terça-feira, 4 de abril de 2017

memórias literárias - 432 - ME DEIXA TRISTE


ME
DEIXA
TRISTE

432
Antes de sair para o gabinete pastoral (estou no escritório em casa), preciso repartir um sentimento de tristeza.

- Como estão fulano e beltrano?

- Estão bem! Congregam na igreja do pastor tal; agora já tem um galpão para três mil pessoas...

Pensei: esse dito pastor profetizou que seria presidente da república; mentiu descaradamente em ditas profecias com o grupo do g12, era um batista muito carismático e renegou a fé; apareceu com desvios de dinheiro etc. Mas as pessoas pagam para ouvir um pilantra. Elas financiam a mentira. Elas não se preocupam com o certo ou o errado; a fama cobre tudo isso. E estão lá, financiando a megalomania dos mentirosos.

- Pastor, e a juventude?

- Perdi quase todos os jovens. Foram para a igreja tal...

A dita igreja tem um pastor que prega ser Deus um promíscuo. Ele diz que Jesus cantou a mulher samaritana. Também prega que Lúcifer estará à mesa no céu, junto com Hitler e com Herodes. Seu salário tem 3 dígitos em milhares. Mas não importa o que prega, não importa a sua arrogância; não importa que denigra a imagem de Deus. O povo ama a mediocridade, o povo paga para ver um famoso ganancioso. O povo financia a mentira. Deixam as igrejas sérias, bem estruturadas, e correm para os cercadinhos luxuosos, onde a mídia e a contemporaneidade têm postos permanentes. E esvaziam as boas igrejas.

- Como vai a família de Beltrano?

- Estão congregando com o Apóstolo tal. Continuam a morar no mesmo lugar.

Famílias moram encostadas na igreja do bairro, séria e bíblica. Até congregaram ali no passado. Mas abandonaram a pequenina, apontando os múltiplos problemas que se usam para justificar as decisões esdrúxulas, e partiram para a igreja do apóstolo. Ah, essa não tem problemas. O mentiroso que a administra ganhou o título de um político religioso. Recebeu verba do governo para comprar o terreno, para levantar o galpão e cede o púlpito para as campanhas políticas. Essa família roda oito quilômetros para chegar à igreja, onde, além de entregarem o dízimo, pagam para cantar no coro, para participar do ministério infantil e fazem os propósitos impostos sem dó e nem trégua. Mas essa igreja é boa. A do bairro, do lado de casa, com uma comunidade solidária e muito, muito serviço para todo mundo trabalhar, não presta. Levaram embora os recursos que, por pequenos que fossem, auxiliavam muito na realização do trabalho de Deus do local.

Esse mundozinho é realmente uma piada.

E as pequenas igrejas de bairro, coitadas, continuam tendo como maior inimigo não o mundo e o diabo, mas os próprios companheiros de guerra. Grandes igrejas da contemporaneidade (com exceções, é claro), costumam crescer com os membros das igrejas pequenas e de bairros. Não pedem transferência, não dão satisfação e nem sentem qualquer drama de consciência em apossar-se dos servos que militam na mesma obra nos bairros distantes. Seu desejo é crescer, crescer e crescer, custe o que custar. E as não famosas, periféricas ou pequenas, vão sendo desprovidas dia após dia de gente, de recursos, de crianças, de dons, talentos e vocações. Pobres igrejas.

Que Deus tenha piedade de nós, míseros pastores de periferia, que servem dia e noite sem parar, com poucos membros e muita coragem, buscando servir ao Senhor com o nosso melhor. Sabemos que muitos que conosco congregam e são edificados partirão, sem olhar para trás, buscando uma grande igreja onde depositar seus filhos e passar momentos de lazer e de shoping (muitas igrejas tornaram-se mercados de tudo quanto é coisa). Lembro-me bem de uma família que pudemos ajudar. Quando equilibraram-se, foram-se embora, dizendo que nossa pequenina Boas Novas não tinha nível para eles...

Envio um abraço aos meus irmãos que assim também sofrem. E lhes digo: não esmoreçam. Continuem onde o Senhor os semeou, sem olhar tamanho, dificuldade ou ingratidão (uma constante desde o tempo de Jesus, e muito antes, desde Adão e Eva). Em tempo apropriado ceifaremos e receberemos de Deus a recompensa no céu. Que não esperemos dos homens, pois não virá. E que continuemos a trabalhar com alegria no Senhor, razão de nosso ministério.

Não temais, ó pequeno rebanho, porque a vosso Pai agradou dar-vos o reino. (Lc 12:32)

Portanto, meus amados irmãos, sede firmes e constantes, sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que o vosso trabalho não é vão no Senhor (1Co 15:58)

Conheço as tuas obras; eis que diante de ti pus uma porta aberta, e ninguém a pode fechar; tendo pouca força, guardaste a minha palavra, e não negaste o meu nome. (Ap 3:8)

E por isso, se o faço de boa mente, terei prêmio; mas, se de má vontade, apenas uma dispensação me é confiada. (1Co 9:17)

Pastor Wagner Antonio de Araújo
pastor de uma igreja de 25 membros,
na periferia de Carapicuíba, à beira de um córrego,

que roda 60 quilômetros em cada ida e vinda.

Um comentário:

  1. Meu amado e querido pastorWagner, também sinto-me triste com essa situação. Mas regozijo-me por encontrar homens valorosos e fiéis ao Senhor da Seara como o irmão. Estamos no mesmo barco.

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