pela fé, como diz o conhecidíssimo hino presbiteriano: "Corajosos, pois, de tudo o defendei, marchando para os Céus".

Finalizando, é preciso também coragem para seguir avante em Cristo. Muitas vezes o cansaço do caminho, as tentações do deserto e as vicissitudes do coração nos levam a titubear. Mas, quando as nossas forças estão para se esgotar, o Senhor vem até o nosso coração, nos dizendo: "Não temas, que eu sou contigo; não te assombres, que eu te ajudo". Aleluia!

Se o fardo é pesado, Deus dá maior graça,
Maior fortaleza se é grande o labor!
Se a prova é mais dura, maior o consolo,
Mais quentes as chamas, mais perto o Senhor!

Amor sem limites, poder sem fronteiras
E graça infinita e inefável tem Deus!
E desses tesouros guardados em Cristo,
Dá sempre, dá sempre a todos os Seus!

E quando os recursos em nós se esgotarem,
E a força faltar-nos pra mais suportar,
As fontes eternas da graça divina
Terão começado somente a jorrar!

Pr. Wagner Antonio de Araújo, 2001

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