DAR
OU
RECEBER
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"Todos da Ásia me abandonaram" - Paulo, Apóstolo, ao
final de sua carreira, conforme 2 Tm 1.15.
Classificamos
as pessoas em dois grandes grupos: as que nos dão algo e as que recebem algo de
nos.
Ao grupo dos
que nos dão algo consideramos importante e precioso, pois nos supre. São pessoas
que nos dão atenção, carinho, mensagens, afeto, algumas vezes ajuda financeira
ou moral, pessoas que nos indicam para alguma coisa, gente que nos acrescenta
valores, importância, fama, oportunidades. São pessoas que fazemos questão de
saudar, de felicitar, de destacar, de dar presentes às vezes caros. Queremos
marcar presença para que saibam que estamos presentes e atentos. Talvez o motivo
não seja a importância que elas têm para nós, mas sim as coisas que por nós
fazem. Queremos manter isso de forma continuada. Nós garantimos acesso ao
palácio real.
Já ao outro
grupo, o que depende de nós, onde nós exercemos o papel acima descrito,
consideramos muito desigual. Há os que nos procuram enquanto temos o suprimento
farto para que com eles repartamos a prosperidade. Quando estamos empregados,
quando estamos bem estabelecidos, quando temos um papel preponderante na
sociedade em que vivemos, somos procurados, contatados, solicitados, bajulados,
valorizados. Às vezes corremos o risco de nos sentirmos importantes na vida
dessas pessoas. Julgamos que elas de fato nos dão valor. E, não raras vezes,
acabamos por abrir o coração e aceitar o afeto e a amizade como sincera e
honesta. Mas ai de nós se não ocuparmos os lugares de destaque que ocupamos!
Tornamo-nos reféns dos sentimentos desenvolvidos. Os que dantes julgávamos
amigos, próximos, solícitos e preciosos simplesmente nos abandonam, desaparecem,
esquecem-se de nossa importância!
Exemplos há
aos montes. Pais que criaram os filhos, que se dedicaram incansavelmente ao seu
sustento, cuidados, estudos, suprimentos, são lançados à marginalidade dos
corações ingratos daqueles que cresceram. Tais pais tornam-se um estorvo a cada
ano que passa, principalmente por impedirem o uso pelos filhos dos poucos bens
que irão deixar. Alguns são lançados num asilo para viverem bem longe e morrerem
bem rapidamente.
Diretores e
gerentes que eram bajulados por seus funcionários, que recebiam cartões de
felicitações ou convites para celebrações sociais, ao deixarem os seus postos,
seja por aposentadoria ou por demissão, são esquecidos por aqueles que antes
lhes davam tanta importância. Não são raras as vezes que os antigos clientes e
funcionários bloqueiam os seus números de contato e não aceitam ser procurados
pelos que não exercem mais as importantes funções. Estes ex-importantes entram
para o rol dos recém-inexistentes.
Professores
que ajudaram na formação de alunos, que os ensinaram a pensar, a avaliar, a
julgar, a construir, a seguir em frente, são riscados das agendas e dificilmente
lembrados pelos alunos vencedores. Talvez o sejam por algum canal de televisão
que celebre a vitória política de algum candidato, não por valorizarem o mestre,
mas para contar alguma história comovente e assim tornarem o político vencedor
em alguém humano e bondoso, pura fábula ilusória da mídia. A maioria dos
professores são relegados ao mais profundo esquecimento. E a nova geração de
professores já entra no mercado de trabalho protegida contra esse tipo de
relação: eles não se apegam mais aos alunos, uma vez que não querem sofrer a dor
do esquecimento.
Por fim, o
ministério pastoral também traz consigo dores intensas. Um pastor que exerce o
seu ministério numa igreja considerada importante, que tenha um palco visível,
que ocupe uma posição de destaque, é bajulado, procurado, afagado, amado,
presenteado, tem o seu telefone a tocar o tempo todo, recebe as visitas mais
inesperadas, homenagens sem conta. Basta que ele não ocupe mais a função, que se
aposente, que se exonere ou que vá para outras searas, que todo o carinho antes
recebido desaparece. Ele torna-se uma grande página virada, um grande objeto de
museu, uma informação perdida nos bancos de dados históricos de uma instituição.
Seu telefone se aquieta, sua casa não é mais local de encontros e visitas, seus
aniversários não são mais lembrados, exceto pelos mortos sistemas automáticos de
mídia, que, despidos de coração, festejam a tudo sem nada
sentir.
O que escrevo
é a realidade. Muitos pensam mas nada dizem. Tornei-me figura carimbada porque
Deus deu-me uma garganta corajosa, mesmo que na ponta dos dedos (quando não
tenho a chance de dizer publicamente; coragem nunca me faltou). Já vi pastores
chorarem o abandono. Já vi missionários padecerem necessidades depois de se
aposentarem. Já vi antigos príncipes do púlpito terem os seus nomes apagados dos
anais da história de igrejas locais. Já vi e já chorei com estes colegas. Eu
nunca desprezei alguém que não ocupava mais o pedestal de sua função, de sua
profissão, de seu meio de atividade. Para mim as pessoas não valem pelo poder
exercido ou o cargo que têm, mas por serem quem são. Pastores não são
importantes porque podem me dar algo, recomendar-me ou trazer algum benefício,
mas por serem pessoas especiais, cujas vidas inspiram e cujas experiências
demonstram que andam com Deus. Sempre primei por valorizar alguém
independentemente do que pudesse me dar. As pessoas não valem por serem meras
doadoras, mas por serem quem são! Eu, já com 32 anos de pastorado, também
conheço bem a dor do esquecimento e do telefone silencioso depois de algum
ministério; conheço bem a dor de não ser mais importante como parecia ser
enquanto no exercício de uma liderança. Conheço a ingratidão por parte de quem
se beneficiou de nossa generosidade.
Eu me
pergunto: eu sou do tipo que dou ou do tipo que recebe? Eu sou do tipo que
valoriza apenas a quem me dá algo ou valorizo para sempre quem conquistou um
espaço em meu coração? Quanto aos idosos eu os desprezo, considerando-os gente
que já ocupou espaço demais neste mundo, ou honro-os até ao fim, dando a eles o
valor devido por serem quem são? Quanto aos pastores eu os considero apenas
enquanto ocupam pastorados importantes, cujas decisões podem me beneficiar de
uma forma ou de outra ou os valorizo para sempre, independente do que possam me
dar?
Dar ou
receber. Às vezes damos. Às vezes recebemos.
E às vezes
somos esquecidos. Que não sejamos ingratos e que não nos esqueçamos de ninguém.
Aliás, que sejamos presentes fisicamente, pessoalmente, e não apenas no
simulacro das comunicações virtuais.
Ofereço estas
palavras aos que, como eu, são humanos e experimentam a mesma
humanidade.
E termino,
dizendo: Deus JAMAIS se esquecerá dos Seus. Ele não se esquecerá dos esquecidos.
Basta que Ele se lembre. Até de um copo d'água fria, ofertado com amor e em nome
de Jesus. Que Ele seja glorificado!
Wagner
Antonio de Araújo.
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