sábado, 7 de março de 2020

memórias literárias - 854 - O VALOR DO SILÊNCIO

O VALOR
DO
SILÊNCIO
854

Há hora para falar e não fazê-lo é crime e pecado. "Fala e não te cales!". É a voz do evangelista que proclama a salvação, é a voz de João, o Batista, a clamar no deserto no preparo de um povo em condições de receber o Messias de Israel. É a voz que denuncia o pecado e que não pode deixar de fazê-lo.

Mas há hora de calar. Há hora em que o silêncio é mais eloquente do que mil palavras. Há momentos em que nada dizer pode dizer tudo! Portanto, meus amados irmãos, todo o homem seja pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar. (Tg 1:19).

Assistimos perplexos às crises que o governo brasileiro provoca do nada, pura e simplesmente por não ser capaz de fazer um pouco de silêncio até que as suas próprias ações falem por si sós. Saímos de uma crise mal resolvida e, como um raio, sofremos novo impacto com outra, pior do que a anterior, sem qualquer razão útil ou fato novo! Jamais assistimos a tanto vozerio belicoso, confrontador e inútil.

Em nossas vidas pessoais somos vítimas do mesmo pecado e do mesmo erro. Quantas vezes destruímos um dia que poderia ter sido tão lindo com o simples fato de falarmos demais! Quantas vezes as nossas palavras amargam uma relação para sempre! Quantas vezes quebramos o cristal de uma sólida amizade pelo simples fato de dizermos coisas inconvenientes, coisas que estavam na ponta da língua e que jamais deveriam ter sido liberadas!

Há quem perca o posto de trabalho por não saber manter o silêncio. Há quem perca a aula por não colocar os ouvidos a postos pelo uso inconveniente da própria boca! Há quem destrua em cinco minutos a construção de meses de trabalho quando estoura emocionalmente e diz coisas inconvenientes para quem nem de longe deveria ter ouvido!

E se formos às igrejas perceberemos que grande parte de seus males está no poder da língua, este órgão tão pequenino e que se gaba de tão grandes coisas! A língua, segundo Tiago, é fogo que coloca em chamas uma floresta inteira. Por causa das palavras as guerras se levantam, os homens se matam, as famílias se separam e outros se suicidam. São as palavras que mais marcam uma infância mal dirigida. Palavras ruins dóem mais do que uma surra!

Quem fala demais costuma não ser valorizado, uma vez que os ouvintes têm que filtrar muito o que ouvem. No início até são levados em consideração. Com o tempo ele passa a ocupar o papel do bizarro, do bisonho, do estranho, do maluco. Acaba por tornar-se cão que ladra mas que não morde. Não morde mais atrapalha, machuca, enraivece, entristece.

Diz o autor de Eclesiástes que há tempo de falar e há tempo de calar. Há tempo em que devemos dizer o que pensamos e outro em que nos calamos para que apenas nós e Deus saibamos o que se passa em nós. Há tempo de tirar satisfações, mas há tempo de nada mais dizer. Jesus Cristo em um momento abre a boca e diz: "Quem de vós me acusa de pecado?"; posteriormente, quando indagado por Herodes e por Pilatos, resolve nada dizer. Há tempo para todas as coisas e há tempo de silêncio.

Eu já falei muito e em muitas ocasiões fui feliz. Em outras, entretanto, falei demais e não tive sucesso. Nos meus 54 anos de vida já experimentei todas as fases das palavras e do silêncio. E confesso: há muito o que dizer, mas também há muito o que calar. As frases mais contundentes que ouvi estavam em pessoas cujo silêncio me encantava. Falavam pouco, mas o pouco que diziam era de uma profundidade a toda prova. Palavras cujo valor em muito excederam o das pedras preciosas. Então eu decidi também ter palavras dessa importância, poucas e escolhidas.

Se cada um de nós fizesse um exame de si próprio, avaliando quantas palavras tem dito e que poderiam ter sido guardadas, nos espantaríamos com tanto vozerio perverso e deselegante. Se nos conscientizássemos de que seremos julgados por aquilo que as nossas bocas disseram, por aquilo que falamos pelos cotovelos, teríamos maior responsabilidade com as nossas palavras, sejam elas faladas, escritas, sinalizadas ou pensadas, pouco importa.

No silêncio voluntário da alma podemos encontrar a solitude da comunhão com Deus. E enquanto aquietamos a alma poderemos com maior certeza ouvir a voz de Deus, que fala em nossa quietude. Quanto mais quietos e atentos maiores as chances de ouvir a voz do Senhor. Lembremo-nos que foi assim que Elias ouviu a Deus: só depois que o terremoto, o vento e o fogo se evadiram, dando lugar à brisa mansa e sossegada de uma alma que se abre ao Senhor. "Fala, Senhor, porque o Teu servo ouve!".

Queira Deus que o meu silêncio não seja o da omissão, pois há hora para falar. Mas que seja um silêncio solene de quem diz tudo num olhar, num gesticular, num simples calar. Que os meus filhos aprendam comigo a falar menos e a dizer mais; a falar pouco, mas falar com poder e com graça; a falar as palavras que o Senhor colocar na alma e no coração.
Agora vou encerrar, pois preciso silenciar enquanto o meu leitor medita em minha reflexão, já agradecendo pela atenção dispensada.

Wagner Antonio de Araújo

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