sexta-feira, 27 de março de 2020

memórias literárias - 861 - REENCONTRO

REENCONTRO
 
861
 
O confinamento em quarentena no qual o mundo foi submetido tem trazido as suas consequências familiares.
 
Por um lado há lares em pé de guerra, pois jamais conviveram tanto tempo juntos e não se acostumam uns com os outros. Antes do vírus estavam quase sempre fora do lar. A agenda do marido era tomada de compromissos ou de eventos externos. A da esposa também, deixando filhos e responsabilidades caseiras nas mãos de terceiros (babás, avós, escolas ou tarefas distribuídas). Os filhos só estavam em casa à noite, para dormir, ou nos finais de semana quando não tinham eventos. Agora, com o confinamento as diferenças são evidentes, o convívio difícil, a indisposição generalizada.
 
Por outro lado há famílias que se reencontram. Há quanto tempo o casal não convivia tanto tempo em um só lugar! O tempo sobra e agora podem deixar os sentimentos aflorarem no coração. Pais podem conhecer os filhos de forma melhor e mais detalhada, e contemplar se acertaram ou erraram na educação dos mesmos. Arestas e crises mal resolvidas tiveram que ser encaradas e ultrapassadas. Tarefas foram distribuídas e finalmente os habitantes da casa se sentiram parte da família.
 
Foi preciso um vírus para virar a atenção das pessoas à matriz de suas vidas: a família! Filhos muitas vezes têm mais contato com amigos e com gente desconhecida das redes sociais do que com os pais constantemente ausentes. Casais quase não se falavam, não se viam, não namoravam, não conversavam, e agora, no confinamento, são levados a explorar novamente aquilo que um dia os uniu.
 
Tem sido também um momento para redescobrir o quanto somos frágeis e o quanto precisamos uns dos outros. Normalmente alguém vai ao mercado e à farmácia suprir a família dos produtos necessários. Geralmente, esta pessoa não faz parte do grupo de risco e tem cuidado para não contaminar os que ficam. As expressões de serviço e de amor ressurgem, dando a chance da família reconstruir os vínculos outrora desprezados.
 
Por fim, estamos valorizando o que dificilmente considerávamos: a liberdade! Como faz falta caminhar na rua, passear, ir a parques públicos ou viajar de carro! Como sentimos falta de trabalhar, de ir à escola, de seguir com os nossos planos e projetos, com as nossas vidas! Assim como só damos valor à água quando a companhia de saneamento corta o fornecimento, só valorizamos a energia elétrica quando não há luz em nossas residências, agora prezamos tanto pela rotina de atividades, rotina contra a qual reclamávamos anteriormente! Nós éramos felizes e não sabíamos!
 
Nós nos reencontramos também com aquilo que realmente é essencial no orçamento: comida, roupa limpa, fornecimento de coisas básicas e saúde. Hoje, com o comércio fechado não temos como comprar futilidades ou investir em objetos que de nada nos servirão. De que adianta um tênis de corrida se não podemos correr? De que nos serve uma viagem para uma praia se não podemos nos deslocar? E aquele carro novo se não podemos trafegar? Além disso, corremos o risco de ver as nossas fontes de renda se esgotarem: os que investiram em bolsa de valores choram o derretimento de suas economias; os que dependem do comércio correm o risco de perder o emprego; os empresários de fecharem as suas firmas; os prestadores de serviço não têm a quem oferecer os préstimos! Chegamos ao tempo em que ter um prato de comida e algo para vestir já significa uma grande coisa!
 
Mas, acima de tudo isso (e complementando tudo o que falei) o relacionamento de cada um com Deus está sendo colocado à prova. Se a nossa religiosidade não passava de eventos sociais, de tradições de família que não conquistavam os nossos corações e uma fé vã sem nenhuma prova de realidade, então deixamos Deus do lado de fora de nossas casas. Se (ou quando) voltarmos à normalidade encontrarmos algum tempo para exercer a fé nominal, o faremos. Caso contrário, ela não nos terá feito falta. A verdade, contudo, é que Deus faz falta, mas a mente cauterizada não o percebe. Sentiremos a deficiência da fé se adoecermos mortalmente e formos expostos ao encontro com a eternidade. Ah, daí choraremos por não termos nem certeza do que virá e nem alguma âncora real na qual ancorarmos a nossa alma. E a morte está na agenda do dia em todo o mundo!
 
Aqueles, contudo, cuja fé não era vã e que conheciam a verdadeira experiência com Deus não deixaram o Senhor fora da quarentena, não suspenderam a sua vida devocional. Pelo contrário, levaram consigo toda a sua comunhão com Deus. Cristo, o Senhor, tornou-se mais presente do que nunca! Ao redor de Jesus as famílias renderam as suas vidas e deixaram-No falar através das páginas da Bíblia, dos hinos de louvor ao Senhor, dos encontros virtuais com quem nEle também crê e com as atividades da igreja que estão a funcionar à distância. As igrejas de Cristo nasceram nos lares e reencontraram o seu viveiro fértil no seio das famílias confinadas. Cristo está nessas casas e a Sua Palavra é a única que tem fundamento, é verdadeira e satisfaz a alma.
 
Certamente este é um tempo de exceção. Não será para sempre e nem pode, pois a vida deve continuar. Mas enquanto somos obrigados a ficar em nossos cantos, reencontremos a razão de nossas vidas. Reencontremos a nossa família. Restauremos o bom relacionamento com os nossos familiares. Cultivemos a generosidade e a operosidade do amor. Derrubemos as muralhas construídas ao longo da vida e trabalhemos em prol do fortalecimento de nossos laços. Mas, acima de tudo, deixemos Deus estar presente, buscando-O com fé, fundamentando a Sua presença com o que Ele ensina na Bíblia Sagrada, a Sua Palavra, e renovemos o nosso amor pelo Senhor.
 
Se Jesus voltar agora saberá encontrar os que O amam. Se não voltar sairemos do confinamento mais humanizados e mais crentes em Jesus.
 

Wagner Antonio de Araújo

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